Gerardo Melo Mourão

Prêmio ao Traidor – De Espião Nazista ao Cargo Publico no Estado do Ceara

Gerardo Melo Mourão, o espião que enviou aos submarinos nazistas as informações que possibilitaram o afundamento de 5 navios brasileiros, com a perda de 650 vidas, foi condenado à morte no Rio de Janeiro, teve a pena comutada, cumpriu alguns anos de prisão e agora recebeu a gratidão da Pátria: nomeado para o posto de presidente da COAP, em Fortaleza (CE) — Enquanto isto, os pracinhas rondam os institutos e as viúvas dos mortos nos afundamentos são forçadas a apelar para a caridade pública.

Por   DAVID   NASSER

Gerardo Melo Mourão
Gerardo Melo Mourão

Foi um encontro ocasional.   Jornalistas e escritores conversavam com políticos e funcionários públicos ao redor de uma mesa. Numa roda, onde estavam Frederico Chateaubriand, Antônio Castro Pinto, Breno Acioli e este vosso amigo, alguém entrou.   Era um tipo melífluo, escorregadio, de óculos pesados, expressão indefinida.   Estendeu a mão a Fred e a Breno Acioli também. Timidamente, le­vou-a ao terceiro — o repórter destas notas. Disse-lhe então, que podia recolhê-la. Que haveria naquela mão que impedia de ser apertada? Que teria feito aquele homem para que lhe fosse negado um simples cumprimento? Por que não apertei aquela mão?

As mãos de Gerardo Melo Mourão estão manchadas de sangue — e assim ficarão até o dia em que a terra lhe seja leve — responsável pela morte de cen­tenas de brasileiros nos afundamentos de nossos navios por submarinos alemães.

Enquanto as noivas, as mães, as filhas brasileiras rezavam, em seus lares, pela feliz viagem de seus entes queridos, as mãos tenebrosas de Gerardo Melo Mourão transmitiam para as bases de espionagem nazistas os dados certos sobre a partida dos barcos, a provável rota e outras indicações que possibilitaram a caçada mortífera em águas nacionais.   Os navios eram postos a pique, facilmente, tão perfeito se mostrar Melo Mourão na sua tarefa. Rapaz inteligente pertencera às hostes integralistas, formando na cúpula e trabalhando como secretário particular do chefe nacional. Cada vez que um barco mercante do Brasil afunda, Melo Mourão recebia o pagamento da traição.   Não se pode precisar a quantia certa, mas variava, ao que parece, pela tonelagem posta a pique.

Nos dias angustiantes de Al Alamein, quando Montgomery pedia e esperava reforços decisivos para a batalha final, passou pelo Rio o Queen Mary. Melo Mourão e seus homens estiveram atentos para o aviso fatal que liquidaria o maior navio-transporte dos aliados, o mesmo que conduzia para os campos de batalha da África meia divisão completa. Realmente, o aviso foi dado, mas o Inteligence Service o interceptou e fez o navio regressar naquele mesmo dia à Guanabara, enquanto os aviões militares brasileiros afundavam um submarino alemão a poucas milhas do Pão-de-Açúcar. Documentos encontrados, posteriormente na Alemanha e depoimentos de agentes nazistas graduados, entre os quais, Nils Christiensen, re­velaram que Melo e seus parceiros haviam de fato, comunicado aos submarinos nazistas a partida do Queen Mary sem esperar que o transporte voltasse à base. Se afundado, talvez mudasse o curso da guerra.

Os nazistas, do outro lado do Atlântico, pediam vidas brasileiras, mais vidas brasileiras para castigarem o atrevimento do país sul-americano, da terra que eles imaginavam de macacos e de mulatos traidores como Melo Mourão e outros. Os Embaixadores da Alemanha e da Itália naquela época haviam encontrado um brasileiro completamente destituído de amor à sua terra e à sua gente, um sacripanta que, sem remorso, auxiliara o inimigo nessa tarefa assassina, enviando pelo Morse a marcha dos navios nacionais, na rotina de suas viagens pela costa do Atlântico — e indo levar à Argentina, para os agentes nazistas que estavam no Rio Prata — os pianos de fortificações e de armamentos da costa brasileira para um possível desembarque de tropas nazistas vindas de Dakar.

Gerardo Melo Mourão, esse homem cuja mão ne­nhum brasileiro de bem poderá apertar, é o responsável direto pelo afundamento de cinco navios, pelo menos.   Os alemães lhe creditaram o sacrifício de 650 vidas brasileiras.

Até um nazista devia sentir nojo por um cabra assim. Pago feliz com o dinheiro no bolso, Melo Mou­rão fazia planos para novas empresas assassinas, quando foi descoberto, graças a um cerco perfeito. O traidor foi processado e tais eram as provas, tão contundente era o libelo e tão positiva foi a sua con­fissão, que o tribunal brasileiro, naquele período de guerra, não pode deixar de ser implacável, pronun­ciando a sentença máxima:

Por sua traição ao Brasil, por sua respon­sabilidade no afundamento de navios nossos e conse­quente perda de centenas de vidas brasileiras.

 

GERARDO MELO  MOURÃO  É CONDENADO À   PENA  DE   MORTE   POR  FUZILAMENTO

Depois, falou o coração mole dos brasileiros e a pena máxima foi transformada em 30 anos de prisão e no Governo sem ódio do General Dutra, o calabar foi posto em liberdade. Mal saiu da Penitenciária, Melo Mourão conseguiu um lugar nos arquivos secretos do Ministério das Relações Exteriores. Talvez lhe tenham pedido para estudar um novo sistema de códigos para o Itamarati — o que facilitaria muitíssimo a sua futura atividade de espião em qualquer conflito em que se envolva o Brasil. Melo Mourão, evidentemente, não agiu por amizade à Alemanha ou à Itália, mas por di­nheiro. Pagaram-lhe bem. Se a Rússia amanhã fizer o mesmo, ele trabalhará para ela. É o tipo exato do espião profissional, espécie rara no Brasil.

Deixou o Itamarati, conseguiu insinuar-se na imprensa, credenciando-se como jornalista na Câmara dos Deputados. Ali fez amizade com o Deputado Raul Bar­bosa, hoje Governador do Ceará.

Se o Governador sabia ou não da vida pregressa do espião — desconhecemos. A nomeação de Melo Mourão. Entretanto conseguida por ele, deixa mal, horrivel­mente mal, o Governador Raul Barbosa. A lama que enegrece a vida, o passado e o presente de Melo Mourão — é lama que jogada num ventilador atinge a todos que estão em volta.

Para todos os cearenses de pudor — o Ceará está vestido de crepe com a presença, na direção de um dos órgãos mais importantes do Estado, de um traidor condenado à morte por ajudar o inimigo a destruir vidas brasileiras.

Gerardo Melo Mourão foi nomeado Presidente da COAP no Ceará. É o traidor o encarregado de estabelecer preços, de formular aumentos, de dirigir a economia doméstica de milhares de família cearenses.

O General Caiado de Castro, aqui no Catete, tudo fez para impedir a su­prema infâmia prendendo durante 40 dias a nomeação do “monstro do Atlântico” (tal o apelido que recebeu na Penitenciária) para o alto posto administrativo. O Governador, entretanto, empenhou-se demais, transformando a questão de ro­tina numa exigência — e o crime foi perpetrado Melo Mourão desembarcou um dia em Fortaleza e a terra de Iracema corou de vergonha. As viúvas e os órfãos dos mortos nos afundamentos desses mesmos navios brasileiros que Melo Mourão torpedearam no Atlântico ainda não receberam, totalmente, as indenizações que por direito lhes cabem.

As  viúvas dos pracinhas mortos na  Itália lutam com dificuldades, porque as suas pensões  são baixa e insuficientes.

Os inválidos da guerra, aqueles que os parceiros de Melo Mourão atingiram em cheio, rondam as ruas da cidade, batendo de porta em porta, e em alguns casos, recorrendo à caridade pública, por falta de leis especiais e de uma organização modelar de amparo, Nair Café, uma brasileira que viajava num dos navios que as informações de Melo Mourão puseram ao fundo, perdeu uma das pernas e ela, que era artista —. Vive sabe Deus como.

Exemplos assim podem ser apontados às centenas — homens e mulheres que se sacrificaram por um ideal, quando sua pátria estava em perigo.

Agora, que o mundo está no limiar de novo conflito, agora que a ameaça parda de Hitler, destruída apesar dos Melo Mourão que tínhamos aqui dentro, transformou-se na ameaça viva e rubra de Malenkov (e ternos milhares, centenas de milhares de Melo Mou­rão, fanáticos, em todos os postos-chave) o estímulo que se dá ao patriotismo, ao espírito cívico dos bra­sileiros é este: conferir aos ex-sentenciados à morte por espionagem contra o Brasil, lugares rendosos e altíssimos da administração federal.

Fonte: O Cruzeiro / Edição de 1953

 

Atualização:  Gerardo Majella Mello Mourão faleceu em 2007, aos 90 anos, após uma carreira como poeta, ficcionista, jornalista, tradutor, ensaísta e biógrafo brasileiro, assim como também tendo cargos políticos. Sua condenação e acusação com o movimento nazista foi considerado como manobra política, porém fontes o indicam como um admirador dos ideias nazistas antes de o Brasil romper com o Eixo – lembrando que o Governo de Vargas, antes da intervenção diplomática dos Estados Unidos, tinha proximidades com os ideais Fascistas – e posteriormente integrou redes de espionagem que colaboravam com os nazistas.

Fonte: FGV

Gerardo Majella Mello Mourão na velhice

Sobre Ricardo Lavecchia

Desenhista, Ilustrador e pesquisador sobre a Segunda Guerra Mundial

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6 comentários

  1. Este texto é muito perigoso. Sabe-se que David Nasser era um patético jornalista que nunca negou manipular fatos em suas reportagens. Manchar a honra e a imagem do maior poeta do Brasil não é assim tão fácil. A vida deste homem, Mello Mourão, é um monumental exemplo de militância ideológica. Não é um jornalista meia-boca, com acusações vagas e estultas – hoje, aliás, há muito desmentidas – que encobrirá a luz que emana desse cearense. Aliás, o termo “monstro do atlântico sul”, cunhado pelo idiota autor do texto, cabe perfeitamente à dimensão colossal de Gerardo. Há de se ter cuidado com certas publicações.

    • Caro leitor Jimmy muito obrigado por ler nosso site e mais comentar nosso texto, esse texto é de 1953, nos encontramos esse texto e achamos legal ser postado, de maneira alguma esta manchando a carreira de ninguém, se o mesmo fora bem sucedido como escritor, muito bem, isso não vem ao caso, essa é uma reportagem histórica que estava perdida no passado.
      Lembrando que todos os temas ligados a Segunda Guerra Mundial é valido como história.
      Também sobre o escritor dessa matéria, também desconheço sua origem, não sou da época e também não vem ao caso falar dele, o texto esta ai para que todos conheçam nossa história, seja ela manipulada, falsa ou verdadeira. Se o jornal na época editou, hoje estamos aqui trazendo de volta a noticia

      • Não concordo. Sabemos que hoje em dia é moda criticar os nazistas e seus simpatizantes. O autor da obra era simpatizante daqueles ques e achavam prejudicados pelos nacional socialismo. O afundamento de navios brasileiros deu-se mais pela falta de estrutura e competência da marinha de guerra do Brasil em protegê-los, do que pela técnica dos submergíveis alemães. Sabemos, como ocorre nos dias de hoje, que as informações são deturpadas, para manipular o povo, segundo a vontade daqueles que ganharam a 2 guerra. Além do que, se hoje podemos ir à Lua e temos grandes avanços tecnológicos; é graças a cultura e empenho dos cientistas nazistas. Toda tecnologia atualmente disponível, nada mais é que cópias das conquistas tecnológicas nazistas. É só pesquisar! Também é lógico que as coisas não se resolvem com extermínio, mas com cada um cumprindo sua função para o maior engrandecimento da humanidade. Esses órgãos que gostam de polemizar deveriam mudar a postura, deixando o passado e voltando seu olhar para o futuro.

  2. Bem, é preciso resgatar essa história. Investigar. Afinal, o homem era integralista e simpatizante dos nazistas, evidentemente. Se era inocente de tais acusações, é algo que poderia ser verificado sem muita dificuldade, até mesmo para reabilitá-lo se for caso.

  3. Parabéns pelo blog, pelo conteúdo, pela organização e beleza do lay out e principalmente pela iniciativa.

    è muito bom saber que existem pessoa que se dedicam a debater sobre esse evento que mudou o comportamento mudial e que ainda tem muto a influenciar na historia da humanidade.

    Tenho tembém um projeto que visa criar e publicar um site sobre a participação dos americanos em Fortaleza / Ce e dos afundamentos de submarinos em nossa costa. esse projeto prevê colaboração com os ministerios de cultura, da defesa e do centro de comunicação da aeronautica a qual já fiz parte e em breve, terei prazer em figurar em seus link parceiros.

    Abraços

    Alex Mendes – designer
    Fortaleza/Ce

  4. Como disseram o fato ocorreu exatamente há 60 anos, acho que nos cabe apenas analisar as circunstânias desse fato. O resto, os que se sentissem prejudicados (naquela época) é que deveríam tomar as providênias…

    Na campanha na Itália, também tivemos um caso em que dois pracinhas cometeram crimes contra civis italianos. Especificamente estupraram uma menina de 16 anos e mataram seu avô que tentou reagir com uma rajada de metralhadora.

    Também foram condenados a morte, mas ao chegarem no Brasil depois de alguns meses de cadeia, suas penas também foram comutadas e ambos passaram a trabalhar na segurança do Getúlio Vargas…

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