Brasil na Segunda Guerra – O Retorno dos Mortos

O repatriamento dos mortos da FEB sempre foi uma preocupação na vida do Marechal Mascarenhas, como relatou em suas memórias: “Minha obra de Comandante da FEB ficaria incompleta se não trasladasse para o Brasil os despojos dos que tombaram na campanha da Itália. Eu os levei para o sacrifício, cabia a mim trazê-los de volta para receberem as honras e a glória de todos os brasileiros.” (Memórias, p. 585.)

Cemitério de Pistóia, ainda guardando os heróis tombados da FEB

Foi uma tarefa ingente; havia uma série de obstáculos, inclusive a ideia de sepultá-los em seus Estados de origem, além de haver em Pistóia uma surda e natural resistência a essa mudança. O cemitério militar em Pistóia, muito bem cuidado, se transformou num ponto obrigatório de turistas brasileiros e mesmo de estrangeiros que passavam pela Itália. Zelava por esse cemitério um antigo febiano, que se radicou na Itália e recebeu esse encargo do governo.

Detlhe das cruzes no cemitério de Pistóia

Quando o governo brasileiro decidiu trasladar os corpos, resolveu também construir em Pistóia um belo monumento que perpetuasse o cemitério militar e fosse uma manifestação de agradecimento à “Comuna” de Pistóia que, durante todos esses anos, guardou com tanto carinho e veneração os corpos dos que tombaram na campanha da Itália.

Por decreto assinado em 10 de outubro de 1952, foi criada a Comissão de Repatriação dos Mortos do Cemitério de Pistóia, cabendo ao Marechal Mascarenhas a presidência da Comissão, cargo que ocupou até a conclusão dos trabalhos.

Onde estava o Cemitério Militar Brasileiro, foi construído o Monumento Votivo Brasileiro – Foto APVMA – www.apvma.com.br

A Comissão, composta de representantes das três forças armadas e de outras entidades federais e estaduais envolvidas no assunto, tinha também como incumbência erigir um monumento aos mortos da Segunda Guerra Mundial.

A Comissão do Governo do então Distrito Federal, através do Prefeito Alim Pedro, conseguiu a concessão de uma área no Aterro da Glória, obra de expansão da via litorânea, que estava em final de conclusão. Um local nobre, de frente para a entrada da Baía de Guanabara, permitindo que o pórtico do monumento a ser erigido fosse um prolongamento do eixo da Avenida Rio Branco.

Esta Terra Sagrada foi Sepultura dos Soldados Brasileiros Mortos no Campo de Honra pela Dignidade da Pessoa Humana. Seus Nomes estão Gravados nesta Pedra para Eterna Memória dos Homens – Foto APVMA – www.apvma.com.br

A obra da construção iniciou-se em 24 de junho de 1957 e foi concluída em 24 de junho de 1960. A exumação dos restos mortais foi promovida por uma comissão especialmente criada por decreto de 20 de julho de 1960 e presidida pelo General Oswaldo de Araújo Mota que, na Itália, tomou todas as providências necessárias. A transferência dos corpos, em urnas especiais, coube à Comissão Militar de Trasladação, cujo presidente era o General Cordeiro de Farias.

Ficou estabelecido que as urnas, em vez de virem para o Brasil em navios de guerra, seriam transportadas por aviões militares da FAB. Nessa trasladação quase ocorreu uma tragédia num episódio pouco divulgado, menos ainda lembrado. O percurso aéreo Itália – Rio de Janeiro previa, entre outras, uma parada técnica em Lisboa. Nas manobras de aproximação do Aeroporto de Lisboa, um dos aviões sofreu um acidente na aterragem, quebrou a asa e teve um início de incêndio. Alguns tripulantes e passageiros tiveram ferimentos leves, mas todos ficaram profundamente traumatizados com o acidente e com os possíveis danos à preciosa carga que levava o avião. Em seu depoimento, Cordeiro de Farias, que estava a bordo, conta com detalhes esse episódio ligado à história da FEB. As urnas não sofreram danos de monta e puderam ser reparadas para prosseguirem viagem em outro avião.

Visão do Campo Santo no Monumento Votivo onde foi o cemitério de Pistóia. As lápides com o nome de cada soldado mantem o registro de onde cada corpo foi enterrado e se manteve antes de ser transladado para o Brasil. Foto APVMA – www.apvma.com.br

A carga chegou no dia 16 de dezembro de 1960 ao Aeroporto do Galeão, onde permaneceu por alguns dias, sendo depois levada para o Palácio Tiradentes, então sede do Congresso Nacional.

No dia 22 de dezembro, em solenidade de grande imponência, as urnas foram transportadas em cortejo por ex-combatentes, soldados e parentes até o Monumento. Coube ao Marechal Mascarenhas, juntamente com ex-expedicionários, levar uma urna, entregando-a em mãos ao Presidente da República, Juscelino Kubitschek, que a colocou em túmulo especial, coberto por uma lápide negra contendo a seguinte inscrição: “O BRASIL AO SEU SOLDADO DESCONHECIDO.”

Detalhe de uma lápide de um militar morto em combate, no caso o oficial da FAB, Frederico Gustavo dos Santos – Foto: APVMA – www.apvma.com.br

A construção do monumento, com escolha das suas linhas arquitetônicas, foi objeto de muita controvérsia. A comissão encarregada escolheu o projeto idealizado pelos arquitetos Hélio Ribas Marinho e Márcio Konder Neto, entre mais de 30 projetos apresentados. Esses arquitetos idealizaram um monumento moderno, inovador e arrojado, no qual se erguia em uma plataforma um pórtico monumental com duas colunas que subiam e eram ligadas em cima por um elemento ligeiramente côncavo como a palma de uma mão. O conjunto simbolizava dois braços e mãos na posição de prece. A escadaria monumental que dá acesso à plataforma contribui para a imponência do conjunto, que contém ainda outros elementos artísticos, concebidos para ressaltar a harmonia do monumento.

Inaugurado em 1960, o Monumento aos Mortos da Segunda Guerra, passou a abrigar os heróis brasileiros caídos em combate

Houve reações a essa linha moderna escolhida, mas as várias opiniões foram aos poucos se conciliando, e não se pode deixar de reconhecer, independentemente do critério ou do gosto de cada um, que a singela beleza da cripta induz o visitante a uma atitude de recolhimento e respeito.

Lá se encontram sepultados, e enquadrados numa ordem simétrica, os corpos daqueles brasileiros, homens do povo, que atravessaram o Atlântico e morreram lutando pela Pátria e pelo ideal supremo da liberdade. Na solenidade de trasladação dos corpos, o Presidente da República, em sua oração em nome do Governo que representava, declarou que a presença daqueles pracinhas mortos se fazia necessário:

“O Brasil precisava de seus mortos como exemplo para os vivos.”

Frase de rara felicidade.

“A FEB por um Soldado”
Joaquim Xavier da Silveira

No vídeo abaixo é possível ver imagens do cemitério de Pistóia ainda contendo os despojos dos militares brasileiros, em 1956, durante a visita de Juscelino Kubitschek à Itália.


Kubitschek

Sobre Andre Almeida

Ex-militar do exército, psicólogo e desenvolvedor na área de TI.Sou um entusiasta acerca da Segunda Guerra Mundial e criei o site em 2008, sob a expectativa de ilustrar que todo evento humano possui algo a ser refletido e aprendido.

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3 comentários

  1. gostaria de saber se a algum soldado da cidade de porto uniao.santa catarina .morto em combate na italia?5batalhao de engenharia e combate ………juares tavora…..

  2. AUREO RODRIGUES PEREIRA DE MELLO JUNIOR

    PRECISO ENCONTRAR A CERTIDÃO DE ÓBITO DO MEU TIO CLOVIS ROSA DA SILVA MORTO EM PONTE VENTURINA – ITÁLIA NO DIA 10 DE JANEIRO DE 1945 E O EXÉRCITO NÃO ENCONTRA.EM QUAL CARTÓRIO DO RIO DE JANEIRO.
    MUITO OBRIGADO.

    AUREO DE MELLO

  3. Mário Viana da Silva Botelho

    Belo trabalho do Marechal Mascaranha de fazer o repatriamento dos nossos hérois da FEB. O repatriamento dos mortos em combate na Itália para nosso país foi de grande importancia para preserveção das gerações de hérois dos do Brasil que nos precederam . não só para receberem sua honras e glória naquela época como para todo sempre imortalizados nossos ETERNOS DA FEB.
    Sgt Inf Res Botelho
    Pres. ASARESFA/PE.
    email sgtbotelhopresidenteasaresfa@gmail.com

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