Crônicas da Segunda Guerra – Frente Calma

18 de Janeiro de 1945.

Era uma patrulha com três grupos de combate e 10 partigiani. Iam os tenentes Rigueira e Carijó. Pela uma e pouco da noite, a patrulha começou a descer uma encosta, pelo meio de um castanhal. Lá embaixo os homens tiveram de atravessar um rio de margens escarpadas em alguns trechos, seis metros de altura e com a profundidade de meio metro. Esse córrego está gelado. Dali para frente à linha lançava-se só sob a forma de um espigão com declive acentuado. Os homens foram subindo na neve escorregadia, procurando se proteger da vista do inimigo andando atrás dos castanheiros. O terreno tinha algumas dobras que ofereciam proteção contra um fogo que viesse de cima, mas o inimigo poderia muito bem observar a progressão de nossos homens, pois as árvores eram espaçadas. Os soldados subiram ofegantes, o tenente deu ordem a dois grupos de cercarem uma s casinhas que havia no alto do morro.

As casas foram vasculhadas sem que aparecesse nenhum inimigo. Apareceu, porém, um civil italiano, informado que o posto avançado do alemão era ali pertinho, e ele sabia onde era. O tenente Rigueira pediu que ele indicasse o lugar, e, depois de alguma relutância, o paisano foi na frente.

Quando chegaram perto da casa onde devia haver alemães, o tenente Rigueira dispôs seus homens. Nessa ocasião, o chefe dos partigiani negou-se a avançar, dizendo que era muito perigoso. Um partigiano do grupo se ofereceu, porém, para ir à frente rastejando e ver se havia alguma sentinela.

“- Nunca vi ninguém rastejar tão bem – comentou depois o tenente. – O partigiano parecia uma cobra”.

Atrás desse italiano foram os tenentes Rigueira e o sargento Silva, que para isso se ofereceu espontaneamente, e mais dois esclarecedores de ponta – os soldados Amorim, Carlos Quintilhana, e o soldado Temístocles Alves da Silva.

Os homens levaram sabre ou faca de trincheira e granadas de mão. Subiram assim a crista do espigão; o tenente fez sinal para que eles parassem. Parecia haver ali, no escuro, a poucos metros, uma sentinela alemã. O tenente mandou que o italiano continuasse rastejando e deu ordem ao soldado Amorim para que o seguisse, para reconhecer com segurança a sentinela, disse: “Sentinela tedesco.”

O alemão, a menos de dois metros, disse alguma coisa na língua dele. O soldado Amorim deu um salto com a faca de trincheira na mão  e o sentinela não teve mais muitos segundos de vida. Mas assim mesmo o ruído alertou outros alemães, que saíram da posição organizada.

O sargento Sila apontou sua metralhadora de mão, e logo outra, enquanto o soldado Amorim fazia o mesmo. As granadas caíram dentro da posição do inimigo e de lá vieram gemidos e lamentações.

Aquele pequeno posto alemão estava aniquilado, mas de um pouco mais atrás partiram rajadas de metralhadoras e começaram a cair perto granadas de mão.

Nossos homens retraíram-se um pouco, e o inimigo atirou de bazuca e submetralhadora. Vultos de alemães passavam correndo na crista do morro, para dois lados, indicando que eles ameaçavam um movimento desbordante, procurando envolver nossa patrulha.

O tenente Rigueira, antes de dar ordem de retraimento, tentou comunicar-se pelo rádio com o tenente Carijó para que este tentasse um movimento por um dos flancos para cercar o inimigo. Mas o rádio falhou.

A patrulha teve, então, ordem de recuar. Como o fogo inimigo era muito intenso, os homens desceram o morro rolando. Dois homens nossos estavam feridos (sem maior gravidade), mas foram carregados por outros dois – o cabo Alcides Zaneta e o soldado Francisco Ribeiro do Santos, que, apesar da forte barragem inimiga, trouxeram os dois camaradas até o lugar seguro.

O cabo Manuel Aires de Oliveira. Que ficara comandando a retaguarda assegurou a retirada da patrulha até que passasse o ultimo homem. Apesar do tiroteio firme que vinha lá de cima, esse cabo ainda teve calma para recolher as armas dos dois feridos.

Teve destaque também o segundo-tenente Fremídio Trota, que, como observador avançado da Artilharia, ficou até as três da madrugada na posição, atendendo a todos os pedidos de tiro do comandante do batalhão, contribuindo para o pronto desencadeamento dos tiros de nossa artilharia.

O comandante da companhia elogiou ainda a iniciativa e a energia do segundo-tenente Célio D’Alva Vieira Rigueira, que comandou a patrulha. Mas quem voltou à posição esta noite com uma história melhor para contar foi o soldado João Pedro Amorim, que matou o alemão a faca.

Histórias como esta que resumi, às vezes com mais felicidade ainda, às vezes com mortos nossos, às vezes sem resultado nenhum, acontecem toda noite na frente brasileira. E no dia seguinte o comunicado diz que “a frente esteve calma, limitando-se a atividade de patrulha”. Mas para os hímens que fazem esses passeios a 14 graus abaixo de zero, a noite não é tão calma assim.

Crônicas da Guerra na Itália

Rubem Bragra

Sobre Ricardo Lavecchia

Desenhista, Ilustrador e pesquisador sobre a Segunda Guerra Mundial

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3 comentários

  1. segundo este esclarecedor,quando verificava uma casa no terreo,o batedor alemão fazia a mesma coisa no andar de cima,devido o retorno de ambos informando que podiam avançaras patrulhas se digladiaram no escuro,entre mortos com facas e feridos, ele foi uns dos vencedores, pois conta esta história, em 1969 eu tive a honra de escutar.

  2. rolcarvalho@hotmail.com

    Olá,

    Fiquei muito emocionada em ler esse relato, pois o soldado citado João Pedro de Amorim é meu avô, o qual não tive o privilégio de conhecer, pois faleceu no ano em que nasci.

  3. Bom dia!

    Meu nome é Ricardo, infelizmente não conheço nenhum outro veterano que tenha participado na guarnição de Fernando de Noronha, mas me interessei por sua história, gostaria de entrevista-lo se possível.
    Fico no aguardo de um contato.

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