Mais de oito décadas após seu desaparecimento, um dos mais simbólicos naufrágios da história brasileira foi finalmente localizado. O navio Vital de Oliveira, torpedeado por um submarino alemão em 1944, jazia no fundo do Atlântico, como um silencioso testemunho da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A descoberta ocorreu durante testes de mar, quando um navio de pesquisa da Marinha, ironicamente batizado com o mesmo nome da embarcação desaparecida, confirmou a localização do naufrágio.
A missão que levou ao achado envolveu a Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), que realizou extensas buscas utilizando um sonar de varredura lateral. Foram necessárias cerca de nove horas de sondagens para delinear o perfil do que um dia foi o Vital de Oliveira. A posição exata do naufrágio coincide com os relatos históricos sobre o ataque fatal.
A Marinha pretende conduzir um estudo arqueológico detalhado, incluindo mapeamento tridimensional dos destroços e filmagens em 360º para permitir que o público compreenda melhor esse capítulo da história nacional. No entanto, os desafios para preservar esse patrimônio são enormes: o tempo e as condições marinhas já cobraram seu preço sobre os destroços.
O horror na noite de 19 de julho de 1944
Era uma noite aparentemente tranquila no Atlântico quando um estrondo cortou o silêncio e mergulhou a embarcação em caos. Eram poucos minutos antes da meia-noite quando um torpedo disparado pelo submarino alemão U-861 atingiu a popa do Vital de Oliveira. Dentro do navio, marinheiros dormiam exaustos, sem saber que suas vidas estavam prestes a se transformar em um pesadelo.
“O impacto foi devastador. O navio tremia como se estivesse sendo rasgado ao meio. Em questão de minutos, estávamos lutando para escapar do casco que afundava como um gigante de ferro sendo sugado pelo mar,” relataria anos depois um dos sobreviventes.
A explosão fez com que parte da carga de madeira desmoronasse, bloqueando passagens e prendendo marinheiros nos compartimentos inferiores. O desespero tomou conta. Quem conseguiu escapar do casco foi obrigado a enfrentar redemoinhos violentos gerados pelo afundamento do próprio navio. O destino dos que não puderam sair ficou selado nas águas escuras do litoral norte fluminense.
A busca incansável
Por mais de 80 anos, historiadores, mergulhadores e familiares das vítimas tentaram localizar os destroços do Vital de Oliveira. A pista decisiva, porém, não veio de sofisticadas expedições militares, mas sim de um grupo de mergulhadores que buscavam peixes ornamentais. Foi um desses profissionais que, acidentalmente, encontrou uma rede de pesca presa a uma estrutura submersa.
Ao investigarem o local, os mergulhadores descobriram que aquilo não era apenas uma rocha, mas sim pedaços de uma embarcação. A confirmação veio quando um dos mergulhadores, Domingos Afonso Jório, fez uma descoberta crucial.
“Não era uma pedra qualquer. Vi um canhão enferrujado apontando para o vazio. Era um navio de guerra.”
Os registros feitos na ocasião mostravam munições, objetos pessoais e até um sapato incrustado no casco corroído pelo tempo. Apesar da evidência irrefutável, apenas agora a Marinha confirmou oficialmente o local.
O abandono da história
O Vital de Oliveira não foi um navio de guerra projetado para combates. Originalmente, ele fazia parte da frota mercante brasileira, conhecido como Itaúba. A escassez de embarcações durante a guerra fez com que fosse incorporado à Marinha, recebendo armamentos leves e missões logísticas. Mas diante de um submarino nazista, pouco importava sua adaptação. Um único torpedo bastou para selar seu destino.
A tragédia do Vital de Oliveira é um dos episódios mais esquecidos da história militar brasileira. Os livros didáticos mal mencionam a perda do navio, e até hoje a própria Marinha não realizou uma expedição oficial para documentar completamente seu estado atual. Enquanto isso, as correntes marinhas continuam corroendo o casco e apagando vestígios de uma das maiores tragédias navais do Brasil.
Mesmo com a recente localização do naufrágio, não há qualquer plano concreto para sua preservação. A confirmação das coordenadas, segundo a Marinha, “enfrenta vários desafios”. Mas o tempo não espera. A cada dia que passa, a estrutura do navio se desintegra, levando consigo fragmentos de uma história que corre o risco de desaparecer para sempre.
A falha na escolta e o preço pago
Na noite do ataque, o Vital de Oliveira não estava sozinho. Sua proteção era de responsabilidade do caça-submarinos Javari, que deveria garantir a segurança do trajeto. No entanto, quando o torpedo nazista rasgou o casco do Vital, ele era um alvo solitário no oceano. O motivo da distância excessiva entre as embarcações jamais foi esclarecido.
A tragédia custou cem vidas. Entre as vítimas, estavam adolescentes que serviam como grumetes e até uma criança. O episódio, no entanto, permanece quase invisível na memória nacional. Agora, com a descoberta do naufrágio, surge uma última chance de preservar o que restou dessa história antes que o oceano a engula de vez.