Durante mais de quatro anos, os S-Boote, pequenas embarcações rápidas da marinha alemã, fizeram do Canal da Mancha um cenário de guerra implacável contra os Aliados. Em 1944, esses barcos, armados com torpedos e canhões, conduziram uma campanha de desgaste que custou caro às forças aliadas, afundando navios, destruindo comboios e ceifando vidas até serem forçados a abandonar os portos franceses em setembro. Foi um confronto marcado por perdas pesadas dos dois lados, com os S-Boote mostrando sua capacidade de ataque até o limite.
O ano começou com os S-Boote em plena atividade. Em janeiro, operando em flotilhas como a 1ª, 2ª, 4ª e 5ª, eles partiram para o ataque na costa do Canal. No dia 23, um comboio aliado foi alvo de torpedos que atingiram três destróieres britânicos: o HMS Limbourne, o HMS Stevenstone e o HMS Talybont. No dia 25, outro golpe: o HMS Hardy foi afundado. Fevereiro trouxe mais destruição. No dia 20, o HMS Warwick caiu sob os torpedos alemães, seguido pelo HMS Mahratta no dia 25. Esses ataques revelavam a estratégia dos S-Boote: explorar a velocidade — até 44 nós nos modelos S-100 — e o elemento surpresa para atingir comboios mal protegidos.
Os Aliados reagiram, mas o custo foi alto. Ao longo de 1944, conseguiram destruir 46 S-Boote em operações: 22 da 1ª Flotilha, 4 da 2ª, 5 da 3ª, 8 da 4ª e 7 da 5ª. Cada vitória, porém, vinha acompanhada de perdas significativas. Em 12 de junho, o HMS Grove foi afundado perto da costa do Canal. Em 27 de agosto, o HMS Britomart caiu próximo a Portsmouth. Em 14 de dezembro, o HMS Aldenham foi destruído, um dos últimos grandes alvos dos S-Boote antes de sua retirada. Esses números mostram o impacto da campanha alemã: dezenas de navios aliados perdidos, centenas de tripulantes mortos.
A estrutura dos S-Boote ajudava nessa eficácia. Tripulados por equipes pequenas — geralmente cinco homens —, eles carregavam torpedos como o Flak Orlikon-Marine, de duas toneladas, além de canhões de 20 mm e, em alguns casos, uma peça antiaérea de 3,7 cm instalada em 1944 em barcos como o S-38, S-100 e S-151. Embora essas armas maiores não tenham sido usadas em combate, o armamento padrão já era suficiente para causar estragos. Os S-Boote operavam em pares, chamados de “Rotten”, para maximizar os danos, disparando salvas de torpedos e fugindo em alta velocidade.
Um dos episódios mais devastadores ocorreu em abril, durante o Exercício Tiger, um ensaio para o Dia D na costa sul da Inglaterra. Na madrugada de 28 de abril, S-Boote da 5ª Flotilha, liderados pelo capitão Karl Müller, infiltraram-se na área de treinamento perto de Slapton Sands, Devon. Dois LSTs (navios de desembarque de tanques) foram afundados, e outros sofreram danos graves. O saldo: 749 militares americanos mortos, um dos piores desastres para os EUA na guerra europeia. O tenente James Murdock, oficial executivo do LST-511, descreveu o caos: “Estávamos no lado direito do comboio quando eles vieram pelo esquerdo. Não houve aviso. O LST-507 afundou em minutos, e o LST-531 ficou em pedaços. Sobrevivemos por sorte.” O ataque pegou os Aliados desprevenidos, apesar da presença de escoltas.
A ameaça persistiu até o Dia D. Na noite de 5 para 6 de junho, enquanto a Operação Overlord começava, os S-Boote atacaram um comboio perto da Normandia. O destróier americano USS Corry foi afundado ao largo de Utah Beach, e o USS Fitch sofreu danos. Centenas de vidas aliadas foram perdidas, um lembrete do perigo mesmo em meio à maior invasão anfíbia da história. Os S-100, fabricados em massa — 81 unidades construídas entre Lürssen e Schlichting —, estavam entre os mais ativos, equipados com um canhão Bofors de 40 mm e três de 20 mm.
Os Aliados, porém, tinham superioridade crescente. Aviões da RAF Coastal Command e da Fleet Air Arm, junto com destróieres e MTBs (lanchas torpedeiras), começaram a caçar os S-Boote. Em 5 de fevereiro, os S-91 e S-92 foram incendiados por forças aliadas e levados de volta à Alemanha para sucata. Em julho, combates intensos marcaram o declínio alemão. Na noite de 2 para 3, oito S-Boote afundaram o navio mercante Bootle, mas foram perseguidos por destróieres aliados até Dieppe. Entre 14 e 15 de julho, três barcos da 5ª Flotilha atacaram um comboio perto de Dungeness, afundando três mercantes, mas dois S-Boote foram destruídos, com 26 tripulantes mortos e 17 capturados.
Agosto trouxe mais pressão. Com a Operação Dragoon, o desembarque aliado no sul da França em 15 de agosto, os S-Boote estavam acuados. Das flotilhas 2ª, 6ª, 8ª, 9ª e 10ª, apenas 33 barcos restavam, sendo 18 operacionais. Na noite de 24 para 25, o S-91 foi atingido por um destróier britânico e abandonado em chamas. Em 29 de agosto, Le Havre foi evacuado, e 19 navios alemães fugiram para Fécamp sob escolta da 8ª Flotilha, minando o porto na saída. Boulogne resistiu até 4 de setembro, quando a 10ª Flotilha, com seis S-Boote, partiu como última unidade, também minando o acesso. Sob fogo de artilharia costeira britânica, o S-184 foi afundado, e os sobreviventes rumaram para Amsterdã e Ijmuiden. Era o fim de sua presença no Canal, iniciada em 1940.
Os S-Boote deixaram um legado de destruição e resistência. Seus tripulantes, muitos condecorados com a Schnellbootkriegsabzeichen após 12 missões, mostraram disciplina e ousadia. Em 26 de abril, o S-112, da 5ª Flotilha, foi danificado ao sudeste da Ilha de Wight, mas ainda afundou navios aliados antes de sucumbir. O S-130, capturado em 1945, hoje está no Museu da Marinha Real em Portsmouth, um raro sobrevivente de uma frota quase extinta.
O custo foi imenso. Os Aliados perderam dezenas de navios — de destróieres como o HMS Eskdale, afundado em 14 de abril de 1943, a mercantes como o Iddesleigh, atingido por um torpedo Dackel em 9 de agosto de 1944 e afundado dias depois. Os alemães, por sua vez, viram suas flotilhas reduzidas a destroços, seus portos tomados e sua capacidade de luta esgotada. Em outubro, ataques aéreos aliados contra bases em Le Havre e na Noruega selaram o destino dos S-Boote remanescentes.
No Canal da Mancha, 1944 foi um ano de batalhas brutais. Os S-Boote, com sua velocidade e poder de fogo, foram uma ameaça constante, mas o domínio aliado — no ar, no mar e em terra — acabou prevalecendo. O que resta é a memória de uma guerra que não poupou vidas nem recursos, registrada em placas como a de Slapton Sands, que homenageia os 1.200 mortos do Exercício Tiger, e em relíquias como o S-130, testemunhas de um conflito sem trégua.