Relato da Segunda Guerra – Antonio Honório de Lima

Em 1944 partiram de Agudos, estado de São Paulo, seis jovens convocados e engajados na 1ªCia. Regimento Sampaio da FEB – Força Expedicionária Brasileira. Dentre eles, Antonio Honório de Lima, hoje Cabo Lima, filho único. Deixou Agudos, levando no coração a imensa tristeza de deixar a família e a incerteza de voltar.

Visivelmente emocionado, Cabo Lima foi narrando as batalhas de que participou: Castel Daiano, Montese, Porreta Terme, Monte Castelo. Esta ultima foi a pior batalha, onde perdemos o maior numero de companheiros.

Os alemães entocados nas casamatas, nos pontos mais altos do Monte Castelo, tinham ampla visão das nossas posições. Do pé do monte, afastando muitos metros numa área limpa, sem nada para nos proteger, os alemães fizeram uma cerca bem trançada de arame farpado; assim, os que escapavam das rajadas das metralhadoras morriam eletrocutados na tal cerca que a um simples toque acionava um dispositivo que fazia explodir as bombas, pois o terreno estava totalmente minado. Foi terrível. Companheiros mortos, outros agonizantes pediam a morte. A luta peito aberto, a garra, a fome, a sede, o sono, tudo, tudo valeu quando, depois de muita luta, atingimos o topo do Monte Castelo. Claro fincando la nossa bandeira.

Montei guarda num quarto onde mantínhamos oitos alemães prisioneiros. Um deles tentava falar comigo. Eu não entendia alemão, nem o inglês, ele sabia nada de português, por fim nos entendemos num italiano regular. Ele disse: “É voz corrente entre os soldados alemães o conceito de que os soldados brasileiros são valentes de briga”. Esse conceito era também dos italianos, que diziam: “O soldado brasileiro tem muita raça, alem de um coração de ouro, dividindo o pouco que tem com aqueles que na tinham”.

Antes dos 1º combate tivemos um dia de grande emoção, quando chegou ao nosso acampamento a imagem da Padroeira do Brasil. Emocionados e contritos, rogamos à Virgem da Conceição Aparecida para que nos protegesse.

Sabe, tive uma namorada italiana que queria vir para o Brasil, mas não deu certo. Tudo o que sei da língua italiana devo a ela. Algum tempo atrás recebi uma mensagem dessa garota, que já não pertence ao nosso mundo. Foi emocionante.

Guerra imunda, não sabíamos o dia da semana, do mês e a saudade da pátria, da família, era invencível. Quando terminou a guerra com os alemães, pairava no ar a ameaça de irmos para o Japão e todos acreditavam que de la ninguém voltaria.

So tivemos certeza de termos escapado com vida dessa porcaria de guerra quando avistamos o Cristo Redentor. Foi uma loucura total, todos acumulados no convés. Entre lagrimas e sorrisos gritávamos: “Brasil a vista! Viva o Brasil! Estamos vivos!”, foi, sem duvida, a maior emoção de toda a minha vida, seguida da emoção pelo carinho que recebemos do povo brasileiro e a chegada em casa, quando pude estreitar em meus braços, minha mãe.

Ficou em mim um trauma enorme. Festejos, desfiles militares, discursos, ouvir o Hino Nacional, tudo isso faz voltar a minha mente todo aquele horror de mulheres e crianças mortas, ou mendigando comida. Vejo os rostos angustiados dos companheiros agonizantes e a imagem daqueles que ali ficaram.

 

Fonte: Odisséia e Vitoria da FEB – Mercedes Pacheco

Pag. 56-57

Sobre Ricardo Lavecchia

Desenhista, Ilustrador e pesquisador sobre a Segunda Guerra Mundial

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