O autor comandou um mesmo pelotão de fuzileiros desde a organização de sua unidade – O 6º Regimento de Infantaria – até o regresso ao Brasil, após o término da guerra. E todo esse período, dia-a-dia, está registrado em um documento autêntico e sem pretensões literárias que bem retrata o idealismo, desprendimento, o espírito de solidariedade, o senso de humor e a bravura sem ostentação, característicos de nosso soldado. Não se trata da aventura de um herói no estilo cinematográfico, mas sim da narrativa viva de um combatente comum, que como milhares de outros, contribuiu modesta, porém decisivamente, para acrescer mais um capítulo de glória à História do Exército Brasileiro.
Dia 29.06.44
Saímos da estação da Vila Militar às 22:00 horas e chegamos ao cais do porto às 24:00 horas, onde embarcamos no navio de transporte ” U.S.S. General W.A. Mann”. A 1ª Cia foi a 1ª tropa a embarcar. Faz parte do Escalão Avançado da 1ª D.I.E.
Dia 16.07.44
Avistamos Sorrento. Passamos por Capri, ilha situada na estrada da Baía de Nápoles. As 08:30 horas o “General W.A. Mann” parou no porto em frente ao Vesúvio.
Às 10:30 horas foi rebocado até ao cais onde atracou.
Às 13:30 horas iniciou-se o desembarque da tropa.
Fizemos um pequeno deslocamento pela cidade de Nápoles cheia de ruínas ocasionadas pelos bombardeios.
Dia 02.08.44
Pela manhã, marchamos em direção ao nosso acampamento, onde chegamos às 10:00 horas sem novidades. O acampamento está situado na região de Fornace a 3,5 km de Tarquinia. Dele, descortina-se o mar e um campo de aviação ocupados pelos aliados. Hoje pela primeira vez, vimos aviões de transporte rebocando grandes planadores. O movimento de aviões é enorme, passando a todo momento esquadrilhas.
Dia 11.10.44
O 1º Btl continua em Camaiore. O meu P.C. está situado numa casa em que, com bons modos, foi muito difícil arranjar um quarto. Até hoje, tenho procurado boas casas e boas acomodações para mim e meus soldados. A guerra é muito diferente das manobras, exercícios… É claro que isso tudo só se faz quando é possível. Haverá dias em que terei de dormir na terra e ao relento e frio.
Dia 12.10.44
Continuamos em Comaiore. Foi confirmada a chegada do restante da FEB segundo declarações de colegas, que já foram visitar os nossos irmãos recém-chegados. Eles desembarcaram em Nápoles e viajaram em lanchões até Livorno. Daí se dirigiram para Piza, onde estão acampados.
Nós do 6º RI, ficamos bastante contentes com esta notícia alvissareira. Agora é que os alemães vão conhecer os brasileiros, e nossa fibra, em maior porcentagem.
Dia 13.10.44
Estamos em Camaiore, aguardando a partida a qualquer momento. Já estou muito cansado de esperar. A única coisa que faço é escrever para casa. Recebi uma carta do Rio do Tem G…, que fala do nosso desembarque em Nápoles e nossa travessia “dificílima ” do Rio Arno. O “farol” da imprensa é grande. Atravessamos o Rio Arno através de uma ponte otimamente construída.
Dia 16.10.44
Hoje faz precisamente 3 meses que desembarcamos na Itália, em Nápoles.
A impressão geral é que a frente da Itália está destinada a se estabilizar. O comando aliado tem interesse que demore o avanço do 5º e 8º Exército da Itália.
E quase certo que passaremos o inverno na Itália, a não ser que a FEB vá combater noutra frente.
Hoje revendo documentos da minha pasta, encontrei um papel em que consta o programa para a instrução do dia 26.07.44. Por ele se vê “quanto” era “adiantada” a nossa instrução e que “não havia” nenhuma “embromação”.
Dia 20.10.44
Manhã calma. Às 15:30 horas fomos surpreendidos por uma rajada do 155 alemão. Foram 22 granadas atiradas por uns 4 canhões. Depois espaçadamente, mais 12 granadas até às 16:00 horas. Em fim foram 34 granadas que nos fizeram procurar um bom abrigo no porão.
O soldado nº 3272, Pedrosa, que estava de sentinela numa ponte e abrigado, foi ferido por estilhaços nas costas e no rosto. Parece não ser grave o seu estado. Foi levado imediatamente para o posto médico.
A linha telefônica foi cortada outra vez.
Às 20:00 horas, recomeçou o bombardeiro e foram atiradas mais 15 granadas.
Dia 21.10.44
Passamos a madrugada recebendo espaçadamente granadas alemãs.
Foram mais de 40 granadas.
Às 09:30 horas mais 17 “caramelos” nazistas. A nossa artilharia, que é bem superior à alemã em canhões e munição, sempre responde ao bombardeios alemães.
Foi cortada a nossa linha telefônica pela quarta vez.
O resto da noite os alemães não atiraram.
Dia 29.10.44
A 1ª Cia. Se deslocou para o Norte de Barga. Amanhã o 1º Btl. Ultrapassará o 3º Btl. E atacará a linha M.S. Quirico – cota 906 – M. Lamas de Soto. Cabe à 1ª Cia. Atacar a cota 906.
Dia 30.10.44
O meu Pelotão chegou ao seu objetivo às 11:30 horas fazendo 10 prisioneiros alpinos italianos e matando outros 3 fascistas.
Mandei pedir munição e reforço.
O 1º Pelotão e o de Petrechos também chegaram ao seu objetivo fazendo 7 prisioneiros.
Até às 17:00 horas a minha posição não era boa. Com um homem gravemente ferido na cabeça (Sd 4539 – Acebiades). Sob muita chuva e sem reforço. Por isso revolvi retrair mais para baixo da elevação, onde passei a noite numa casa, completamente guardado por uma seção de metralhadoras da C.P.P.I., que chegou finalmente às 17:30 horas. A munição ficou prometida para o dia seguinte…
Dia 31.10.44
Continuo sem munição e sem ligação com o 1º Tem. G…, do 1º Pel., que está à minha direita.
Hoje às 09:00 horas, o Tem. G… entrou em ligação comigo e pediu proteção para seu franco esquerdo. Por isso resolvi, depois de solicitar autorização ao Cmt. Da 1ª Cia desbordar pela direita até cair na retaguarda do 1º Pel.
Ao meio-dia partimos para a nova posição.
Às 14:00 horas entrei em ligação com o Tem. G… e resolvemos dar o seguinte dispositivo de acordo com ordens do Cap. T…, Cmt. Da Cia.: Franco direito da Cia. – 1º Pel. e Pelotão de petrechos; – Franco esquerdo da Cia. – 2º Pel. e seção de Mtr; – Centro do dispositivo da Cia. – 3º Pel. em linha.
Às 15:30 horas foi conseguido este dispositivo na cota 906, melhorando muito a situação da Cia. No tocante à ligação, pois o Tem. G…tem comunicação telefônica com o P.C. da Cia.
Ás 16:00 horas depois de ter tomado todo o cuidado, já estávamos quase em posição.
Esclarecedores do 2º Pel. verificaram a presença de inúmeros abrigos na contra encosta da cota 906, parecendo estarem abandonados. Não satisfeito com esta observação, mandei um esclarecedor, o Sd Lauro, protegido pelos F.M. do Pel., tirar completamente as dúvidas. Neste momento, houve um bombardeio de morteiro 81, alemão, na direção de Soma Colônia (P.C. do Cmt.), com as granadas passando por cima de nós.
Quando o Sd Lauro, rastejando perto de 30 metros, chegou junto de uma organização inimiga, foi surpreendido com um alemão apontando sua arma para ele e chamando-o para se aproximar da posição. Porém o Sd Ramão, 3693, que observava a situação crítica do companheiro, deu um certeiro tiro de fuzil no inimigo, pondo-o por terra. Este tiro de fuzil serviu para a abertura de um violento fogo de armas automáticas sobre toda a Cia. na cota 906. Tratava-se de um violento contra-ataque alemão com granadas de mão, fuzil, metralhadoras pesadas, metralhadora de mão1100 e morteiros. O inimigo atirava e progredia rastejando. Concitei o pelotão com energia, para não se retirar e abrir fogo, no que fui atendido prontamente.
O combate durou perto de uma hora.
Os alemães não conseguiram avançar apesar de fortemente armados e municiados. A munição da Cia., porém se extinguia. O 1º Pel., sem munição e estando na iminência de ficar cercado entrou em ligação telefônica com o Cap. T…que ordenou o retraimento.
O meu Pel. também estava com pouca munição. Verificando que fraquejava minha direita, conclui que o 1º Pel. se retirava. Por isso, ordenei o retraimento do 2º Pel. que, se não foi em completa ordem, não foi mau, porque o Pel. não deixou no campo de batalha um único homem. Nem mesmo o Sd.Lauro, que escapou milagrosamente, apoiado pelo fogo do 2º Pel.
O Pel. perdeu um pouco de seu material: 5 fuzis, uma bazuka, uma metralhadora Tompson, 5 capacetes e 4 capotes.
A 1ª Cia. não teve nenhuma perda em homens neste combate, tendo o nosso retraimento sido considerado como em ordem.
As condições físicas e morais da Cia. ficaram e estão abaladíssimas.
É necessário um repouso para os homens. Não estão acostumados com o frio e combate-se a mais de 30 dias.
Dia 01.11.44
Hoje, retiramo-nos para a localidade de Catagana e tivemos ordem de defendê-la até o fim. Passamos a noite apreensivos com o inimigo, esperando a todo o momento um ataque.
A nossa posição não é segura. Os homens cansados por causa do combate, da subida da montanha, noite mal dormida, má alimentação, vêem por qualquer motivo fútil a presença do inimigo.
Dia 02.11.44
Passamos em Catagana, agora bem municiados e com o dispositivo da Cia mais seguro.
Dia 21.11.44
Hoje pela manhã, o Pel. Anti-carro do 2º Pel. veio entrar em posição perto do meu Pel. para atirar no Soprassasso.
Esses tiros ocasionaram a queda de granadas 88, alemães, 15 minutos depois que o Tem. M…, Cmt do Pel. Anti-carro se retirou.
Felizmente, das doze granadas que o inimigo atirou, só explodiram três. Uma das que não explodiram enterrou-se junto à parede da casa onde está o meu P.C.
Dia 28.11.44
Ao escurecer, às 17:00 horas, fomos bombardeados pela 1ª vez pela aviação inimiga. Um avião inimigo deixou cair 3 bombas de 250 kg cada uma, na região da 1ª Cia., a 200 metros do meu P.C. Não houve nenhuma baixa, porque as bombas caíram em região não ocupada por pelotões.
DIA 09.01.45
Estamos em Porreta (1º Btl.) sujeito a bombardeios da artilharia inimiga. A tropa foi colocada num abrigo antiaéreo infétido, sem luz, sem água e úmido. É preferível o front, ao descanso em que estamos, aliás não é descanso. Nós estamos na reserva, podendo ser empregados de uma hora para outra.
Dia 09.01.45
Conseguimos mudar a tropa para outro local. Estamos agora em casas de família em Porreta. Melhorou muito.
Dia 12.01.45
Eu e o Tem. V… fomos dar um giro em Pistóia. Saímos pela manhã e fomos almoçar no Q.G. recuado. Antes não fosse. “Saco B” era mato. Tenentes, capitães, majores na retaguarda e o front necessitando de oficiais. Na retaguarda nem parece que existe guerra. Distintivos do 5º Exército e “A Cobra Fumou” em cada um dos braços “field-jacket” de pele, que o boletim só permite o uso nos “fox-holes”, são ostentados pelos homens da retaguarda que não sabem ainda o que é neve.
A verdade é que tem muita gente que está vendo a guerra é no cinema.
Voltamos aborrecidos para Porreta, depois do que vimos.
Dia 23.01.45
Fui designado pelo 6º R.I., para tirar o curso de Cmt. De Pel. em Caserta. Depois de 4 meses de front sou obrigado a tirar um curso que não tem aplicação nenhuma na guerra. Isto disseram os oficiais que tiraram o curso antes de virmos para o front.
Dia 05.03.45
O 1º Btl. Atacou o Monte Soprassasso e Castelnuovo.
A operação começou com a 1ª Cia., que teve a missão de atacar a cota 902. O ataque começou às 08:00 horas e às 09:30 horas a Cia. já tinha ocupado o objetivo.
A 1ª Cia. fez 3 prisioneiros e 2 mortos, todos pelo meu Pelotão.
Às 20:00 horas, o 1º Pel. havia ocupado todos os seus objetivos, tendo feito, no total, 75 prisioneiros.
Dia 19.03.45
Fui a Livorno, acompanhando o Padre H…, do 1º Btl. Visitamos todos os feridos do Btl. Nos hospitais de Livorno, Pistóia e Montecatini.
Dia 26.04.45
Entramos em Montechio. Hoje é meu aniversário. O meu melhor presente é a paz que está chegando.
Dia 28.04.45
Estamos em Calechio, hoje, iremos cercar uma divisão alemã que está se retirando de La Spezia e procura um meio de escapulir.
Às 14:00 horas seguimos atrás dos tanques americanos e chegamos a Talignano com grande esforço. A 2ª Cia foi completamente dissolvida, deve muitas baixas, inclusive 4 mortos. Os alemães tentaram vários contra-ataques repelidos muito bem pelo 1º Btl.
Dia 29.04.45
Às 03:00 horas da manhã, um parlamentar alemão veio entender-se com o comando brasileiro para render-se incondicionalmente em virtude de 800 baixas entre mortos e feridos pela nossa artilharia e Cia. de Obuses do 6º R.I.
Às 08:00 horas foi dada ordem para não haver nenhum tiro. 14.000 alemães renderam-se incondicionalmente ao 6º R.I. Centenas de viaturas, artilharia, cavalo…
Dia 02.05.45
O General Alexandre deu por terminada a guerra na Itália. Foi um dia que não contivemos nossa alegria.
Dia 06.05.45
Eu, Tem. F… e Tem. A… fomos dar um passeio até Turim, porém fomos barrados a 5 km desta cidade por autoridades do 5º Exército. Voltamos de Turim e passamos a noite numa pequena cidade chamada Asti. Não parece que esta cidade sofreu com a guerra, tal a beleza e o chique das senhorinhas italianas, morenas e louras que deixam-nos completamente abobalhados. Aliás o norte da Itália é completamente diferente do Sul. No norte há mais vida e riqueza.
Dia 31.05.45
Passamos o dia todo de hoje visitando Venezia. Tomamos uma gôndola e demos um giro pele cidade durante todo a manhã.
À tarde visitamos a Igreja de São Marcos, na principal praça de Venezia. Visitamos também a torre do relógio e a torre de São Marcos de onde se descortina toda a cidade.
A noite fomos ao teatro Fenice onde assistimos um espetáculo que consistia em vários trechos de Ópera. Ouvimos a célebre “Tutti del Monde”.
Dia 01.06.45
Às 08:00 horas saímos de Venezia e nos dirigimos para Milão. Passamos por Vicenza, Verona, Bresia, Lago de Guarda e chegamos a Milão às 18:00 horas.
Em Milão visitamos a Catedral do Duomo, o teatro Escala de Milão, e o local onde Musselina e seus comparsas estiveram, dependurados.
Às 20:00 horas regressamos para Voghera com os boatos de que a 4.6.45 seguiríamos para Nápoles.
Será verdade?
Neste passeio tiramos muitas fotografias.
Dia 06.07.45
Seguimos de caminhões para o porto de Nápoles. O 6º R.I. e outras unidades embarcaram durante todo o dia.
Às 18:30 horas o ” U.S.S. General Meigs ” desatracou do porto de Nápoles, rumo ao último objetivo da FEB: ” BRASIL”.
FONTE:
Revista do Clube Militar – Julho de 1974