Há 50 anos terminava uma das mais cruéis guerras – a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), na qual mais de 50 milhões de pessoas foram mortas, deixando outras milhões carregando toda sorte de sequelas. Guerra em nível mundial, na qual a bestialidade humana mais uma vez se fez presente na morte de mais de 6 milhões de judeus -homens, mulheres e crianças.
Para relembrar o fim desta guerra, grandes comemorações aconteceram em várias partes do mundo. Foi neste verdadeiro inferno, que tantos anos durou, que o Brasil também se viu envolvido quando vários de seus navios foram torpedeados por submarinos alemães nas costas brasileiras. Em 1942 nosso país declarou guerra ao Eixo, formado pela Alemanha, Itália e Japão. É neste cenário que a Voz Missionária foi buscar um dos legítimos representantes daqueles que participaram desta guerra. É um pastor metodista que, aos 88 anos de idade, lúcido, ainda se recorda daquele passado longínquo.
Capelão Juvenal Ernesto da Silva
Convocado para ser capelão do Segundo Escalão da Força Expedicionária Brasileira – FEB – aos 34 anos, deixou mulher e um filhinho e partiu para os campos de combate, na Itália. Sua missão era levar conforto espiritual aos nossos soldados. Formado em Letras e Teologia pelo Instituto Granbery, em Juiz de Fora, e com mestrado em Nash-ville, EUA, falava perfeitamente o inglês, o que facilitou seus contatos também com os americanos, já que o nosso exército atuava conjuntamente com o 5° Exército Norte-Americano. Aprendeu também a falar italiano, o que facilitou sua missão.
O capelão Juvenal ainda guarda, com carinho, várias lembranças dos tempos que passou na Itália: capacete, cinturão, a faixa de capelão, marmita, cantil, caneco, talheres, sua Bíblia, o aparelho de Santa Ceia e uma chapinha com suas referências pessoais, para sua identificação em caso de morte.
O salmo dos soldados nas trincheiras
Durante a campanha na Itália, o capelão Juvenal recitava com frequência o Salmo 23, o predileto dos “pracinhas” (como eram chamados nossos soldados) quando feridos, muitos já sem esperança de vida.
“O Senhor é o meu Pastor: Nada me faltará.
Ele me faz repousar em pastos verdejantes.
Leva-me para junto das águas de descanso; refrigera-me a alma.
Guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome.
Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo: a tua vara e o teu cajado me consolam.
Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários, unges-me a cabeça com óleo: o meu cálice transborda”
As funções de um Capelão na guerra
Capelão Juvenal informa que sua função era a de confortar os feridos, os enfermos, visitar, levando palavras de conforto tanto para os que iam para a frente de combate como para aqueles que estavam à espera de serem chamados para a luta. Se preciso, até sepultá-los, no que ele dá graças a Deus por não ter sido preciso. Havia, portanto, um trabalho sem descanso, pessoal, com todos os soldados que o procuravam – evangélicos, católicos, ateus. Assim, muitas vezes ele era levado junto com o Comando, acompanhando as tropas.
O dia-a-dia na guerra
Dependendo das circunstâncias, passava noites inteiras no front. Às vezes, perdia-se a noção do tempo, não se sabia o horário de levantar, nem de deitar. Tudo dependia das batalhas que se desenrolavam.
Uma experiência curiosa
Conta nosso capelão que certa ocasião as tropas entraram no jardim de um palácio para um descanso rápido. Na guerra, entra-se em qualquer jardim ou casa. Entraram e estacionaram os tanques naquele local. Era um palácio muito bonito e. ao entrarem, um mordomo disse que poderiam ficar à vontade, e que estavam no palácio do grande músico e tenor Beniamino Gigli. Então o capitão Abreu fez com que todos recuassem, porque aquela casa não era a de um simples italiano, pois Beniamino Gigli era um cidadão internacional, conhecido em todo o mundo. E, ao sinal do apito, toda a tropa saiu. O capelão passou a admirar ainda mais o capitão, que sabia respeitar o valor de um dos maiores representantes da arte musical. Ficou, portanto, fados dois.
A caixa de bombons
As cartas que chegavam eram poucas, mexidas, desviadas, abertas, perdidas.
Numa ocasião, a mãe de um dos praci-nhas enviou-Lhe uma caixa de bombons. Ela chegou aberta às mãos do capelão. Restavam pouquíssimos bombons. O capelão atravessou um lugar perigosíssimo para entregá-la ao soldado em combate. Foi alertado de que não deveria ir, mas ele insistiu, dizendo que iria levar a caixa de bombons, que era um gesto de grande amor de uma mãe por seu filho. Então um soldado foi com ele, recomendando-lhe para pisar onde ele pisasse, pois corria o risco de passar em uma mina. O interessante é que aquele bom soldado tinha os pés muito grandes, e o nosso capelão, com pés menores, pisava bem dentro de sua pegada. Foi assim que ele, exultante, conseguiu entregar a caixa de bombons para aquele soldado.
O sentimento de insegurança e medo
“O medo é inerente ao homem, porque trata-se da sua segurança, da sua sobrevivência”, afirma o capelão Juvenal. O medo de não voltar para os seus entes queridos, para sua pátria, tudo isso gera insegurança e o homem acaba por sobrepor as suas angústias e medos, transformando-os em coragem. Podiam-se ver homens fazendo lances de grande coragem, mas isto era impulsionado pelo medo. Faziam-se coisas maravilhosas -todas motivadas pelo medo. Isto, no entanto, não tornava o ato menos merecedor de admiração e respeito.
Como eram feitas as reuniões de oração
As reuniões eram feitas em qualquer lugar e hora, sempre que as batalhas permitiam. Às vezes as reuniões contavam com apenas três, quatro ou até um único soldado, porém eram realizadas com todo o fervor e fé num Deus que nunca desampara os que o procuram.
A profissão de fé de um soldado
Foi uma das experiências mais marcantes de nosso capelão. Os combates aconteciam em Montese. Um dos soldados recebeu ordens expressas para ficar em determinada posição e dali não sair, mesmo que o número de soldados inimi-
gos fosse grande. Ele tinha de matar ou morrer. E ele obedeceu! Felizmente, nenhum inimigo apareceu. Depois de removido dali. entre lágrimas e soluços, procurou o capelão para se balizar e fazer sua profissão de fé. “Já queria fazer isso há algum tempo.” disse o soldado, “mas se eu lhe pedisse isso antes, o senhor poderia pensar que eu quisesse fazê-lo apenas por estar em grande perigo. Agora, fora do front de guerra, continuo a desejar o batismo e a profissão de fé.” Ele frequentava a Igreja Presbiteriana que ficava em frente ao Palácio da Guerra, no Rio de Janeiro. Tinha apenas 21 anos! O capelão, então, tirando um pouco da água do seu cantil – água muito preciosa para a sua sobrevivência – tornou-a ainda mais preciosa pelo batismo. Um pouquinho de água…
Nós, metodistas, batizamos por aspersão. Este fato tão maravilhoso se deu entre os escombros de uma casa arrasada pela guerra.
Muitas outras profissões de fé foram realizadas. Um soldado fez sua profissão de fé embaixo de um pé de Oliveira, único local disponível naquele momento.
Achando um a um
Como foi convocado para o segundo Escalão da Força Expedicionária Brasileira, encontrou os soldados já espalhados pelo front de guerra. Foi pastorear uma igreja na qual tinha de descobrir os membros, um a um, nas trincheiras. E assim o fez. Foi um trabalho árduo, difícil, porque muitos estavam descrentes de tudo e desesperançados da vida.
Sentimento de um Capelão nos campos de batalha
Indagado sobre como se sentia no meio de uma guerra cruenta, sendo homem religioso com a missão de falar da “vida”, o capelão Juvenal afirma: “Sentia-me pequenino, moído, esfrangalhado diante de tanta dor e tristeza, tanto como ser humano como homem religioso. Os soldados buscavam conforto espiritual e palavras de esperança, e eu procurava ajudá-los com a graça de Deus. A presença de um religioso num confronto ar-
mado é extremamente necessária, não somente para os que estão sãos e aguardam a chamada para a batalha, mas também para os feridos nas trincheiras ou nos hospitais. Havia casos de pessoas que não criam em Deus e entravam em desespero. Outras gostariam de ter fé em Deus, mas sentiam-se totalmente inibidas. Era terrível e a gente se sentia extremamente triste. Restava orar, orar… Naqueles momentos eu me sentia frustrado, sem poder abrir a mente de tais pessoas. Isso sempre foi muito duro para o nosso capelão.
Fragilidade, apesar da fé
“Em muitos momentos, senti medo e muita fragilidade como ser humano. Deus conhece a minha fragilidade, porém jamais perdi a minha fé. E ainda peço a Deus por um de nossos soldados que, revoltado, não conseguia acreditar nele. Ele costumava dizer que eu só conseguiria introduzir Deus em sua cabeça se a quebrasse e o pusesse lá à força. É muito apropriado o que nos diz a Bíblia em um de seus trechos: ‘Buscai a Deus enquanto se pode achar; invocai-o enquanto está perto.'”
A volta ao Brasil
De volta ao Brasil, o capelão Juvenal tinha o coração grato a Deus pela oportunidade que lhe fora dada para ser útil ao próximo e também pela alegria de rever a família. Também teve o prazer de rever vários soldados e o comandante. Após a guerra, atuou ainda durante muito tempo como capelão em colégios metodistas.
Condecorações
O capelão Juvenal Ernesto da Silva foi alvo de muitas homenagens, recebendo a Medalha do Pacificador, entregue pela Segunda Região Militar em São Paulo, unidade do Ibirapuera, e um punhal de prata da mesma unidade, quando se aposentou.
Também não foi esquecido pelas mulheres metodistas, representadas pelas Sociedades de Mulheres das Igrejas em São José dos Campos e Cotia, que lhe ofereceram um bonito cartão de prata. E ainda agora, ao comemorar os 50 anos do término da guerra, a Câmara Municipal de Araçoiaba da Serra, onde reside, acaba de lhe conferir o Título de Cidadania daquele município.
Palavras finais do Capelão Juvenal
“É preciso mostrar às novas gerações o horror de uma guerra e procurar, mais do que nunca, o espírito de pacificação. E que as novas gerações procurem conhecer os feitos dos nossos praci-nhas que participaram da guerra em batalhas memoráveis, em defesa da liberdade e dos direitos humanos, ainda tão espezinhados. Para isto é preciso que os nossos veteranos, a nossa imprensa, os nossos educadores transmitam esses feitos. A Nação sobrevive na memória dos seus filhos. Como se diz: ‘Povo sem memória é povo sem história!'”
Palavras da Voz Missionária
A Voz Missionária, como publicação da Igreja Metodista e órgão oficial das Sociedades de Mulheres, sente-se orgulhosa e deveras honrada por trazer à memória da Igreja Metodista no Brasil a vida de um de seus filhos mais dignos, que como capelão cumpriu sua missão de pastor, levando palavras de esperança e conforto espiritual aos soldados que, longe da Pátria, lutavam nos campos nevados e sangrentos da guerra.
Que as mulheres metodistas, unidas, orem pelo capelão Juvenal, escrevam-lhe cartas e que as SMMs mais próximas o homenageiem com muito carinho e respeito por uma figura tão expressiva para a nossa Igreja e para a Pátria, cumprindo a missão que Deus lhe ordenou.
Deus o abençoe, capelão Juvenal, e lhe recompense por tanto que o senhor fez pela causa do Mestre! O senhor foi como um anjo de Deus nos campos de batalha. Creia, todos os corações sensíveis hão de reconhecer seus grandes méritos!
Fontes: Capelão Juvenal E. da Silva, sua esposa Cacilda, notas do jornal “Mais Cruzeiro”, de Sorocaba, rev. Isnard Rocha, Julieta Calvo Escobar, Mário Freitas, seu enteado, e o fotógrafo Aldo V. da Silva, do “Mais Cruzeiro”, que forneceu suas fotos. A todos o nosso muito obrigada.
Fonte: Revista Voz Missionária
Um dos melhores comoventes “posts” sobre a FEB que já vi. Na hora do perigo é que o Ser Humano se dá conta da sua fragilidade e de sua verdadeira dimensão terrena. O Capelão estudou no Instituto Granbery de Juiz de Fora, onde minha esposa e filha também estudaram. Meus Parabéns!
PARABENS PELA REPORTAGEM, TENHO O GRANDE PRIVILEGIO DE CONHECER A SRª CACILDA ERNESTO DA SILVA, ESPOSA DO CAPITÃO CAPELÃO REV. JUVENAL ERNESTO DA SILVA, CONHECI MUITO SUA HISTORIA, SEUS GRANDES FEITOS NOS FRONTS DA ITALIA E O CONSIDERO COMO UM GRANDE HEROI, ASSIM COMO TODOS OUTROS COMBATENTES DA FEB, POREM O SREVIÇO DO CAPELÃO ERA DIFERENCIADO…. CONTUDO SUA HISTORIA MERECE TODOS OS MERITOS, POIS AQUELES FORAM GRANDES HEROIS QUE NÃO PODEM SER ESQUECIDOS, UM GRANDE ABRAÇO
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