A acusada Irmgard Furchner, então com 96 anos, ex-secretária do comandante da SS no campo de concentração de Stutthof, sentou-se no tribunal, pela primeira vez, quando o julgamento começou em Itzehoe, norte da Alemanha, em 19 de outubro de 2021.
A ex-secretária que trabalhava para um comandante de campo de concentração nazista foi condenada por cumplicidade no assassinato de mais de 10.505 pessoas.
Irmgard Furchner, agora com 97 anos, trabalhou na adolescência em Stutthof como datilógrafa, de 1943 a 1945.
Uma mulher cúmplice dos horrores do Holocausto
Furchner, uma das poucas mulheres condenadas por crimes nazistas na última década, foi sentenciada a dois anos de prisão sem condicional.
Embora ela fosse uma civil, o juiz admitiu que ela estava plenamente ciente do que acontecia no campo de concentração.
Acredita-se que cerca de 65.000 pessoas morreram nas terríveis condições de Stutthof, incluindo prisioneiros judeus, poloneses não judeus e soldados soviéticos.
Como Furchner tinha, então, apenas 18 ou 19 anos, ela foi julgada em um tribunal especial de menores.
O campo de concentração Stutthof perto de Gdańsk, agora na Polônia, usou vários métodos para matar prisioneiros – milhares morreram nas câmaras de gás a contar de junho de 1944.
Sobreviventes do Campo foram ouvidos pelo Tribunal
O tribunal de Itzehoe, no norte da Alemanha, ouviu sobreviventes do campo, alguns dos quais morreram durante o julgamento.
Quando o julgamento começou em setembro de 2021, Irmgard Furchner fugiu da casa de repouso onde morava e mais tarde foi encontrada pela polícia em uma rua de Hamburgo.
O comandante do campo de concentração de Stutthof, Paul-Werner Hoppe, foi preso como cúmplice de assassinato em 1955 e solto cinco anos depois.
Precedente aberto em 2011 confere novo julgamentos
Desde 2011, a Alemanha passou por uma série de julgamentos após a condenação do ex-chefe do campo de concentração nazista, John Demjanjuk, estabelecer o precedente de que compor a guarda do campo é evidência suficiente para provar cumplicidade.
A decisão também significava que Furchner, ainda que sendo uma funcionária civil, poderia ser processada por trabalhar diretamente ao comandante do campo e cuidar da correspondência acerca dos prisioneiros de Stutthof.
Foram necessários 40 dias para ela quebrar o silêncio durante o julgamento – finalmente, dizendo ao tribunal: “Lamento tudo o que aconteceu.” “Sinto muito por estar em Stutthof na época – é tudo o que posso dizer”.
Seus advogados de defesa argumentaram que ela deveria ser absolvida por haver dúvidas acerca do que ela sabia, uma vez que ela era apenas mais uma das muitas datilógrafas no escritório de Hoppe.
O historiador que foi fundamental para a condenação de Irmgard Furchner
O historiador Stefan Hördler, que acompanhou os dois juízes em um passeio pelo campo de concentração, desempenhou um papel fundamental no processo. Através da visita, ficou claro que Furchner havia presenciado as piores situações no campo pela vista do escritório de comando.
O historiador afirmou no tribunal que 27 transportes contendo 48.000 pessoas chegaram a Stutthof entre junho e outubro de 1944, após os nazistas decidirem aumentar o campo e acelerar os massacres com gás Zyklon B.
Hördler afirmou que o escritório de Hoppe era o “centro nervoso” de tudo o que ocorria em Stutthof.
Josef Salomonović, um sobrevivente do campo de concentração, viajou para testemunhar no tribunal e tinha apenas seis anos quando seu pai foi assassinado a tiros em Stutthof em setembro de 1944.
“Ela é indiretamente culpada”, disse ele a repórteres no tribunal em dezembro de 2021. “Mesmo que ela apenas se sentou no escritório e carimbou a certidão de óbito do meu pai”.
Manfred Goldberg, outro sobrevivente, disse que sua única decepção foi a pena para Irmgard Furchner ter duração de dois anos somente.
“Ninguém em sã consciência mandaria uma mulher de 97 anos para a prisão, mas a sentença deveria refletir a gravidade dos crimes”, disse ele. “Se um ladrão comum é condenado a dois anos de prisão, como alguém condenado por cumplicidade em 10.000 assassinatos recebe a mesma sentença?”
Além de Irmgard Furchner, crimes nazistas desde 2011
– John Demjanjuk – foi preso em 2011 por cinco anos por seu papel no assassinato de mais de 28.000 judeus no campo de concentração de Sobibor, mas foi absolvido em apelação e morreu no ano seguinte aos 91 anos.
– Oskar Gröning – “o contador de Auschwitz”, condenado em 2015 por cumplicidade no assassinato de 300.000 judeus. Ele nunca foi preso. Ele morreu em 2018 aos 96 anos durante o processo de apelação.
– Reinhold Hanning – O ex-guarda SS em Auschwitz foi condenado por cumplicidade no massacre nazista, em junho de 2016, mas morreu um ano depois, aos 95 anos, enquanto aguardava apelação.
– Friedrich Karl Berger – ex-guarda do campo de concentração de Neuengamme, deportado dos Estados Unidos para a Alemanha em fevereiro de 2021, aos 95 anos. Os promotores alemães rejeitaram as acusações contra ele e seu destino atual é desconhecido.
– Josef S – Preso por cinco anos em junho de 2022 por ajudar a assassinar mais de 3.500 prisioneiros no campo de concentração de Sachsenhausen. Aos 101 anos, ele é a pessoa mais velha condenada por crimes de guerra da era nazista na Alemanha, mas sua idade e problemas de saúde tornam improvável a prisão.
O julgamento de Irmgard Furchner pode ser o último a ocorrer na Alemanha por crimes da era nazista, embora alguns casos ainda estejam sendo investigados.
Nos últimos anos, dois outros casos foram processados por crimes nazistas cometidos em Stutthof. No ano passado, o ex-guarda do campo foi declarado incompetente para ser julgado, embora o tribunal tenha dito que ele era “altamente provável” ser culpado de cumplicidade.
Em 2020, outro líder SS do campo de concentração, Bruno Dey, recebeu uma pena suspensa de dois anos por seu envolvimento no assassinato de mais de 5.000 prisioneiros.
Fontes:
BUNYAN, RACHAEL. Nazi ‘secretary of evil‘, 96, was informed ‘down to the last detail‘ of every murder method used at Stutthof concentration camp, trial hears as she denies complicity in more than 10,000 deaths. MAIL ONLINE, [S. l.], p. 19, 27 out. 2021. Disponível em: https://www.dailymail.co.uk/news/article-10136797/Nazi-secretary-evil-informed-murder-method-camp.html. Acesso em: 20 dez. 2022.
KIRBY, Paul; GREENALL, Robert. Irmgard Furchner: Nazi typist guilty of complicity in 10,500 murders. BBC News, [S. l.], p. -, 20 out. 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-europe-64036465. Acesso em: 20 dez. 2022.