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A Seleção Médica para a FEB

Sob o Decreto nº 10.451, de 16 de setembro de 1942, começa a mobilização geral. Com decisão da participação do Exército Brasileiro nas operações de guerra e a organização de uma Força Expedicionária, foram criadas Juntas Médicas de Seleção, em 1943.

A função destas juntas era selecionar o efetivo sob o ponto de vista médico.

O serviço dessas juntas causou um mal-estar em relação á moral do brasileiro. Conforme ia se dando a seleção dos jovens, o número de incapacitação era surpreendente.

Muitas conclusões precipitadas e de mau gosto foram tiradas do perfil do homem brasileiro, refletindo no compartilhamento das ideias nazista da existência de uma raça superior. O brasileiro passou a ser visto como uma “sub raça”.

As reações frente a este fato variaram. Alguns votavam em pró do relaxamento dos critérios de seleção, outros pediam o retardamento do envio das tropas para a Europa.

A Diretoria de Saúde mantinha-se fiel aos critérios aprovados. Previa que a mudança nos critérios de seleção médica causaria reflexos negativos na moral da tropa.

Porém não houve argumentos convincentes às autoridades dos escalões superiores e o Serviço de Saúde recebeu ordem para modificar os índices e procedimentos.

A rigorosa seleção médica dos efetivos destinados a compor a FEB foi um dos pontos marcantes na mobilização do Exército na Segunda Guerra Mundial.

Os índices elevados resultaram num alto número de incapacitados, não apenas no Brasil, mas também em outros países, inclusive nos Estados Unidos.

Lista de Oficiais Brasileiros estagiários nos EUA

De acordo com a revista “The Nation”, de 22 de julho de 1944, dos 16 milhões de estadunidenses selecionados, mais de 4 milhões foram dado com incapaz devido deficiências físicas ou mentais; 80% dos convocados possuíam alguma deficiência.

Diante da decisão da entrada do Brasil na Segunda Guerra, o Estado-maior do Exército, determinou à Diretoria de Saúde a elaboração de instruções voltadas à  seleção médica dos efetivos que iriam ser mobilizados.

Fato que indica a desconsideração das normas vigentes até então, pelo Estado Maior. Impunham-se novos critérios, novos índices.

Em 3 meses deveriam seriam selecionados cerca de 60.000 homens,  sob as condições exigidas para integrarem a Força Expedicionária Brasileira.

Calculava-se que para isso precisariam ser convocados 200.000 homens para a seleção médica em todas as Regiões Militares do território nacional. As previsões não aconteceram. O efetivo convocado para seleção foi diminuído e o prazo aumentado.

Os efetivos a serem selecionados eram grandes e dispersos por todo o território nacional, contando com poucos recursos materiais, complicados meios de comunicações e um número insuficiente de médicos.

Não havia médicos na reserva que pudessem ser convocados.

Por decisão do General Souza Ferreira, o então Diretor de Saúde, em todas as Juntas, a rotina estadunidense, adaptada ao Exército Brasileiro.

Continua: A Seleção Médica da FEB – Parte II

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Os Quesitos de Seleção

O Tenente-Coronel Xavier Airosa ficou incumbido de organizar a comissão para estabelecer os critérios e o perfil do homem desejado para compor as tropas da Força Expedicionária Brasileira.

O homem desejado deveria possuir vigor físico, equilíbrio emocional e mental, e um mínimo de desenvolvimento intelectual com certa maturidade.

Para estadunidenses, um soldado poderia ter apenas 6 anos de idade mental. As estatísticas alemãs e estadunidenses relativas à Primeira Guerra Mundial, indicaram que 30% dos oficiais e 15% dos praças desligados por problemas psiquiátricos, 95% já tinhas tais problemas antes de entrarem nas batalhas.

A comissão brasileira planeou para que os homens fossem submetidos a uma série de provas e exames:

  • Inspeção de saúde por vários médicos de diversas especialidades;
  • Verificação da capacidade intelectual, a idade mental e o grau de desenvolvimento da inteligência;
  • Observação do homem durante o período de treinamento, nas unidades, visando obter dados sobre o condicionamento físico e mental.

Estatísticas da época mostravam que 85% dos distúrbios mentais não eram detectados numa primeira seleção. Para a execução do planejamento era preciso preparar o dispositivo e assim foi feito:

  • mobilizar médicos de várias especialidades;
  • elaborar os testes de coeficiente mental e de inteligência;
  • elaboração de testes de capacitação intelectual;
  • elaboração de normas de acompanhamento;
  • constituição da Juntas Médicas de Seleção;
  • adaptação das Formações Sanitárias Regimentais, para funcionarem como Juntas;
  • construção de barracas de madeira onde funcionariam as Juntas Médicas;
  • estabelecer o Quadros de Dotação para Juntas de 2 horas e Juntas de 12 horas.

As barracas de madeira não foram construídas. Tampouco as Juntas Médicas funcionaram em locais ideais. No Rio de Janeiro, funcionou na Policlínica Central do Exército (atual Policlínica Militar do Rio de Janeiro), a melhor das instalações.

As necessidades de pessoal também não foram conseguidas em quantidade e qualidade desejáveis.

QUADRO DE DOTAÇÃO

QUALIFICAÇÃOJMS/2hJMS/12h
Médico Militar36
Médico civil21126
Dentista212
Doutorando636
Sargento1122
Cabo816
Soldado612
Serventes civis316
TOTAL60246

Todo esse planejamento foi inviável para a realidade da época. De onde viria todo esse pessoal? Apelar para a reserva era a solução.

Em todo o Brasil haviam 2000 médicos relacionados na Diretoria de Saúde. Foi remetida uma carta convite para 173 médicos, dos quais 20 não responderam ao chamado.

Aos 143 médicos reunidos na Diretoria de Saúde, apresentou-se um termo de compromisso, buscando tocar no patriotismo dos mesmos. Somente 133 foram patriotas e assinaram o termo.

Apelando-se, através do Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, nenhum doutorando manifestou-se.

Porque não houve convocação compulsória dessas pessoas é um fato sem explicação até o momento. Os trabalhos passaram para a conta dos médicos militares e alguns poucos civis.

AS FICHAS MÉDICAS

No Rio de Janeiro, além da Junta médica de Saúde 1 (JMS/1), da Policlínica Central do Exército, foram instituídas outras duas: a JMS/2 na Vila Militar e a JMS/3 na Escola de Educação Física do Exército, na Urca.

Estabeleceu-se a estas, um ritmo de 30 homens/hora. Após a estruturação das Juntas, elaborou-se uma Ficha Individual baseada nas fichas estadunidenses, onde se anexava uma folha com os dados do exame psiquiátrico. Tal folha causou polêmica e foi abandonada, já que muitos homens consideravam-se ofendidos diante de certas perguntas ou o tipo de exame. A masculinidade era posta em questão e suas intimidades invadidas.

O exame proctológico provocou embaraços e diversos homens não permitiam ser examinados. Os exames ginecológicos causaram o mesmo impacto quando na seleção das enfermeiras.

Findos os exames, a ficha era avaliada por um médico militar, encarregado da avaliação física. O exame psicológico precedia o exame físico. Diante dos fatos, diante da realidade, foram estabelecidas normas para o preenchimento destas fichas.


A CLASSIFICAÇÃO DO HOMEM

Depois de identificados, examinados pelos médicos e dentistas, entrevistados e submetidos aos testes, os homens eram classificados em 4 grupos:

Apto Especial (E)
Apresentando todos os requisitos de aptidão;
– Mínimo de 1,60m de altura para oficiais e 1,55m para praças;
– Peso compatível;
– Visão sem correção;
– Equilíbrio emocional e mental;
– Idade mental de 10 anos.

Apto Normal (N)
Dentro da normalidade, porém sem exigência de critérios rígidos de visão, altura e peso

Incapaz Temporariamente (T)
Portadores de doenças, afecções ou síndromes suscetíveis de tratamento e recuperação a curto prazo.

Incapaz Definitivo (D)
Portadores de doenças, afecções, síndromes que incapacitassem conforme as Instruções Reguladoras, das Isenções, Baixa ou Reformas.

Conforme a categoria, o homem recebia o seu destino determinado:

  • Tipo E – destinado a Força Expedicionária Brasileira
  • Tipo N – destinado a outras organizações militares:
  • Tipo T – deveria retornar em 30 dias para novo exame;
  • Tipo D – incapacitado para o Serviço Militar.

Para a Força Expedicionária Brasileira somente o Tipo E. Aos praças classificados como Tipo N, passou haver uma tolerância, a critério dos comandantes das Grandes Unidades, devido a carência de algumas qualificações militares.

Eram consideradas críticas as qualificações de: motorista, radiotelegrafista, datilógrafo, cozinheiro, telemetrista, atendente e desenhistas.

 

As Juntas Médicas de Seleção foram instaladas algumas Regiões Militares. Em todas elas houve diversas improvisações. Em algumas não havia médico em número suficiente.

Os responsáveis pela apresentação dos convocados, nem sempre cumpriam com os horários previstos. Com frequência o efetivo numérico não era o estipulado. Outras vezes mais de um grupo se apresentavam ao mesmo tempo, tumultuando os trabalhos.

Homens se apresentavam sem cueca ou calção (fato comum na época, na área rural), quando em alguns locais os exames eram feitos ao ar livre em área de campo aberto.

Na 1ª Região Militar foi criada uma Junta de Revisão, sob controle direto do General Souza Ferreira. Tal Junta revisava os casos onde houvesse alguma dúvida, quanto a capacidade ou incapacidade.

Essa unidade era ilegal, não era prevista nas normas ou instruções em vigor. Mais tarde outras Juntas de Revisão foram criadas também em demais Regiões. Tornou-se uma necessidade.

O Diretor do Hospital Central do Exército, na época, devolvia todos os homens para lá encaminhados alegando “desconhecer a existência de tal Junta.”

As dúvidas surgiam resultaram numa volumosa correspondência que o Capitão Paiva Gonçalves respondia. O mesmo capitão elaborou e remeteu para os presidentes das Juntas, uma carta particular.

Esta carta esclarecia os pontos principais e as dúvidas e erros mais comuns. Algumas das explicações constantes deste documento foram:

  • o sistema adotado tinha como base o Exército estadunidense;
  • a confusão inicial foi devida, em parte, aos locais de funcionamento improvisados, aos prazos determinados e a carência de médicos;
  • os problemas odontológicos seriam resolvidos nos Centros Odontológicos (que não foram criados);
  • os exames psicológicos não eram feitos porque o Professor Ombredanne não havia entregado os testes;
  • os exames psiquiátricos deveriam ser aplicados de modo indireto.

A carta recomendava, também, que os médicos lessem as instruções publicadas no Boletim nº18-E. Os Centros Odontológicos ficaram apenas no papel por falta de equipamento e não de dentistas disponíveis.

As respostas a esta carta são interessantes e demonstram as dificuldades enfrentadas, pelas deficiências de instalação, da falta de material e de pessoal e ainda a falta de experiência dos médicos civis.

Esta correspondência paralela permaneceu até o fim dos trabalhos das Juntas. Os resultados granjeados durante os trabalhos das Juntas Médicas demonstraram que algumas alterações precisam ser feitas nas instruções constantes do Boletim nº18-E, de 23 de outubro de 1943.

As alterações foram realizadas, nos índices e critérios a serem observados e também no fluxo da seleção e escrituração dos resultados.

Nos critérios e índices foram propostas as tolerâncias à visão e audição, para serem classificados como Tipo-E.

No caso dos oficiais, a tolerância foi maior, porém o uso de óculos foi exigido nos casos de deficiências. Houve aumento de tolerância quanto ao uso de dentadura e a possibilidade de tratamento em curto prazo foi considerada.

A incapacitação temporária passou a ser concedida aos recuperáveis até 20 dias. A incapacidade definitiva passou a ser decidido pelo Presidente da Junta.

Os aptos, com altura inferior a 1,60m e aqueles classificados na categoria N poderiam ser aproveitados como Tipo-E e designados para a Força Expedicionária.

Equipes móveis de médicos militares atendiam as Juntas das guarnições do interior, onde havia precariedade de médicos ou de certa especialidade.

As comissões de revisão das fichas de seleção simplificaram o trabalho, dando mais autoridade ao Presidente da Comissão.

As alterações mais significativas foram as Instruções aprovadas pelo Ministro da Guerra, em 29 de fevereiro de 1944, que permitiu incluir na Força Expedicionária Brasileira, todos os aptos, oficiais e praças, desconsiderando se era do tipo E ou N.

O trabalho de seleção médica para a FEB foi difícil, não apenas por haver deficiências de instalações, de material e de pessoal, mas também devida a falta cooperação de alguns militares que encaravam com seriedade o que faziam.

O fato de seguirem índices e coeficientes estadunidenses foi um erro que não seria repetido atualmente. O homem brasileiro é diferente em seu biótipo em relação aos estadunidenses.

Sobre Andre Almeida

Ex-militar do exército, psicólogo e desenvolvedor na área de TI.Sou um entusiasta acerca da Segunda Guerra Mundial e criei o site em 2008, sob a expectativa de ilustrar que todo evento humano possui algo a ser refletido e aprendido.

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