Imagine segurar um objeto que já esteve nas mãos de uma das figuras mais sombrias da história. Não é algo que se vê todo dia, certo? Em 2022, um relógio de ouro de Adolf Hitler, tomado de seu refúgio nos Alpes por um soldado francês nos últimos momentos da Segunda Guerra Mundial, foi leiloado em Maryland, nos Estados Unidos, por 1,1 milhão de dólares, bem menos que os 2 a 4 milhões estimados inicialmente.
Fabricado pela suíça LeCoultre, o relógio é uma peça de luxo marcada por símbolos inconfundíveis: as iniciais de Hitler, a suástica e a águia imperial alemã. Gravadas no ouro, estão três datas simbólicas: o aniversário do ditador, o dia em que ele assumiu como chanceler e a vitória do Partido Nazista nas eleições de 1933. Acredita-se que o presente veio da própria legenda nazista, logo após sua ascensão ao poder em 1933. O design é intrigante: reversível, permite girar o mostrador para dentro, protegendo-o e exibindo as gravações. Embora os componentes sejam da LeCoultre, a montagem parece ter sido feita por Andreas Huber, relojoeiro ligado à corte bávara. Registros? Poucos. Os da Jaeger-LeCoultre não existem, e os de Huber viraram cinzas num bombardeio em 1944. Ainda assim, uma carta de um relojoeiro suíço e o depoimento da filha do soldado que o pegou garantem sua origem.
Bill Panagopulos, chefe da casa de leilões, vibrou com o evento. “Único! Nunca tínhamos leiloado um relógio de Hitler, e este tem procedência sólida”, disse ele na época. Já vendeu de tudo do ditador, pratos, roupas, móveis, mas um relógio, afirmava, era mais pessoal. Ele insistiu que não era uma homenagem. “Não estamos celebrando o pior homem da história. É uma relíquia rara, um eco de um tempo terrível que precisa ser lembrado.”
A história do relógio é quase um filme. Em maio de 1945, o sargento francês Robert Mignot integrou a tropa que invadiu o Berghof, o retiro alpino de Hitler. Antes dos americanos chegarem, os soldados pegaram o que podiam. Entre os “troféus”, os itens do Führer valiam ouro. Mignot levou o relógio para a França, vendeu-o a um primo, e o neto desse primo decidiu leiloá-lo em 2022.
O leilão, claro, gerou polêmica. Alguns defendiam a preservação da memória histórica; outros viam um risco de glorificar o horror. Vendido por 1,1 milhão de dólares, o relógio ficou com um comprador anônimo, dizem que um judeu europeu. Seja como for, essa peça é mais que um objeto: é um fragmento de um passado que, gostemos ou não, ainda ressoa.