No dia 6 de julho partiu o 1º Escalão de Embarque, de Nápoles, a bordo do transporte norte-americano General Meigs, constituído pelos mesmos elementos que primeiro chegaram à Itália. Dele faziam parte a 1ª Cia de Engenharia (Cap. Moller) e alguns componentes da Companhia de Comando e Serviços. Recebeu apoteótica recepção no Rio de Janeiro.
No dia 25 do mesmo mês, embarcou o 9º Batalhão de Engenharia com o grosso de sua tropa, a bordo do navio brasileiro Pedro II, com escalas em Dacar, Recife e Rio de Janeiro. A travessia foi calma, sem os contratempos dos ‘postos de combate’, sem black-out e com comida brasileira. O pessoal passava o tempo como podia: apreciando a natureza, jogando cartas, ouvindo música e fazendo os preparativos para a chegada.
O navio escalou em Dacar e, a 9 de agosto, aportou em Recife. Realizou-se um desfile da tropa, muito aplaudido pelo público. A bandeira alemã capturada fazia parte do cortejo, sendo transportada por seis soldados que a seguravam horizontalmente. Quando o povo avistou-a, avançou sobre ela, cuspindo e tentando rasgá-la. Foi necessário protegê-la, para não ser destruída.
Finalmente, a 13 de agosto, revimos o Pão de Açúcar, e penetramos na Baía de Guanabara, de onde partíramos cheios de dúvidas e incertezas, e para onde agora voltávamos repletos de saudades, mas felizes por termos cumprido o nosso dever. A alegria entre a tropa era indizível. Todos esperavam rever, sem demora, os pais, as esposas, as noivas ou namoradas, as pessoas queridas. Qual não foi nossa decepção, ao atracarmos, em verificar, que toda a área estava isolada e policiada tal como quando partíramos, em setembro do ano passado. O trem da Central do Brasil nos esperava, e nos conduziu para Realengo, antigo quartel da Escola Militar, de onde saíramos Aspirantes nos idos de 1937. Lá estavam as famílias à nossa espera, suavizando a decepção anterior. Tudo já estava esquecido e tudo era alegria, beijos e abraços.
Guardamos nossas bagagens no interior de uma das antigas salas de aula e tivemos folga por alguns dias. Gozamos, então, do aconchego do lar, dos parentes, dos amigos, com quem apagaríamos as imagens da guerra que ainda nos assaltavam em sonhos agitados. Parecia um pesadelo o que se passara. Tanto sofrimento, tanta canseira, tanto sobressalto, para acabar com uma ditadura que, pela ambição de conquista, havia incendiado todos os quadrantes da terra, com maior ou menor intensidade. Foi necessário esmagá-la, pelo poder das armas, para não mais se repetir.
Milhares de vitimas jaziam nos túmulos ou ainda sofriam nos hospitais; o mundo estava cheio de mutilados de guerra e neuróticos que, durante toda a vida, pagariam um pesado ônus, por um pecado que não tinham cometido.
Paradoxalmente, encontramos no Brasil uma ditadura, instaurada com o chamado Estado-Novo, desde 10 de novembro de 1937 e que ainda perdurava sob a chefia do Dr. Getúlio Vargas. A FEB lhe criara uma situação incômoda: como continuar num regime político que fora inspirado nas ditaduras que acabavam de ser destruídas pela guerra? O povo, ao receber, apoteoticamente, os outros escalões, não estava manifestando o seu desejo pela volta à Democracia? Os combatentes, recém-chegados, não eram uma pedra no sapato do regime vigente? Tratou-se de desmobilizá-los, o mais rápido possível, e distribuir seus oficiais e sargentos de carreira por todo o país, de forma a fazer desaparecer sua presença incômoda. E assim foi feito.
Voltamos algumas vezes ao quartel de Realengo, tomando as últimas providências para a desmobilização do 9º BE, velho de guerra que, em tão pouco tempo, havia gravado, com letras de fogo e sangue, uma odisseia nas montanhas da Itália.
Pela última vez reunimos a 2ª Companhia, cujo efetivo, em sua grande maioria, retornaria às lides da vida civil. Não estavam presentes os heróis que deixáramos sepultados no cemitério de Pistóia; os feridos que ainda permaneciam em tratamento nos hospitais militares; éramos os restantes, dando graças a Deus por nos ter preservado de maiores sofrimentos. Ali estavam os antigos pracinhas de Aquidauana, Três Rios e Rio do Janeiro, que haviam partido, bisonhos e despreparados para o além-mar. Agora, veteranos e experimentados, combatentes de tantas batalhas, ganhas ou perdidas, com o mesmo olhar de simplicidade e modéstia.
Despedimos-nos daqueles que tinham escrito, com espontaneidade e coragem, uma das mais belas páginas da história do Brasil.
Gen. Raul da Cruz Lima Júnior
“Quebra Canela”
Assistam o Documentário FEB – 60 anos depois
Reflitam se foi justo o término da FEB tão repentinamente e o tratamento recebido por nossos heróis.
Parte 1
https://www.youtube.com/watch?v=t8-ej9qjm1E
Parte 2