Defesa Passiva Antiaérea Durante a Segunda Guerra Mundial
Defesa Passiva Antiaérea Durante a Segunda Guerra Mundial

Defesa Passiva Antiaérea Durante a Segunda Guerra Mundial

Relatos e histórias de uma veterana

Existem relatos históricos contundentes, heroicos e emocionantes, que não chegam ao conhecimento da população em geral.

Este é o caso da participação das mulheres brasileiras no esforço de guerra e também diretamente em ações de defesa em tempos de guerra.

O site Ecos da Segunda Guerra, aborda este assunto, que para muitos é uma total novidade, e que de certa forma, foi esquecido pela historiografia oficial brasileira, que é a ação das mulheres brasileiras durante a segunda guerra mundial.

Neste trabalho de mineração jornalística, encontramos uma das poucas remanescentes deste período glorioso, uma Veterana da Segunda Guerra, que atuou na Defesa Passiva Antiaérea, hoje com 97 anos.

É através das memórias relatadas por Ruth Pereira Karbstein, que desenvolveremos nossa reportagem, com citações das fontes históricas pesquisadas.

 

O Front Interno

A Segunda Guerra estava acontecendo na Europa e o Brasil estava tentando se manter neutro.

Entretanto, as potencias do eixo e as aliadas, estavam cada vez mais, pressionando o Brasil, a entrar no conflito.

O clima era de apreensão e medo.

Estávamos longe da guerra, mas poderíamos ser envolvidos a qualquer momento e as consequências seriam imprevisíveis.

Em maio de 1942, Getúlio Vargas criou a Defesa Passiva Antiaérea, através do Decreto-Lei 4.098 de 13/maio/42.

O governo já estava se preparando para entrar no conflito. Enfim, em 22 de agosto de 42, o Brasil declarou “estado de beligerância” contra os alemães.

Dias antes o submarino alemão U 507 afundara seis navios mercantes brasileiros em mares nacionais.

Em janeiro de 42, o Brasil já havia rompido relações com o Eixo.

A população das grandes cidades acompanhava os relatórios de guerra, através do rádio e dos jornais.

O clima era de tensão. O sentimento de nacionalismo e de defesa da pátria, permeava entre a população civil.

O alarmismo ante possível ataque inimigo ganhava espaço.

Era hora de fazer alguma coisa.

Era hora de se mobilizar.

Com a criação da Defesa Passiva Antiaérea, pretendia-se salvaguardar de possíveis bombardeios nas cidades.

A Aeronáutica havia sido criada em janeiro de 41, mas o Brasil não possuía defesas aéreas suficientes para impedir um ataque.

O litoral brasileiro e as grandes cidades, foram declaradas “Zonas de Guerra”, pelo Decreto 10,049-A de 25 de setembro de 42.

O país estava se mobilizando para guerrear.

A população sabia que seriam tempos difíceis.

Estabeleceu-se então, o “front interno”.

A cidade de São Paulo era declarada “zona de guerra”.

 

As Guardiãs de São Paulo

“-Se tivesse um conflito aqui na capital, o que íamos fazer? Nos esconder e deixar a população aflita?” 

(Ruth P. Karbstein – Livro “Diversos Olhares da Guerra “ p. 79 – Kelly Nagaoka Ed. Zenex)

 

Ruth Pereira Karbstein

Ruth Karbstein tinha 18 anos e sua mãe era muito amiga de Adhemar de Barros, ex-Interventor Federal e que tinha muita influencia à época.

“-Foi através da esposa dele, que consegui me engajar nas fileiras da Defesa Passiva Antiaérea, subordinada à 4ª Zona Aérea”,

conta Ruth .

-“Tínhamos que comprar todo o fardamento e recebíamos as instruções militares em uma instalação muito grande, nos baixos do Viaduto do Chá; o Tenente Jurucey era quem dava as instruções. Havia o Tenente Levy, Tenente Tolosa, Tenente Paulo de Souza Sandoval, Tenente Carlos Kehdi dentre outros, o General Mauricio Cardoso era do Quartel General na Rua Conselheiro Crispiniano. Chegávamos cedinho e fazíamos ordem unida, tínhamos instruções militares em educação física, resgate de feridos, transposição de obstáculos, subir e descer de cordas, combate a incêndios, sobrevivência em ataques químicos, sobrevivência em ataques por bombas, classificação de aeronaves pelo ruído dos motores, policiamento de trânsito, etc )”

Ruth logo se envolveu com as ações militares de defesa. Faziam curso de primeiros socorros, sobrevivência a gazes, bombardeios, alerta geral, blackout.

“-Eu logo comecei a trabalhar na “CR” Centro de Recrutamento, fazendo a classificação de reservistas que iriam à guerra. Tínhamos instruções de “blackout”, que eram ordens para que todas as luzes das casas da cidade se apagassem, durante a noite, para confundir os aviadores inimigos, em caso de ataque. Meu número de engajamento era 1.100. Eu pertencia ao Terceiro Batalhão da OFAG.”

A formação da Defesa Passiva Antiaérea, baseou-se em militares no comando e voluntários na execução.

O engajamento de voluntários era noticiado em jornais, panfletos e no rádio.

As voluntárias logo se apresentavam na sede da LBA Legião Brasileira de Assistência, que concentrou os esforços de defesa civil e também de recrutamento e seleção dos pracinhas.

Em Santos, foram formados dois batalhões da Defesa Passiva. Em São Paulo, o terceiro.

Os jovens da época se sentiam voluntariosos para participar de alguma forma ante ao conflito.

Até arrecadação de fundos financeiros ocorreu.

Todos só tinham um assunto: a guerra iminente.

Poucos meses após a formação da Defesa Passiva Antiaérea, a força reorganizou-se transformando-se na OFAG Organização Feminina Auxiliar de Guerra e passando da esfera da Aeronáutica, para a do Exército.

São Paulo pertencia à Segunda Região Militar.

“-Não havia patente entre as integrantes da OFAG, mas os oficiais do Exército, nos explicavam que a nossa patente inicial, se equiparava a de um sargento do Exército”,

explica Ruth, que descreve abaixo sua rotina naqueles tempos:

-“Eu morava em Santana. Cedinho em casa eu vestia minha farda e pegava o bonde na Rua Ataliba Leonel, em direção ao Centro de São Paulo, no Vale do Anhangabaú. As pessoas nos respeitavam muito, pela nossa farda; tratava-nos com deferência nos bondes, nas ruas; sabiam que nós estávamos dedicando as nossas vidas pela defesa do povo brasileiro. Cada FAG (Feminino Auxiliar de Guerra, como eram chamadas as integrantes) tinha que se portar na vida privada, tão exemplarmente quanto dentro das fileiras. Não era permitido frequentar bares em trajes militares”.

“-Todos pensávamos em um ataque possível e iminente às nossas cidades. Os militares do Exército estavam em prontidão e coube a nós, da OFAG, operacionalizar todo o esforço de recrutamento e seleção dos reservistas e voluntários. Tínhamos que classifica-los por profissão. Motorista era o mais requisitado. A guerra precisava daqueles que sabiam dirigir um automóvel. Telegrafista era outra profissão procurada. Eu fiz toda a classificação dos reservistas com dedicação e afinco. Trabalhando de manhã à noite para poder apresentar ao meu país, os valorosos homens que iriam incorporar à FEB e partir para os campos de batalha. Enquanto isso, nós éramos preparadas para assumir o controle da população civil, na eventual falta das forças regulares em solo pátrio”.

“-A nossa preocupação e a dos oficiais era imensa quanto a manter um corpo oficial para a manutenção da ordem dentro do país. Sabíamos que se a guerra perdurasse, os nossos pracinhas teriam que ser substituídos pelos bravos homens de nossa Força Pública, a Polícia Militar de atualmente. A Força Pública era a Segunda Linha. Na necessidade de repor os homens perdidos no “front”, chamaríamos os policiais da Força Pública. Nesta hipótese sombria, o “front” interno ficaria desguarnecido. Estávamos sendo preparadas para substituí-los e sabíamos disso”.

 

“-Treinávamos em tuneis de fumaça. Tínhamos que atravessar uma área tomada de fumaça tóxica, usando a máscara de gases. Mas também tínhamos que treinar o enfrentamento da guerra química, na eventual ausência dos equipamentos de proteção adequados e também tínhamos que ensinar à população civil, como fazê-lo. Caso a máscara anti-gases faltasse, deveríamos pegar nossas túnicas (casacos militares) que eram feitos de pura lã e mastigar uma área para enche-la de saliva e com ela, proteger a face enquanto buscávamos sair dos gases tóxicos, assim poderíamos andar por dois a três quilômetros”.

“-Em caso de bombardeio inimigo na capital paulista, eu teria que conduzir a população civil aos abrigos anti aéreos que existiam na época e eram poucos. Hoje os túneis do metrô de São Paulo, são um excelente abrigo antiaéreo mas antes não tínhamos isso. No centro, somente o prédio onde hoje fica o Tribunal de Alçada do Estado, no Pátio do Colégio, possuía um porão que serviria de abrigo. Treinamos para conduzir os civis até lá e rápida mas prudentemente, entrarem e se protegerem lá dentro. Era o único abrigo antiaéreo do Centro de São Paulo”.

“-Nós deveríamos levar a população aos abrigos mas não deveríamos entrar. Deveríamos ficar do lado de fora até o ultimo momento, atendendo a população civil; orientando, tranquilizando. Quando afinal o ataque fosse desfechado, fomos treinadas pelo Tenente Levy, a nos proteger nos lançando ao meio fio, ao lado da sarjeta das calçadas , com as mãos sobre a cabeça. Isso porque os estilhaços gerados por uma detonação de bomba, fazem trajeto perpendicular ao solo, em direção ao alto, e se estivéssemos ao lado da sarjeta, a probabilidade de um estilhaço nos atingir era bem menor. Tínhamos que sobreviver a isso para poder continuar dando apoio à sociedade civil. Treinamos com bombardeios reais, Somente as cargas não eram explosivas, mas de “festin”. No treinamento, éramos orientadas a acompanhar o lançamento das bombas, nos proteger e sentíamos o abalo do solo, quando as cargas lançadas chegavam ao solo. Era um treinamento rígido, muito duro e real. Estávamos em guerra. Não podíamos brincar. Eu passei por isso. Fui treinada para proteger. Queríamos servir a pátria e os tempos eram sombrios”.

“-Após o treinamento do ataque aéreo, treinávamos como remover os feridos em campo, cuidar dos ferimentos, leva-los para um lugar seguro. Éramos mocinhas frágeis, com 18, 19 anos de idade, mas treinamos como resgatar e carregar uma pessoa atingida pelo bombardeio. Caso não aguentássemos com o peso, deveríamos em duas FAGs, fazer uma cadeirinha com cada uma segurando transversalmente ao antebraço da outra, para o ferido poder sentar sobre nossos braços e assim, saiamos correndo até o posto de atendimento médico, levando um por um os feridos. Lembro-me que treinei isso com afinco e depois ensinei a meus filhos, porque eu queria prepara-los, caso o horror da guerra se apresentasse de novo”.

“-Na possibilidade de ter que seguir à linha de frente na Europa, também os policiais da Força Pública, a OFAG deveria estar pronta para assumir o encargo de “guardiãs de São Paulo”. Eu sabia que isso era possível e me preparei com afinco. Não poderíamos deixar a população civil sem apoio. Tínhamos que dar proteção, conforto, tranquilidade aos civis. Era nossa missão. Faríamos o policiamento ostensivo, regularíamos o transito de veículos, garantiríamos a segurança”.

“-As OFAGs faziam o patrulhamento da cidade nos treinamentos de “blackout” saiam de duas em duas, com lanternas nas mãos, sempre acompanhadas de um Guarda Civil e percorriam as ruas a noite, ordenando que os residentes apagassem as luzes para o treinamento de eventual bombardeio. A iluminação pública era apagada, assim que as FAGs soassem seus apitos e a população deveria seguir isso também. Sirenes soavam na capital. Toda a área central da capital além dos bairros, deveria obedecer nossas ordens e tínhamos o poder de ordenar esta intervenção na vida civil. Eu não participei das rondas de “blackout”, mas muitas outras FAGs participaram. A população civil obviamente não gostava muito, mas não podíamos deixar as luzes acesas porque eram uma sinalização para o piloto inimigo”.

Fonte: www.novomilenio.inf.br

As FAGs que eram treinadas para o reconhecimento de aproximação aérea, deveriam ficar nos postos respectivos, para, só através dos roncos dos motores, estabelecerem qual o tipo de aeronave se aproximava, seu peso e possível armamento, de acordo com as indicações dadas pelos ruídos dos motores.

“-Sabiamos identificar isso e era importante para dar base ao comando de defesa antiaérea, planejar e por em prática o plano de defesa passiva antiaérea, da população civil”.

“-Eu me especializei em policiamento de trânsito, depois em papiloscopia, que é hoje um ramo da Polícia Científica. Minha farda possuía um apito e aprendi os sinais de silvos, que eu deveria dar, para indicar o movimento do trânsito. Um silvo breve, o transito podia fluir. Dois silvos rápidos: deveria parar. Também fazíamos os sinais manuais de pare, siga, mãos de direção. Fiz minha formação na Escola Oficial de Trânsito. Não havia DETRAN antigamente”.

“-Na papiloscopia, aprendi a classificação das pessoas através das impressões digitais, com o Professor Carlos Kedih. Fui estagiar no Departamento de Identificação da Policia Civil. Eu tinha que captar as impressões com um rolo de tinta e apor os dedos em uma cédula de papel para formar o arquivo dactiloscópico do estado. Ali o governo teria a classificação de cada um indivíduo do estado, com nome, endereço, filiação etc. Assim poderíamos manter o controle em tempos de guerra. Me especializei tão bem, que consegui desvendar a autoria de certos crimes, com a comparação digital. Isso resultou no convite que tive, logo depois da guerra, para me incorporar à Policia do Estado de São Paulo, onde segui carreira”.

“-Lembro-me como se fosse hoje, eu e várias outras destemidas mulheres da OFAG, escrevemos ao Presidente Getúlio Vargas, pedindo permissão para seguir aos campos de batalha na Europa, pois estávamos desejosas de apoiar o Brasil diretamente no conflito. Queríamos garantir na batalha, a ajuda, a participação ou apoio que cada uma de nós poderíamos dar às forças nacionais em solo estrangeiro. Getúlio não deixou. Em sua carta resposta, explicou que a rudeza da guerra não era para nós, jovens moças, que as violências do campo de batalha eram indizíveis. Com isso, entendemos que nossa missão maior era o “front interno”.

“-Eu sou muito patriota. Eu digo sempre: -Viva o Brasil! Lembro que nosso cumprimento, nas fileiras da OFAG era esse: Viva o Brasil! Ao despedir bradávamos : Tudo pelo Brasil! Ao batermos continências, deveríamos sempre exclamar nosso brado, para cimentar entre nós a coragem, o patriotismo, a força e moral elevada ao encontro de quaisquer obstáculos, por mais difíceis que fossem, teríamos em mente. Vamos em frente, continuemos com a nossa missão, pois o objetivo maior de nossa tropa feminina, era que o Brasil vivesse. Assim, digo sempre e até hoje: Viva o Brasil! Tudo pelo Brasil!”

O Casamento com um Pracinha

O irmão de Ruth, era Sargento do Exército e era instrutor de guerra.

No batalhão onde seu irmão servia, havia um jovem soldado loirinho, olhos azuis, filho de alemães.

O Soldado Bruno seguiu para a Itália, junto ao 11º Regimento de Infantaria. O pracinha, durante a guerra, se correspondia com a FAG Ruth, a partir das trincheiras na Itália.

Foi reconhecido por bravura nos campos de batalha, recebendo elogios e medalhas. Chegando ao Brasil, o expedicionário e Ruth, se casaram, formando uma família de veteranos de guerra.

Este é um pequeno relato de uma veterana de guerra, quase centenária.

Ruth é hoje um arquivo vivo, de fatos históricos, lutas e emoções.

Seu patriotismo evidente e seu trabalho na OFAG, a capacitou para um cargo na Policia Civil de São Paulo, no Departamento de Identificação Civil e Criminal do DEIC.

Ela foi uma pioneira neste departamento, cujo Diretor era Dr. Ricardo Gumbleton Daunt.

Hoje o Instituto leva o nome de seu primeiro diretor e nossas carteiras de identidade trazem o nome dele.

 

Mulher na Polícia

Autor a esquerda e a veterana ao centro

Logo após a desmobilização de Guerra, Ruth foi chamada para a Policia. Não a Polícia Militar, que era a Força Pública, porque não podia haver mulheres na tropa, mas na Civil; Entretanto, a farda usada por Ruth durante a Guerra, hoje está exposta no Museu de História da Polícia Militar de São Paulo, sinalizando o inicio oficial de mulheres em linhas militares regulares oficializadas pelo Estado Brasileiro.

Como a OFAG assumiu ou foi preparada para assumir o policiamento ostensivo na eventualidade, as mulheres que fizeram a corporação, foram de fato, as primeiras mulheres a fazerem parte das policias no Brasil. Em São Paulo, somente uma década depois, a Policia Militar inseriu novamente as mulheres em suas fileiras. Mas as FAGs fizeram historia. E que história!

 

Texto: Franklin Karbstein

FONTES

https://www.semanticscholar.org

https://www.dw.com

http://www.planalto.gov.br

http://memoria.bn.br

Livro “Diversos Olhares da Guerra “ p. 79 – Kelly Nagaoka Ed. Zenex

Ricardo Lavecchia

Desenhista, Ilustrador e pesquisador sobre a Segunda Guerra Mundial

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