Segue abaixo um texto de 1954 extraído não sei se da revista ou jornal “O Cruzeiro”. Esse texto faz parte de um grande arquivo de artigos antigos que iremos começar a postar a partir de hoje, esses artigos são matérias de jornais e revistas da década de 50, 60, 70, 80 e 90.
Ricardo Lavecchia
Somente agora se divulga como funcionou o serviço de espionagem e contra-espionagem brasileira no “front” da Itália — Capturados 17 espiões inimigos pelos homens do CIC brasileiro — A morte trágica do agente Pessoto — Episódios heróicos vividos pelos SS brasileiros.
Por ARLINDO SILVA
Foi em 1944. As tropas brasileiras — trinta mil homens — lutavam nos contrafortes dos Apeninos, debaixo da neve e do fogo da metralha dos nazifascistas. Alguns agentes do “Inteligence Service” norte-americano juntaram-se, então, às nossas forças, e ali permaneceram durante dias em observação. Queriam verificar se os “pracinhas” combatiam cercados de certas medidas de segurança, e se as colunas da FEB estavam livres do perigo da infiltração de espiões inimigos.
Após uma semana de sondagem, os homens do “Inteligence Service” retiraram-se, deixando com o Comando brasileiro as bases para formação de um corpo de espionagem e contraespionagem, que seria dirigido por brasileiros.
Esse serviço, que os americanos denominavam Connter Inteligence Center (CIC) deveria manter sempre “limpa” a linha de combate. Sua função era capturar espiões, suspeitos e colaboracionistas; prevenir sabotagens de toda espécie; examinar a correspondência apanhada nas mãos de refugiados e prisioneiros; evitar o saque de edifícios em instalações que pudessem ser úteis aos aliados; eliminar boatos de influência maléfica entre os nossos soldados; realizar patrulhas nas Unhas adversárias; promover propaganda dos aliados junto às trincheiras inimigas, concitando os soldados à rendição ou à deserção. O CIC deveria ser um “background” de segurança protegendo os expedicionários brasileiros no “front”.
O Tenente Ubirajara Dolacio Mendes, que falava, além do português, o italiano e o inglês, foi incumbido de organizar o CIC brasileiro. Submeteu dezenas de sargentos a testes, e entre eles selecionou seis, que revelaram capacidades para o serviço secreto. Três agentes italianos foram também incluídos, perfazendo o total de nove elementos, que receberam suas carteiras, com as quais tinham entrada livre em qualquer dependência do acampamento, ou em qualquer setor de combate.
No dia seguinte à seleção o Tenente Ubirajara convocou os novos agentes para uma lição. Eles deveriam conhecer a técnica, de se arrancar confissões de elementos suspeitos. Foram conduzidos para uma cela do Posto Central da Polícia Militar brasileira, onde estava detido um espião italiano, Angelo Luigi, diplomado pela escola de espionagem de Verona. Luigi foi interrogado durante horas seguidas, na presença de todos os agentes do CIC brasileiro, e confessou toda sua atividade nos “fronts” aliados na Itália. Ganhava do Governo nazista por mês nove mil liras, além de prémios, que variavam de 5 a 50 mil liras pelas boas informações que obtivesse.
Sua missão, nas linhas brasileiras, era verificar a quantidade e a espécie de tanques que os americanos haviam lançado naquele setor; o estado de ânimo dos pracinhas; número de soldados em ação; quantidade e tipo de armas empregadas, etc. Fora preso quando dera a senha, “Tenente Bruno”, pois, naquele dia, a senha era “Tenente Rui”…
A equipe dos S. S. brasileiros começou a trabalhar diariamente, centenas de prisioneiros e refugiados, que atravessavam o “front”, muitas vezes debaixo de granadas e bombardeios, eram interrogados. Certa vez, o Agente Geraldo Batista de Araújo aprisionou uma mulher, que ao cruzar a linha de frente, deu à luz. Quando foi interrogada, a criança estava morta, atingida por estilhaços de bomba.
Outra do mesmo agente ao indagar de uma bela jovem italiana, quem era seu pai, a moça respondeu que não sabia. Supunha ser filha de algum soldado nazista, que havia passado pela região. Com esse processo de interrogatórios, além de patrulhas volantes e diligências em edifícios suspeitos, os agentes brasileiros conseguiram aprisionar 17 espiões nazistas e fascistas.
Todos eles haviam feito curso em famosas escolas de espionagem da Alemanha e Itália, como a “Unidade IDA”, de Parma; o Curso de Exploratori Tattici, de Verona; a SD de Bolonha; a “Dienstele Car-men”, de Bergamo, que formava espiões paraquedistas; a Décima Flotilha MAS, de onde saíram os famosos homens-rãs, especializados em operações subaquáticas e que utilizavam submarinos de bolso, com os quais afundaram muitos navios aliados no Mediterrâneo.
Essas escolas haviam sido organizadas pelo Almirante alemão Wilhelm Canaris, considerado o maior espião e organizador de espionagem de todos os tempos. Outros agentes capturados pêlos SS brasileiros faziam parte da famigerada “Brigata Nera”, criada por Mussolini. Alguns desses espiões foram presos quando já se encontravam em ação dentro das linhas da FEB.
Dramática e cómica ao mesmo tempo foi a prisão do espião italiano Fossí Tomaso, pelo SS Geraldo Batista de Araújo. Tomaso era um velho, com 32 furos de balas por todo o corpo, cego da vista direita (com olho de vidro), coxo de uma perna, com enorme orifício de bala no céu da boca. Em vez de agente secreto parecia um molambo humano. Interrogado, a princípio negou sua atividade em favor dos nazistas, e chegou á manifestar-se magoado com a desconfiança dos brasileiros sobre ele.
Alguns oficiais da FEB, que assistiam ao interrogatório chegaram a pedir ao agente Geraldo Batista que abandonasse o pobre homem, pois ele tinha aparência de tudo, menos de espião. Mas o SS brasileiro possuía razões para desconfiar dele e continuou pressionando-o. Ao fim de cinco horas, Fossi Tomaso confessou-se agente nazista, fixo dentro das linhas brasileiras. Em seu poder foi encontrado um mapa da região onde operava a FEB, além de dois livros de anotações em código, sobre os planos e atividades das tropas aliadas ao longo do Rio Pó.
Os homens do CIC brasileiro faziam, às vezes, profundas incursões dentro das linhas inimigas, para descobrir planos e observar posições e movimentos de tropas. Umas dessas vezes entraram tanto em território inimigo, que se viram cercados, e conseguiram escapar de “jeep” por milagre. Numa dessas patrulhas avançadas teve morte trágica o agente José Pessoto Sobrinho.
Foi atingido por uma granada quando, em companhia do SS italiano Siracusa Salvatori, aguardava de tocaia a passagem de um espião nazista, que deveria atravessar das linhas da FEB para o lado inimigo, já de posse de importantes informações. Com a explosão da granada, Pessoto foi atirado num abismo.
Fragmentos do vidro de seus óculos perfuraram-lhe os olhos Pessoto morreu no dia seguinte. Antes, pediu ao seu colega Geraldo Batista, que, quando retornasse ao Brasil, visitasse sua família em Lameira, Estado de São Paulo, e confortasse seus pais e a esposa.
O Comando da FEB comunicou oficialmente à família o desaparecimento de Pessoto, e um ano mais tarde, quando a guerra terminou, Geraldo Batista, retornando ao Brasil, procurou a família do companheiro morto. A esposa deste, não resistindo à dor moral do trágico fim do marido, ficou tuberculosa. Pessoto era valente como um leão. Consideravam-no o melhor agente do CIC brasileiro. Morreu como um bravo, dentro do terreno inimigo.
Outro feito que merece menção foi o aprisionamento do agente Delle Piani Luigi pelo SS. Geraldo Batista. Quando este o interrogava, no cárcere da Polícia Militar brasileira, caiu próximo dali uma bomba, interrompendo as instalações elétricas. O interrogatório prosseguiu, sob a luz de um “flashlight”, e nessas condições o agente inimigo desenhou a tinta, um mapa do centro da cidade de Milão, onde, no “Bar Biffi”, os espiões recebiam instruções do chefe, certo Dr. Del Mazza.
Uma das primeiras unidades militares estrangeiras a penetrar na cidade de Zocca era composta dos agentes brasileiros Otto, Arlindo, Bornhauser e Geraldo Batista, que foram “limpar” o terreno para a chegada das tropas da FEB. A mesma patrulha foi, igualmente, uma das primeiras a entrar na cidade de Vignola, onde foram feitos cerca de 40 prisioneiros alemães.
Nessas penetrações os “partiggiani”, muitas vezes, auxiliaram os agentes brasileiros, indicando o paradeiro de elementos suspeitos ou “informadores” inimigos. Para os “partiggiani” os traidores da pátria — os quinta-colunistas — só mereciam um castigo: o fuzilamento. Frequentemente os brasileiros encontravam homens e mulheres colaboracionistas, mortos pelo exército subterrâneo da Itália.
Os bravos “partiggiani” prenderam, por exemplo, o jornalista fascista Vittori Querel, que publicara, no periódico “La Stampa”, de Turim, um artigo sob o título “Mercenários sobre os Apeninos”, no qual afirmava que entrevistara muitos brasileiros desertores, e se referia, em termos injuriosos e ofensivos à Força Expedicionária.
Dizia que os pracinhas, acovardados, jogavam fora suas armas e se escondiam nos bosques e montes, à espera que os nazistas viessem buscá-los. De Veneza, onde estava detido, esse jornalista foi conduzido para Alessandria e, interrogado por um agente do CIC brasileiro, confessou que era Oficial da Guarda Nacional Republicana, de Mussolini era como correspondente de guerra fazia propaganda antibrasileira.
Pediu mil desculpas pelas injúrias assacadas contra os soldados do Brasil, revelando que sentia admiração pelos rapazes da FEB, que tinham ido de um clima tropical lutar no gelo dos Apeninos…
A contrapropaganda foi largamente usada pelos homens do CIC brasileiro na linha de combate. Colocavam, dentro de granadas com pólvora, folhetos e salvo-condutos, convidando os soldados inimigos a bandearem para o nosso lado. Os folhetos explicavam por que os soldados brasileiros tinham atravessado o Atlântico para ir lutar contra a Alemanha e Itália.
Os alto-falantes eram colocados, na calada da noite, junto às trincheiras inimigas (às vezes, a cem metros de distância apenas) e ligados para irradiar mensagens de propaganda aliada. Para finalizar, deseja o autor destas notas transmitir às autoridades militares o apelo de amigos do ex-agente Jorge Bonini, que está num leito de hospital, nas Agulhas Negras, vítima da tuberculose — para que lhe deem a reforma a que tem legitimamente direito como herói, que é, da batalha silenciosa da contraespionagem no “front” da Itália.
Fonte: O Cruzeiro – 17/07/1954
Matéria de Arlindo Silva
Meu falecido pai Cabo João Pio Ferraz era muito amigo do Sargento Pessoto no 6º de Infantaria de Caçapava antes das tropas irem a Itália na 2ª Grande Guerra, tinha meu pai fotos do 6º de Caçapava e muitas saudades principalmente do Pessoto como ele o chamava carinhosamente. Inclusive antes do embarque de seu amigo fizeram eles um trato de aviso quando um deles fosse morto. Meu pai foi dispensado e Pessoto seguiu para a Itália, onde veio a morrer, e meu pai foi acordado em uma noite de sono por seu amigo que lhe prestou continência, o dia seguinte ele teve a noticia da morte de Pessoto, era uma história que ele me contava sempre antes de falecer.
Um comentário sobre um comentário: também eu ouvi a historia que João Pio Ferraz Filho contou acima , muitas vezes, de minha avó já falecida e de meu pai. Minha avó conhecia desde moça o Cabo Jão Pio Ferraz, de quem era comadre. Muita coincidência eu ter vindo para nesta página, e ler este caso, contado assim…
Gostaria que a ABIN tivesse o mesmo brilhantismo,pois acho que ela tem um papel muito burocrático,acredito que o ss brasileiro até o antigo SNI, fazem falta a nossa estrutura de informações estratégicas frente a nossos concorrentes mundiais.