Imagine um jovem de 22 anos, fluente em seis idiomas, filho de diplomata, com a vida traçada para os corredores do Itamaraty. Agora, jogue essa imagem fora. Alberto Martins Torres não era de seguir roteiros prontos. Em vez de ternos e tratados, ele escolheu o ronco dos motores e o cheiro de pólvora. Tornou-se um herói improvável, um brasileiro que encarou submarinos nazistas e caças alemães com a mesma determinação que outros reservam para discussões de botequim. Sua história, contada nas páginas da revista Ideias em Destaque (jan/abr 2013), não é só um capítulo da Segunda Guerra Mundial — é um grito de coragem que ecoa até hoje.
Tudo começou em 1941, quando o Brasil ainda tentava entender seu lugar num mundo em chamas. Getúlio Vargas acabara de criar o Ministério da Aeronáutica, unindo as aviações do Exército e da Marinha num esforço para dar ao país dentes afiados contra ameaças externas. A neutralidade era um luxo cada vez mais caro, e Torres, como tantos outros jovens, sentiu o chamado. Abandonou a Faculdade de Filosofia e a Escola Nacional de Direito e embarcou num cargueiro americano rumo a Randolph Field, no Texas. Era dezembro de 1941, cinco dias após Pearl Harbor. A viagem, sem escolta, durou 14 dias de tensão pura. “Só percebi o risco quando cheguei e vi os americanos mobilizados”, confessou ele anos depois. O diplomata em potencial morreu ali; nasceu o piloto.
Formado em 1942 como Aspirante da Reserva da Força Aérea Brasileira (FAB), Torres voltou ao Rio de Janeiro com um brilho nos olhos e asas no peito. Foi direto para o 1º Grupo de Patrulha, no Aeroporto Santos Dumont, pilotando hidroaviões Catalina PBY-5. Em 31 de julho de 1943, veio o momento que o eternizou. A 87 km do Pão de Açúcar, ele avistou o U-199, um submarino alemão tipo IXD2 — apelidado de “Lobo Cinzento” por sua pintura camuflada e desenho viking na torre. O bicho era uma máquina de destruição: 1.600 toneladas, 44 mil km de autonomia, armado até os dentes com torpedos e canhões. Já havia afundado navios aliados e um barco de pesca brasileiro, o Shangri-lá, matando seus dez tripulantes.
Torres não hesitou. Com metralhadoras .50 cuspindo fogo, ele mergulhou o Catalina em direção ao monstro submerso. Lançou três bombas de profundidade — uma na proa, outra no meio, a terceira na popa. O U-199 explodiu em pedaços, a proa saltando da água antes de afundar. Doze tripulantes alemães sobreviveram, resgatados depois pelo USS Barnegat. “Vi tudo de camarote”, disse o tenente americano Smith, que assistiu ao ataque e até deu uma foto do submarino a Torres como souvenir. O feito rendeu ao brasileiro a Distinguished Flying Cross dos EUA, uma honraria que poucos ostentam.
Mas Torres não parou por aí. Em 1944, trocou o mar da Campanha do Atlântico Sul pelos céus da Itália. No 1º Grupo de Aviação de Caça, pilotando um P-47 Thunderbolt, ele acumulou 100 missões — recorde entre os brasileiros. Atacou linhas de suprimento alemãs, enfrentou antiaéreas e voltou com outra Distinguished Flying Cross, além de medalhas da França e do Brasil. Era o tipo de homem que não media esforço, fosse afundando submarinos ou bombardeando pontes no front europeu.
Após a guerra, voltou ao Brasil, foi promovido a Capitão e aposentado da ativa. Faleceu em 2001, aos 82 anos, e suas cinzas foram lançadas na Baía de Guanabara, num adeus digno de um guerreiro dos ares. Veteranos da FAB, como o Brigadeiro Rui Moreira Lima, o reverenciavam: “Torres era o padrão, o piloto que todos queriam ser”. Sua história não é só sobre vitórias militares; é sobre um brasileiro que, num tempo de incertezas, escolheu voar contra o vento e fazer diferença.
Num mundo onde a Segunda Guerra é muitas vezes vista como um palco distante, Torres nos lembra que o Brasil esteve lá — e não apenas como coadjuvante. Ele enfrentou o Lobo Cinzento e os horrores da guerra com uma bravura que não cabe em livros de história tradicionais. Foi humano, foi real, foi nosso.