3.2. Desenrolar da 2ª Fase de Combate – Continuação
O segundo Grupo empregado teve o seu avanço sustado por fogos oriundos do flanco direito da casa mencionada e de duas outras colocadas à esquerda. Sua situação era análoga ao do outro Grupo anteriormente detido, ou seja, no topo das escadas, separados do inimigo por curtas distâncias, tendo de permeio um terreno limpo. Competia ao Comandante do Pelotão empregar o último Grupo. Naquela situação difícil, passou pela nossa mente algumas aulas de tática ministradas na Escola Militar de Realengo, pelo então, Ten. Cel. Humberto de Alencar Castello Branco. Recordamo-nos, também, do ataque ao Monte Castello, em 12 de dezembro de 1944, quando um Pelotão de nossa Companhia entrou em terreno limpo na Região de Abetaia e foi surpreendido pelo inimigo, caindo o tenente prisioneiro e sofrendo o Pelotão pesadas baixas. Em face destas meditações não nos apressamos em acionar o último Grupo, que nos poderia levar à vitória.
Procuramos estudar meticulosamente, o terreno e o inimigo, chegando à conclusão de que, atuando mais à esquerda, aumentaríamos as possibilidades de sucesso, porque os “degraus das escadarias” prolongavam-se quase junto a duas casas da esquerda.
Após os reconhecimentos, determinamos o avanço do último Grupo de Combate sob o comando do Sargento Rubens. Para ficarmos, com as nossas atenções inteiramente voltadas para a ofensiva deste Grupo, determinamos, previamente, que o 2° Sargento Auxiliar, Nestor da Silva, comandasse o apoio de fogos dos detidos, em proveito do atacante. Inicialmente, a progressão foi feita com relativa facilidade, mas, à proporção que se aproximava das casas, diminuía o seu ímpeto.
Constatamos, em dado momento, que o ataque estava, praticamente, parando. Resolvemos, então, impulsioná-lo pessoalmente. Deslocamo-nos, assim, para frente, passando a atuar qual um Comandante de Grupo. O Sargento Comandante ponderou, achando que o Tenente estava fazendo “loucuras”, mas passou a atuar com mais energia e denodo. Avançávamos ouvindo o pipocar das granadas de mão dos alemães, as quais explodiam nas proximidades. O Grupo em ação, comigo à testa, quando se aproximava do topo das escadarias do terreno, cerca de 40 metros das duas casas e se preparava para tomar o dispositivo para o assalto, recebeu inesperada e surpreendentemente um denso bombardeio da nossa Artilharia, que nos envolveu, juntamente com o inimigo. Num relance de vista, verificamos que não houve nenhuma baixa. Então bradamos: “Avante! As casas!”.
O Grupo atingiu as posições inimigas, enquanto não se havia dissipado a fumaça da artilharia. Os alemães permaneciam no fundo de seus abrigos, quando os nossos ultrapassaram as suas posições, sabiamente camuflados. Tentaram, então, reagir, mas foram postos fora de combate. O Comandante do Pelotão procurou, imediatamente, reconhecer o terreno em frente e, quando o fazia, foi metralhado de uma das janelas laterais da casa grande, não sendo atingido, mas tendo a sua calça chamuscada. Para fugir dos tiros, saltou para o interior de uma casa ou, mais precisamente, ficou equilibrado na soleira da porta do segundo andar, não podendo penetrar no seu interior, porque o piso da mesma havia sido destruído por tiros de artilharia. Logo a seguir, viu um combatente passar correndo em sua frente, o que o fez esquecer o perigo e sair em sua perseguição, quando constatou que não se tratava de um alemão, mas sim de um soldado brasileiro, que também estava fugindo da metralha inimiga.
Após penetrarmos nas linhas inimigas, a grande preocupação do Comandante do Pelotão era a falta de ligação com a retaguarda, pois temia ser novamente bombardeado pela nossa artilharia. Com seu rádio, procurava, insistentemente, restabelecer a ligação com o Comandante de Companhia, mas não conseguia.
O 3° Sargento, José Marinho de Andrade, Comandante da Seção de Metralhadora Pesada, que nos apoiava, ouvindo pelo seu rádio que o diálogo entre estes dois Comandantes não se completava, resolveu, este graduado, com grande espírito de cooperação e enfrentando grande risco de vida, juntar-se ao Comandante da tropa, que havia, há pouco, rompido as resistências inimigas, quando então, com o seu rádio, foi restabelecida a ligação com o Comandante da Companhia, o qual foi informado de que havíamos introduzido uma cunha na defesa adversária, mas que a situação era crítica, pois recebíamos tiros de armas tensas pelos dois flancos. O Capitão Sidney prometeu mandar um Pelotão de Fuzileiros para nos reforçar. O fato de o nosso pelotão ter sofrido bombardeio da nossa própria Artilharia foi explicado pelo General Delmiro Pereira de Andrade, Comandante do 11° RI, no seu livro O 11° RI na II Guerra Mundial, do seguinte modo:
“A 2ª Companhia está sendo bastante hostilizado nas encostas Sul de Montese. O Pelotão mais avançado tem várias baixas, inclusive seu Tenente, S/3 do RI informa ao Comandante do I Batalhão que uma concentração de dois Grupos de Artilharia ia ser desencadeada sobre as resistências de Montese. Uma mensagem urgente, às 14h, do Capitão Sidney, Comandante da 2ª Companhia, informa que o Tenente Iporan entrara em Montese sob terrível bombardeio e que suspendesse, imediatamente, a concentração que havia começado momentos antes. Um mensageiro enviado pelo Tenente Iporan informava ao Comandante de Companhia a sua verdadeira situação, isto é, que havia atingido o seu 1° objetivo: Montese”.
Realmente, o Soldado Mensageiro Melo, vencendo sozinho inúmera dificuldade conseguiu fazer chegar, numa boa hora, a minha mensagem ao Comandante de Companhia, da qual resultou a sustação do bombardeio que, há poucos minutos, se iniciara sobre o nosso Pelotão.
Rompidas as defesas, os Grupos detidos foram levados para frente e empregados na consolidação da posição conquistada e nos ataques aos flancos inimigos. Esta rocagem se processou com dificuldade, ou seja, em pequenos grupos de soldados, que galgaram as elevações por lanço, para fugirem aos tiros de uma metralhadora inimiga que, postada no nosso flanco esquerdo, começou a atirar, logo após termos conquistado a posição. Esta arma nos causou uma baixa fatal.
O 2° Grupo de Combate, logo após juntar-se ao 1° Grupo, é empregado para dominar as resistências que hostilizavam o nosso flanco direito, isto é, as instaladas em frente à casa grande, que foi a primeira a nos deter. Este Grupo, postado em situação favorável, atirando de curta distância sobre um abrigo onde se havia localizado uma metralhadora inimiga, fez com que os seus dois ocupantes levantassem um lenço branco para, logo em seguida, se entregarem e as resistências silenciaram, possivelmente com a fuga dos demais defensores. O 3° Grupo de Combate foi empregado, logo a seguir, para atacar os tedescos, que hostilizavam o nosso flanco esquerdo. Depois de uma luta demorada, em que se conquistou o terreno palmo a palmo, o 3° Grupo de Combate conseguiu, no final do dia, dominá-los, fazendo os mesmos se retraírem, após sofrerem algumas baixas. No desenrolar desta peleja, foi digna de louvor a atuação do Comandante do Grupo, Celso Racioppi, que, ferido, ocultou o ferimento e prosseguiu na refrega.
O 1° Pelotão, após conquistar o Posto Avançado de Montaurígula (cota 759), recebeu a incumbência de seguir as pegadas do 3° Pelotão e chegar até Montese, a fim de reforçá-lo. Mas não pôde cumprir sua missão porque, logo que transpôs a crista de Montaurígula, sofreu a ação da barragem da Artilharia inimiga, que lhe ocasionou as primeiras baixas. O pelotão manteve-se próximo da crista, tentando socorrer os feridos, e o inimigo aproveitando-se da inexperiência do Comandante, bombardeava impiedosamente, fazendo aumentar o número de vítimas. O Pelotão desarticulou-se e refluiu, deixando o 3° Pelotão sem o reforço prometido pelo Capitão Sidney.
O Tenente Iporan, logo após ter rompido as defesas inimigas, manteve-se numa posição central com uma reserva na mão, a espera de um contra-ataque, que, felizmente, não se deu. Ao cair da noite de 14 de abril, o 3° Pelotão havia dominado as encostas sudoeste da cidade e quebrado a capacidade defensiva da Infantaria alemã, que, desnorteada, abandonou suas posições, deixando no campo de luta alguns mortos e oito prisioneiros.
Do nosso lado, houve quatro baixas, sendo um morto e três feridos. Cerca de 19hs, o Capitão Sidney, à frente dos remanescentes da Companhia e, ainda, reforçado por um Pelotão de Fuzileiros, juntou-se ao Pelotão que se encontrava em Montese. O Capitão, logo após inteirar-se da situação, à testa de alguns homens, procurou entrar em ligação com uma tropa amiga, nas proximidades do 3° Pelotão, mas não conseguiu. Na noite de 14 para 15 de abril, Montese, não obstante encontrar-se sob o domínio das tropas brasileiras, abrigava em seu seio um número elevado de soldados inimigos, o que não impediu a Artilharia alemã de desencadear sobre a cidade, naquela noite, cerca de 2 800 tiros, ou seja, uma média de quatro tiros por minuto.
Na manhã do dia 15, ainda debaixo de maciço fogo da Artilharia alemã, a tropa brasileira ultima a limpeza da cidade. Como coroamento da missão, tivemos oportunidade de prender, pessoalmente, dois artilheiros alemães que se encontravam no interior da torre de Montese. A captura destes prisioneiros se efetuou do modo seguinte: penetramos, com alguns soldados, no pátio todo murado, que dava acesso à torre e a outras edificações. Enquanto alguns vistoriavam outras dependências, o Comandante do Pelotão, acompanhado de um soldado, subiu uma rampa, que tinha no seu topo a entrada da torre e, na ocasião, estava com a porta entreaberta. Então, o Comandante deu um violento pontapé na mesma e penetrou, impetuosamente, no seu interior, armado com uma carabina 30 dando de cara, a menos de 3 metros, com os dois soldados alemães, que, surpreendidos, entregaram-se imediatamente, sem esboçarem nenhuma reação.
Antes de finalizar este depoimento, desejo ressaltar a atuação das tropas brasileiras no dia 14 de abril de 1945. Naquele dia, o IV Corpo do Exército Americano iniciou o ataque com um efetivo de cinco Divisões, sendo duas Blindadas e três de Infantaria, totalizando, aproximadamente, sessenta mil homens. Das de Infantaria, enfoco a brasileira e a 10ª Divisão de Montanha dos Estados Unidos, considerada a melhor tropa aliada no solo italiano, formada por homens fortes e selecionados, verdadeiros gigantes. Iniciado o ataque, os alemães reagiram ferozmente, apoiados na sua adestrada Infantaria e na sua poderosa Artilharia.
Cumpre-me ressaltar que, nos violentos e mortíferos combates do dia 14 de abril, só a Divisão Brasileira conseguiu conquistar seu objetivo. Reservou-me o destino a honra e o privilégio de comandar o pelotão, que primeiro rompeu o dispositivo inimigo e penetrou em Montese, numa hora, num instante em que sofríamos pesadas perdas diante das bem instaladas resistências inimigas. O fato de a Divisão Brasileira ser a única a conquistar seu objetivo, no primeiro dia da Ofensiva da Primavera, levou o Comandante do IV Corpo do Exército Estadunidense, General Willis Crittenberger, a declarar, no dia 15, o seguinte:
“Na jornada de ontem, só os brasileiros mereceram as minhas irrestritas congratulações; com o brilho de seu feito e seu espírito ofensivo, a Divisão Brasileira está em condições de ensinar às outras como se conquista uma cidade”.
No decorrer da ofensiva da primavera, de 14 a 18, a Força Expedicionária Brasileira enfrentou os mais árduos e sangrentos combates, tendo sofrido, nestes cinco dias, 426 baixas, entre mortos, feridos e desaparecidos e fez 553 prisioneiros, estando incluídos, entre estes, cinco oficiais alemães. Contribuímos, assim, para que a nossa Força Expedicionária escrevesse, nos campos de batalha da Itália, uma das imorredouras páginas de nossa História Militar.
Texto enviado por: IPORAN Nunes de Oliveira (Tenente, combateu com a FEB na Segunda Guerra Mundial, destacando-se em diversas patrulhas de combate e em 3 batalhas – Monte Castelo, Castelnuovo e Montese, com o 11º RI)