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Brasil na Segunda Guerra – Retorno com Glorioso da FEB

Quando a silhueta do transatlântico militar despontou no horizonte, o mar da Guanabara já estava coberto por dezenas de embarcações de todos os tipos e tamanhos num espontâneo festival de recepção aos heróis que chegavam.

Vapores mercantes de bandeiras amigas, canoas de pobres pescadores e barcos de pescadores ricos, unidades da Marinha de Guerra, lanchas e iates de luxo reuniram-se solidários, para acompanhar o “General Meigs” que nos devolvia 5300 brasileiros da Força Expedicionária, num regresso triunfal.

Camaiore, Monte Prano, Monte Castelo, Castelnuovo e outros baluartes, já haviam entrado para o rol das lembranças, embora recentes e frescas. Já eram versos de um poema épico escrito com o sangue e a coragem de muitos bravos na acidentada topografia da velha Itália, e o anúncio da paz ecoara pelo mundo como o prelúdio de uma nova era para os homens.

Florença, Roma, Nápoles, Montecatini, Lucca representavam recordações amáveis de amores e amizades que ficaram; de romances com italianinhas meigas e marcadas pelo sofrimento da guerra, nascidos e alimentados entre um e outro bombardeio, no intervalo dos ataques, nos curtos períodos de uma licença concedida pelo comandante.

Não provariam mais o saboroso vinho toscano ou os vesuvianos copos de Lagrima Christi. Nem “biancos” nem “neros”. Cantariam apenas a “Lili  Marlene”, recolhida pelos ingleses em El-Alemain e Tobruk para se transformar na coqueluche dos combatentes de todos os “fronts”, porque era de poucos compassos, em andamento “moderatto”, melancólico retrato evocativo de uma pequena que namorava com seu querido soldado sob a luz de um lampião, porque “Lili Marlene” é uma entidade universal, de mulher que gosta de farda e que deixa uma suave recordação por onde quer que passa, na Alemanha, na Inglaterra, nos Estados Unidos. É datilógrafa, arrumadeira, caixa de bazar, cozinheira, ou ainda, não tem profissão. É a mulher moça que tem na alma alguma coisa que bate como caixa surda quando ouve corneta e sabe dizer palavras encantadoras à luz dos candeeiros ou mesmo no escuro das ruas mais ou menos desertas.

Devagar o navio dos combatentes caminhava sobre o Atlântico brasileiro. Da lancha americana que conduziu os jornalistas – os primeiros a conversar com os pracinhas – o repórter fotógrafo de O Globo, Indaiassu Leite, conta-me que reconheceu o cabo Darci, maroto morador do Grajaú. – Seu Leite, como vão as morenas? – Lá no bairro, esperando por você – foi a resposta. E estavam mesmo, eram as Lilis Marlenes nacionais.

A imprensa foi recebida com entusiasmo pelos componentes do 1º Escalão, e a esbelta belonave navegava mansamente para o porto colorido, entre velas, remos e mastros formando um bloco que o vento ondulava numa procissão marítima de original encanto.

Na Avenida Rio Branco, fora construído um “Arco do Triunfo” e um cronista da época escreveu que, ao passar por ele, estariam os nossos bravos transpondo, simbolicamente, os umbrais da História “em cujo seio só se abrigam os Deuses, os santos e os heróis”. As armas da FEB, que libertaram um povo e vieram cobertas de sangue e de glória “são as armas do nosso Exército e do nosso povo, as armas do Brasil livre e democrático”.

Às 8 horas da manhã, o sol dando brilho às águas, o “General Meigs” cruzou a barra do Rio de Janeiro, saudado pelos canhões das fortalezas, pelos apitos dos navios em roda, pelas sirenes das fábricas, pelos repicar dos sinos dos templos e pelas evoluções dos barulhentos “Thunderbolts” P-47 do Coronel Nero Moura, enquanto uma multidão emocionada se unia no mesmo entusiasmo para acolher os jovens guerreiros.

Desde muito cedo começou o povo a afluir aos pontos principais, concentrando-se de preferência na Avenida Rio Branco, na Praça Mauá e no Cais do Porto, para assistir a um dos mais grandiosos espetáculos já desenrolados na cidade.

Em cada janela não havia lugar para mais ninguém. Todos seguiam com os olhos ansiosos a marcha do barco-transporte, e as amuradas de Botafogo, do Flamengo até a Praia das Virtudes estavam repletas de gente.

Pouco antes das 9 horas o “General Meigs” atracou ao Armazém Nº 10, encerrando uma serena viagem de doze dias de Nápoles ao Rio de Janeiro. Ali estavam o Presidente da República e seus Ministros, além dos Generais Clark, Crittenberger e Ord, dos Estados Unidos, convidados pelo governo para assistir à chegada dos Pracinhas. Ninguém mais permanecia no local, à exceção dos jornalistas e dos encarregados do policiamento.

O Sr. Getúlio Vargas não podia esconder o seu contentamento. Cá fora, era imensa a expectativa popular, repetiam-se os vivas e os gritos, confundindo-se as alegrias com as lágrimas. Vargas, acompanhado do Comandante do V Exército (Clark) e do Comandante do 4º Corpo de Exército (Crittenberger) e seu auxiliar imediato (Ord), subiu a bordo e pronunciou algumas palavras, mas em voz tão baixa que quase nada se ouviu. Em seguida, cumprimentou os oficiais e o comandante do “General Meigs”.

Foi nessa ocasião que, solicitado pelo repórter de O Globo, Pedro Luis de Amaral Teixeira, a fazer uma declaração sobre o desembarque das tropas, o General Clark declarou: – Antecipo para o seu jornal o que vou dizer em discurso público: O Brasil nada reivindicou nesta guerra, a não ser o pequenino pedaço de terra onde, na Itália, repousam os seus heróis.

Às 11 horas daquela inesquecível manhã de 18 de julho de 1945 começou o desembarque, e a Legião Brasileira de Assistência ofereceu um lanche a cada homem. Os que não foram, mas que aqui permaneceram vigilantes, trabalhando na retaguarda interna contra as manobras da quinta-coluna nazi-integralista, compareceram à festa da FEB, e garbosos apresentaram-se à Escola Naval, a de Aeronáutica e a Academia Militar, o Colégio Militar, o Corpo de Fuzileiros Navais e batalhões da 1ª Região Militar.

A Prefeitura do Rio, além de sua participação direta nas homenagens, ornamentou todo o trajeto do desfile com bandeiras do Brasil, escudos e distintivos históricos da FEB e do Grupo de Caça.

O DNC distribuiu café aos Pracinhas. A comissão Nacional do Movimento de Unificação dos Trabalhadores reuniu o proletariado para saudar os combatentes. Firmas comerciais fabricaram serpentinas para o povo, bandeirinhas brasileiras para serem colocadas nos para-brisas de ônibus e automóveis e nas vitrinas. O Presidente da República assinou decreto considerando o dia Feriado Nacional.

As cenas eram empolgantes, entrava para a história, a metrópole estava em apoteose. Dona Darci Vargas saudou o General Mascarenhas de Moraes, dizendo da sua honra em apresentar-lhe boas vindas, no seu nome e no da Legião Brasileira de Assistência.

Mais tarde, o Comandante chefe da FEB seria homenageado no Palácio da Guerra, e o jornalista presente à cerimônia afirma que o quadro foi tocante: – Quando o General entrou no Salão Nobre, as palmas estrugiram com veemência e o herói sorriu contrafeito como que ofendido na sua modéstia. Forçou o passo até onde se encontrava o General Eurico Dutra, que cumprimentou afetuosamente. Todos os demais colegas queriam abraçá-lo, para dizer-lhe que todos haviam apreciado a sua atitude impávida conduzindo os denodados soldados expedicionários do Brasil na luta pela liberdade do mundo.

Crescia o entusiasmo da massa, um agudo estado de excitação perturbava as gentes, eletrizava a capital da República, dominada inteiramente por uma descarga nervosa interna, em que misturavam o riso e o choro. “Será pouco tudo o que os senhores puderem fazer por eles” – disse ainda o General Clark ao General Milton Freitas de Almeida.

Os Pracinhas eram louvados em versos e em prosa. No rádio, Ataulfo Alves e suas pastoras, cantavam: “… E por isso a Nação vos recebe pondo flores no vosso fuzil. Salve, bravos soldados da FEB. Salve heróis, filhos bons do Brasil.”

Quando Zenóbio apareceu, trajando o seu uniforme de combate, sua velha mãe desmaiou. Um sargento, diante da descomunal demonstração de carinho, gritou que tamanha recepção compensava o terrível e duro inverno passado na Itália.

Somente às 14 horas iniciou-se o desfile, ou melhor: a marcha lenta em coluna por um, porque o povo, descontrolado, entusiasmado, rompeu os cordões de isolamento e impediu a parada em coluna por quatro, como era o regulamento.

A princípio, a tropa mantinha-se séria, compenetrada, de acordo com os hábitos militares. Mas logo compreendeu que aquela atitude marcial e seca, magoava o povo, e então se misturou com ele. Casas comerciais e grandes edifícios estavam enfeitados com bandeirolas, dísticos, cartazes. “O povo chamava-nos de heróis” – diz o Coronel Newton de Andrade Melo.

No meio daqueles milhares de homens, apareceu o cabo Marcílio Dias – já conhecido do público pelas suas façanhas na Itália – ornamentado de condecorações, que traduziam a sua história gloriosa. Destacou-se entre os outros para receber maiores aplausos. Mas todos eram acarinhados, abraçados, beijados pelas moças. Longos e comoventes eram os encontros de noivas com noivos, pais com filhos, irmãos com irmãos, amigos com amigos.

O primeiro quadro verdadeiramente emocionante foi o da chegada dos feridos da FEB, que foram trazidos do Hospital Central do Exército (HCE) para presenciar a passagem de seus companheiros. Todos eles com cicatrizes da guerra foram aclamados pelas autoridades e pelo povo.

Na Avenida Presidente Vargas, um popular conduzia enorme papagaio com as cores verde e amarela, que elevou aos ares como sua homenagem aos expedicionários. Os acordes da “Canção do Soldado” serviam de “background” ao espetáculo e os combatentes cumpriam o seu roteiro através da Avenida Cinelândia, Avenida 13 de maio, Rua Uruguaiana, Avenida Presidente Vargas, de onde cada unidade tomou rumo dos seus quartéis de origem.

Um praça do 6º RI – o Regimento de Nelson de Melo e Segadas Viana, do poeta Jamil Amiden (que tem o corpo estraçalhado pelas metralhadoras alemãs) e do soldado que encontrei faminto no subúrbio da Casa Verde em São Paulo. Um praça desse regimento, espantado com tanta solidariedade, exclamou: – “Nossa Senhora! Até parece que também libertamos o Rio!” E explicou: – Na Itália era assim, quando tomávamos uma cidade, o povo vinha todo para as ruas nos beijar e abraçar…

Diversos pracinhas tinham inscritos nos capacetes nomes femininos. Uma senhora, muito curiosa, muito indiscreta, quis saber o que significava  “Lili” e o dono do capacete, pilheriando, decepcionaram-a: – É o nome de uma cadela que deixei na Itália. Mas a mulher era insistente e perguntou a outro que era “Carmen”. Ouviu a mesma resposta: – É uma cadelinha que deixei lá em Roma… Adiante alguém gritou: – Jorginho! Jorginho! Era a noiva de um expedicionário que, reconhecendo-o, atirou-se loucamente de um palanque, rasgando as vestes, mas conseguindo vencer o povo e cair nos braços de seu amado. Indiferente a multidão, apertou-o entre os braços, beijou-o sofregamente e só o largou quando o Batalhão prosseguiu a marcha.

Desfile da FEB no Rio - SECHIN, Carlos. Cinelândia: breve história de um sonho. Rio de Janeiro: Salamandra, 1997.

Em plena Avenida Rio Branco, um velho atravessou a massa e jogou-se perigosamente sobre um jeep, que no volante estava seu filho. Seu salto poderia ter significado a morte, mas o ancião foi feliz e abraçou o jovem.

Pouco depois aconteceu o contrário, um soldado que vinha ao lado do companheiro que dirigia a pequena viatura militar, sorria. Mas de repente, seus olhos se fixaram num ponto qualquer no meio da multidão e o combatente, como que alucinado, jogou-se do veículo sobre o povo, alcançando uma velhinha que era sua mãe. Beijaram-se em silêncio e em silêncio se separaram.

Os vendedores de frutas fizeram duplo negócio, acabaram as peras e as maças, venderam os caixotes a 12 cruzeiros para aqueles que desejavam colocar-se melhor para ver e aplaudir os soldados.

À noite, os oficiais e praças tiveram licença para assistir e participar dos festejos em sua homenagem e retornar a seus lares. Cordões carnavalescos formaram-se nas ruas e o povo dançou. Era o dia da FEB, que a população amava, que a população estimava.

Fonte: José Leal  – Jornal “O Globo”
Rio de Janeiro – 18 de julho de 1945

Agradecimentos a Maria Auxiliadora Vieira por ter cedido o artigo – www.mauxhomepage.com

Sobre Andre Almeida

Ex-militar do exército, psicólogo e desenvolvedor na área de TI.Sou um entusiasta acerca da Segunda Guerra Mundial e criei o site em 2008, sob a expectativa de ilustrar que todo evento humano possui algo a ser refletido e aprendido.

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