A saúde na Alemanha sob o nazismo
MARTIN GUMPERT (Extraído do “HEIL HUNGER”)
Dr. Martin Gumpert — médico alemão — é o antigo Chefe do Dispensário de Moléstias Deformantes, da cidade de Berlim.
A propaganda nazista proclama triunfalmente, como uma das maiores realizações da nova ordem de coisas, a proclamada saúde do povo alemão. Quase todos os de fora aceitam essa afirmação. Ouve-se constantemente: “Apesar dos pesares, Hitler transformou um povo degenerado e doente, numa nação sadia e vigorosa”.
Será isso verdade? Examinei recentemente os escritos científicos da Alemanha nazista, contando com a retidão tradicional dos estudiosos e sua inclinação pelas demonstrações impressas, maior do que qualquer censura. O resultado foi inaudito. Entre as monstruosidades da “Ciência Ariana”, encontram-se estatísticas e resultados de pesquisas, cujo caráter maléfico passou desapercebido ao Ministério da Propaganda.
Coligi uma lista enorme de estatísticas, todas vindas das autoridades nazistas e dos médicos e cientistas do Reich. A Alemanha de hoje, que vive sob a censura, pode provar a autenticidade destes dados, pois foram tomados exclusivamente de publicações não proibidas. (Dr. Gumpert faz 192 citações das suas fontes, como sejam, o Statistisches Jahrbuch für das Deutsche Reich, Wirtschaft und Statistik, Deutsche Arzteblatt, Deutsche Medizinische Wochenschrift, e outros similares.) Tais informações revelam a tragédia de uma nação que está decaindo fisicamente.
Por todos os lados da Alemanha, nos filmes, nas revistas ilustradas, nos espetáculos de massas de povo, nas conferências do Partido, a mocidade está sempre em primeiro plano. A propaganda nazi quer criar a impressão de que este é o novo espírito da Alemanha: — crianças sadias, felizes e entusiastas pela super-raça nórdica. Mas, aos olhos do médico, como aparecerá essa juventude?
O aumento de moléstias
Toda a gama de moléstias infecciosas infantis, assim como a escarlatina, a meningite cérebro-espinhal e a paralisia infantil, tomaram um incremento considerável. Os casos de escarlatina, em 1933, subiam a 79.830; em 1937, a 117.544. Em 1933 havia 77.340 casos de difteria; em 1937, 146.733. A mortalidade pela difteria subiu hoje para quatro vezes mais do que nos EE. UU. Entretanto a Alemanha, cujos cientistas deram ao mundo as injeções antitóxicas de difteria, já teve a mortalidade mais baixa do mundo inteiro.
O raquitismo (moléstia devida à deficiência de vitaminas), está hoje desaparecendo na maioria dos países, com os cuidados e alimentação apropriada. Mas na Alemanha o raquitismo cresce assustadoramente. Em Dortmund, 55% das crianças são raquíticas; em Munich, só 3,5% das que frequentam as escolas estão livres de seus sintomas.
Essas crianças pertencem às organizações políticas da juventude: à Jungvolk e à Hitlerjugend, desde a idade de seis anos. Aqui, a obrigação prematura das marchas longas e dos exercícios militares minam os órgãos de crescimento e contribuem para as enfermidades ósseas, que quase sempre começam pelo raquitismo. No seu “Experiências sobre a Chamada para o Alistamento de Saúde Juvenil Hitlerista de 1938”, o Dr. Maerz escreve: “O registro de deformidades do pé ultrapassam incrivelmente a nossa desagradável expectativa. Mais de 70% dos moços de ambos os sexos têm os pés torcidos, ou chatos. O número assustador de deformidades do pé, que impedem o nosso povo de trabalhar ou de se apresentar ao serviço militar, é sabido de todos os médicos.”
Entretanto, o ritmo marcial continua impiedoso. Aos 18 anos, a rapaziada da Hitlerjugend precisa dar um mínimo de seis meses de trabalho. Lemos a triste nota: “O Serviço de Trabalho assinala que 90% de seus homens sofrem de pés chatos e deformados. O Departamento de Saúde de Kiel, examinando a geração nascida entre 1912 e 1917, achou que só 12,6% não tinham defeitos. Estes dados ilustram melhor do que quaisquer palavras, as condições físicas pouco satisfatórias dos grupos juvenis.”
Quanto à saúde dos moços das Universidades, que provavelmente se encontram em situação econômica mais privilegiada, temos aqui uma nota publicada por um jornal médico, em 1939:
“Uma revisão de informações médicas feita nos últimos quatro anos, indica uma marcada deterioração física. No último ano, o aumento de moléstias de coração foi alarmante. O mesmo pode ser dito a respeito de casos provados de síncopes cardíacas. O número de estudantes incapacitados para fazer esportes, aumentou durante os últimos dois anos. Em 1935 o dos incapacitados para satisfazer à média de trabalho físico estava abaixo de 20%, mas hoje já atingiu quase 50%.”
Os operários das fábricas encontram-se em situação pior do que os conhecidos e malnutridos estudantes: “Encontros esportivos entre estudantes mais velhos e os jovens operários levam à conclusão de que a capacidade de trabalho dos estudantes é francamente superior. As demonstrações atléticas daqueles são fraquíssimas, nem mesmo 20% atingem a normalidade”.
Podemos explicar esta queda brusca da capacidade física da juventude, pelo fato de a política nazista exigir esforços superiores às forças da mocidade subdesenvolvida, e uma exaustão prematura na fase inicial do crescimento. O plano dos quatro anos, principalmente, que obrigou em 1936 à “Economia de Guerra”, causou um dano irremediável à saúde pública, pela super-exploração dos recursos humanos dentro do país.
Crianças à partir dos 10 anos já trabalham
O regime nazista revogou a lei proibindo o trabalho da criança. As crianças podem trabalhar desde a idade de 10 anos — o limite antigo era de 12 anos. Houve um incremento considerável de trabalho doméstico. É obrigatório frequentar as escolas até a idade de 14 anos; mas os nazis desobedecem a essa lei permitindo que as crianças comecem um ofício aos 13 anos, mesmo continuando a frequentar a escola. Trabalhadores com menos de 16 anos são permitidos nas fábricas de aço e nas fábricas de vidro. A porcentagem de mineiros na Ruhr, entre 14 e 20 anos, subiu de 8,55, em 1932, a 17,78 em 1937.
Os próprios operários veteranos acham o processo nazista muito duro. O dia de oito horas foi substituído pelo de dez e de quatorze horas de serviço continuado, e quase sempre há tempo suplementar e semanas de sete dias. A alimentação e o vestuário, os resguardos da saúde do povo, caíram em qualidade e aumentaram de preço, enquanto os salários continuam os mesmos. Resultado: as moléstias anotadas nos Bureaux de Seguros de Moléstias subiram 20.3% durante o período de 1933 a 1936. A frequência de moléstias entre os trabalhadores alemães em 1936, era três vezes maior que a do povo americano, incluindo-se crianças, velhos e inválidos. E, desde então, precisamos anotar uma ascensão de mais de 12,9%.
Isto significa que na Alemanha, em 1938, 200 milhões de dias de serviço foram perdidos. “O trabalhador alemão, homem ou mulher, em média, perde por mês mais de duas semanas de serviço, devido às moléstias”. O Bureau de Estatísticas informa que: “Os casos de incapacidade para o trabalho subiram de tal maneira que 700.000 trabalhadores estão constantemente fora de serviço. “Aparentemente o Dr. Robert Ley, chefe do Front de Trabalho, conseguiu pouco, lançando o seu ultimatum: ” E’ dever de cada alemão, conservar-se são.”
Há um aumento considerável no número de acidentes de trabalho, que subiu de acordo com o Bureau de Seguros contra Acidentes, a 1.789.000 em 1937 — com um aumento de 435.000 acidentes em dois anos. Esses resultados são explicados pelo aumento de tempo de trabalho, pela falta de protetores e pelo emprego de trabalhadores sem treino.
As Mulheres do Terceiro Reich
Estudemos agora o que acontece com as mulheres do Terceiro Reich. A princípio, um dos axiomas nazistas era que a mulher deveria abandonar as filas dos operários e voltar para dentro de sua casa; pois hoje ela precisa tomar sobre si os mais pesados trabalhos masculinos. Todas as mulheres solteiras, de menos de 25 anos, precisam fornecer um ano de trabalho no campo. O incremento do trabalho feminino é inaudito, tendo a Alemanha atingido, em poucos anos, a escala máxima do mundo. À percentagem de mulheres que trabalham é duas vezes maior que a dos EE. UU. Em 1937, em cada 4 empregados, uma era mulher; 600.000 mulheres casadas encontravam-se nas fábricas.
O futuro de uma nação depende da saúde de suas mulheres; e os médicos sabem, que os órgãos genitais de uma mulher sofrem com o trabalho industrial. Um encarregado da Secção de Mulheres no Front do Trabalho observou: “O Trabalho industrial para as mulheres casadas e para as mães é um perigo crescente para a Nação”.
O Aumento de Casos de Tuberculose
Não nos devemos surpreender que a tuberculose esteja crescendo, em contraste com os outros países. Todos os fatores sociais desfavoráveis, que espalham a tuberculose, são encontrados na Alemanha: o aumento do trabalho da mocidade, o aumento das horas de trabalho, a diminuição dos salários, a limitação de escolha dos alimentos. Existem na Alemanha, presentemente, 1.500.000 casos de infecção tuberculosa, dos quais 400.000 em estado adiantado.
Essa massa enorme de seres-humanos é indispensável nas industrias: de acordo com os plane*, chegou-se ao ponto de explorar o trabalho dos tuberculosos. “Um trabalho útil deve ser distribuído pelos doentes tuberculosos, não para simplesmente ocupá-los, mas num plano sistemático de trabalho estabelecido”. Qual o processo de escolha, aprendemos nesta afirmação terrificante: “Em primeiro lugar, um tuberculoso é ainda um homem apto para o trabalho.”
Os nazistas combatem a tuberculose à sua moda. O distrito de organização médica de Hanover, em fevereiro de 1939, explicou o sistema da seguinte maneira: “É necessário equipar o poder produtivo do tuberculoso pela integração apropriada ao Front do Trabalho. O princípio básico dos totalitários, no combate à moléstia, consiste em manter a capacidade de trabalho do tuberculoso, e na eliminação sumária de todos os tuberculosos antissociais”. Isto permanecerá como um documento clássico da ciência nazista. Desde que o poder de trabalho do tuberculoso é necessário, este precisa enquadrar-se no trabalho obrigatório das organizações políticas, e se se comporta “antissocialmente” — talvez tussa — precisará ser eliminado sumariamente.
A Má alimentação e disenteria
Na Alemanha de Hitler tem-se verificado uma alta impressionante nas moléstias causadas pela má alimentação: disenteria, envenenamentos por deterioração, febres tifoides ou paratifoides. A disenteria é desagradável, mas pode ser afastada pela regulamentação higiênica nos transportes de alimentos e seus cuidados; entretanto, aumentou de 300% sob o regime nazista. É causada, em parte, pela distribuição de carne inferior. Além disso, os depósitos gigantes para usos de guerra, são abertos ao público toda vez que há perigo de deterioração. Chegam reclamações de todos os lados contra a qualidade do alimento que, em geral, só em parte pode ser usado.
Não existe hoje na Alemanha a fome definitiva, como durante o bloqueio da Grande Guerra. Mas há um estado muito mais perigoso de subalimentação contínua e crônica.
Desde 1933 tem havido uma diminuição considerável quanto ao consumo de alimentos principais, como carne, gordura, ovos e batatas. Mais importantes ainda são certos imponderáveis que não se exprimem por meio de estatísticas: a baixa qualidade do alimento e a falsificação dos valores alimentícios, pelo uso constante de substitutos. O Yeast é preparado com madeira, o café é feito com aveia; a proteína de peixe é usada para assar, o óleo mineral para cozinhar e as frutas assadas e de conserva substituíram as frutas frescas e as verduras.
A falta de verduras frescas faz- se sentir sensivelmente. O consumo de verduras, entre os operários americanos é duas vezes maior que entre os alemães. Mais de 1.482.000 acres de terra útil foram requisitados para a construção de barracas, de aeródromos e de campos de concentração de militares. Esta terra, perdida para as fontes alimentícias do povo, excede em área, a todas as hortas reunidas do Reich Alemão.
Tabelas recentemente publicadas pelo Front do Trabalho revelam que a média de consumo por indivíduo era de 2.413 calorias diárias. Deu-se um decréscimo brusco nas matérias mais importantes como albuminas e carboidratos. Eis o que o Diretor de Higiene da Universidade de Marburg tem a dizer:
“O colapso prematuro da capacidade de trabalho e o invalidismo da mocidade, que infelizmente se observa entre tantos alemães, é devido, 60%, à sua má nutrição.”
O Alcoolismo desenfreado
Hitler não bebe: talvez se pense que a abstinência do Fuhrer tenha provocado uma baixa na fabricação do álcool, produzindo assim resultados benéficos na saúde nacional. Mas o álcool é o ópio nazista da Alemanha. Deu-se um acréscimo notável no consumo da cerveja, que antigamente chegava a 889 milhões de galões em 1932 e que em 1938 atingiu a 1.242 milhões. O aumento é todo em cerveja altamente alcoólica; a produção de cerveja fraca diminuiu muito. O consumo de Whisky e de vinho duplicou. Diz o Dr. J. Flaig: “Isto representa um uso enorme de alimentos e matérias-primas na produção de bebidas alcoólicas, numa época em que estamos longe da independência nos problemas alimentícios. E não somos tão ingênuos ao ponto de considerarmos a alta do consumo do álcool, como um índice de prosperidade; o alcoolismo provém muito mais da pobreza do que da riqueza.”
Alta nos Casos de Suicídio
O Terceiro Reich conseguiu a glória de atingir o primeiro lugar nas estatísticas de suicídios, outro barômetro da saúde. Na Alemanha de hoje, 4,1, em cada 10.000 habitantes, dispõem da própria vida, enquanto na América o número é de 1,4. O número de suicídios na Alemanha, hoje, quase iguala o total do resto da Europa.
Em resumo: após seis anos de “fortalecimento da nação”, regra nazista, a mortalidade geral subiu consideravelmente. 80.000 indivíduos a mais, morrem anualmente na nova Alemanha, do que na antiga. Este fato é ainda mais impressionante, porquanto nos últimos 14 anos, todos os outros países do mundo, com exceção da Colômbia, do Egito e da Grécia, revelam uma diminuição frisante na média da mortalidade. A mortalidade na Alemanha aumentou para todos os grupos, e mais especialmente para os indivíduos de 1 aos 15 anos e de 20 aos 45 anos.
A Saúde será Essencial na Guerra
Numa guerra “totalitária” o final será decidido pelo estado de saúde e pelas condições de resistência dos povos beligerantes. A Alemanha está hoje em dia nas condições de uma nação que tivesse levado a efeito uma guerra exaustiva de mais de seis anos. Como poderá a juventude alemã, cujo poder e capacidade de ação estão enfraquecidos, como poderá o povo alemão, subnutrido e contaminado de maneira assustadora pelas doenças, aguentar os ataques longos e tenazes de um inimigo em perfeita forma?
Recentemente, a publicação nazista “Monatshefte fur Soeialpolitik” teve a coragem de perguntar: “De que nos valerá aumentar o equipamento militar, se a capacidade física do nosso povo está tão reduzida que nos vemos na iminência de nos faltarem os recrutas necessários?” O aumento rápido de deformações físicas nos possíveis soldados é tremendo. Mesmo em 1935 e 1936 só 75% dos recrutas chamados estavam em condições para o serviço ativo. Em 1938, só 55% eram aceitáveis.
Os dados ingleses demonstram a diferença fundamental entre a exaurida mocidade alemã e uma população no pleno gozo de toda a sua capacidade física. Nos primeiros 19.000 chamados pela nova conscrição britânica, 93% foram aceitos e 84,5% foram considerados aptos para os trabalhos mais pesados do exército.
Esta documentação sobre a saúde alemã, extraída de publicações nazista, à disposição de qualquer um, demonstra claramente que a saúde no Terceiro Reich é uma mentira de propaganda. O nazismo não produziu a saúde, mas as moléstias. Os alemães atingiram o limite máximo de sua capacidade física e psíquica de trabalho. Se não se apresentar uma solução inesperada, a Alemanha deverá encarar a probabilidade de um colapso muito pior e muito maior do que o que se verificou em 1918.
Publicação Original de 1940
FONTE: GUMPERT, Martim. A saúde na Alemanha sob o nazismo. Hoje, São Paulo, n. 28, p. 47-53, mai. 1940.