Patrulha de Ligação
Fevereiro, 1945.
Geraldo Pierre vivia em Caçapava, pintando tabuletas, fazendo letras, desenhando. Sua mãe, D.Maria Augusta Pierre, continua em Caçapava, mas Geraldo é segundo-sargento e em sua companhia é conhecido como “o sargento das patrulhas”.
-Quantas, Pierre?
-Que eu comandei mesmo, sete.
Um cabo que está perto diz:
-Pierre, conta aquela dos prisioneiros… Aquela que você saiu com quatro homens…
Já ouvi falar nessa história, e fico satisfeito em ver que era aquele o homem que andara procurando uns tempos atrás.
-O negócio foi o seguinte. Eu saí com quatro homens numa patrulhinha para fazer ligação com a 4º Companhia. Nós estávamos ali há pouco tempo e eu não conheci ao lugar. Levei um italiano comigo para me mostrar o caminho. Nós tínhamos de fazer ligação com um sargento da 4º que devia estar numa casa virando o morro, e o tenente Fagundes disse: vocês vão correndo porque eles atiram de morteiro no caminho. O italiano foi na frente. Isso foi pouco antes de começara a cair neve, mas havia uma lama danada, e quando a gente ia subindo o morro escorregava muito. O italiano era danado para andar depressa. Chegamos do outro lado do morro muito cansados. Vi que tinha uma casinha ali. Fomos lá fazer um reconhecimento e não tinha ninguém dentro. Só tinha pombos. Mandei os homens ficarem dentro da casa para descansar um pouco e fiquei lá fora resolvendo.
O italiano me dizia que ali é que devia estar a patrulha da 4º. Vi assim mais para cima do outro morro outras casa. Resolvi ir até lá. Chamei os homens e subimos. Perto da primeira casa encontramos jogado no chão um cinto, e logo depois um capote que pareciam ser de alemão.
Achei aquilo meio esquisito, mas fui tocando. Entramos na primeira casa. Não tinha ninguém lá, só uns montes de maças num canto. Na outra casa havia um monte de batatas, mas também não tinha ninguém.
Fomos reconhecer a terceira casa. Eu entrei na frente, andei para um lado e outro e não vi nada. Num quarto, vi jogada no chão, uma boneca grande, muito bonita. Pensei assim: na hora de ir embora, vou carregar essa boneca para mim. Fui lá para fora e fiquei olhando de binóculo para ver se conseguia enxergar algum movimento. Numas casinhas num outro morro vi uns homens, mas não dava para ver se eram brasileiros ou alemães. Eu estava ali assim, olhando, quando o italiano chegou perto de mim e disse baixinho que tinha visto uns fuzis lá dentro da casa.
“Fui com ele e olhei por uma fresta que dava para uma espécie de porão”. Era um porão que estava fechado e onde nós não tínhamos ido, achando que não valia a pena. Olhei e vi mesmo umas armas, mas não via bem, e não sabia se eram brasileiros ou não. Aí nós saímos da casa outra vez e então eu reparei que ali fios de telefone. De gente nossa não podia ser, porque o sargento que eu estava procurando devia vir ali para se encontrar comigo, e a nossa posição que podia ter telefone era muito para diante.
“Foi ai que desconfiamos. Chamei os soldados para um lado e disse: ‘Olhe, pessoal, dentro dessa casa tem alemão. Nossa missão nesta patrulha não tem nada com isso: nós não saímos para fazer prisioneiros nem nada, mas eu acho que a gente deve atacar esses homens. Eles têm telefone lá embaixo e com certeza viram nosso movimento e já avisaram aos outros. Brasileiro não é que esta ai, porque senão, ouvindo nossa conversa, eles teriam dado sinal. Como é, vocês querem pegar esses homens?’ Os soldados ficaram calados, um momento, e um deles, o Jesuíno…
– Jesuíno de que?
-Jesuíno Vieira da Silva, soldado 4.079. O Jesuíno disse assim:
“O senhor é que dá a ordem. Se é para ir, a gente vai.” Eu fui, respondi: “Não, eu não estou dando ordem, estou perguntando se vocês topam.” Aí todos logo responderam que sim. “O que o senhor fizer está bem feito.”
“Então eu fiz o seguinte: Pus uns homens de vigilância em cada lado da casa”. A nossa FM ficou apontada para a porta, e o Silva foi abrir a porta. José Bueno Silva, soldado número 4.078. Eu fiquei apontando para a porta com a submetralhadora. O Silva, o senhor precisava ver a calma dele, pegou uma granada, tirou o grampo, abriu a porta com outra mão e gritou um negócio lá para dentro em alemão…
Ele é do Paraná, sabe umas coisas em alemão. Ele já ia jogando a granada, quando os alemães gritaram lá dentro e largaram as armas. Aí veio um e saiu, com os braços para cima. Depois veio mais outro. Eu só estava olhando, com a mão no gatilho, e o Silva prendendo o capacete da granada com a mão para ela não explodir.
“ Aí saiu outro, depois outro. Eu pensei assim: ai, ai, ai, está saído alemão demais aí dentro. E era cada bruto homem, uns cavalões! Mandei eles irem se encostando na parede com as mão para cima. Saiu outro, eram cinco. Nós também éramos cinco, e eu pensei assim: esses alemães podem fazer uma falseta com a gente. Resolvi voltar; mandei o italiano na frente ensinando o caminho e depois os alemães, e nós atrás, tudo correndo. Quando passamos naquela casa onde tinha os pombos, estava lá o sargento da 4ºcom uma patrulha grande. Eu gritei para ele que estava com aqueles prisioneiros e não podia conversar com ele, e que tomasse cuidado que tinha alemão por ali. Depois eu soube, porque esse sargento da 4º me contou: logo que nós saímos, apareceram uns alemães cercando a casa lá de cima. Se a gente bobeasse cinco minutos, estava mesmo perdido, porque os danados tinham telefonado no porão avisando. Outro dia nós voltamos lá e o Silva atirou uma granada de fuzil pela janela. Mas ainda tem alemão lá dentro daquela casa. Só sei que o pessoal até achou graça quando viu só cinco voltando com cinco prisioneiros. Nós tínhamos saído só para a patrulha de ligação…
Fonte: Crônicas da Guerra na Itália – Pag- 145
Rubem Braga