Dia 7 de Março de 1945 – A Queda do Capitão Kopp

Por Michele Becchi

Prefácio

As forças aéreas aliadas presentes nos  céus italianos podem ser  dividas, a grosso modo, em quatro grandes segmentos: A 15ª Força Aérea Americana, em que foi agregado o 205º Grupo da RAF (que por sua vez incorporou todas as nacionalidades da Comunidade Britânica), representou, com  seus bombardeiros de longo alcance, a componente estratégica encarregada de atacar, partindo das grandes bases da Puglia, a Alemanha, os Bálcãs, e ocasionalmente (com resultados modestos do ponto de vista militar e desastroso do ponto de vista das baixas entre civis) as instalações industriais e as vias de comunicação ao norte da Itália.

Ten. Theobaldo Kopp 1944 - Crédito: MUSAL

As outras duas entidades (que representavam a componente tática  e apoio direto às tropas de terra) eram representadas pela Desert Air Force, composta na maioria por tripulações da Comunidade Britânica, e  a 12ª Força Aérea Americana, na qual também se apoiou a força aérea da França livre, e (agregado ao 350th Fighter Group americano como quarto esquadrão que junto com os outros três compunha um grupo) o 1º Grupo de Caça brasileiro.

P-47 A2 do então Ten. Kopp e ao fundo o P-47 C1 do Cap. Fortunato, sobrevoando o acampamento brasileiro em Tarquínia, 1944. Pintura de Michael Turner - Crédito: CECOMSAER

O 1º GAvCa (como geralmente vinha indicado nos documentos oficiais) chega na Itália em outubro de 1944, precisamente na base de Tarquínia: é um momento particular, quase de transição, pela doutrina de emprego dos caças aliados. A ameaça representada pela Luftwaffe desaparece em setembro, com a retirada na Alemanha dos últimos  Staffeln (esquadrões) do  Jagdgeschwader 53 (esquadrão de caça 53), somente os aguerridos, porém numericamente insignificantes aviões da ANR (Aeronautica Nazionale Republicana – Força Aérea Italiana Fascista) buscam inutilmente se opor aos mais de 1000 aviões que diariamente os aliados são capazes de colocar em campo, com escoltas de gasolina e munição praticamente ilimitada. Este enorme potencial, já então um desperdício no que diz respeito a manter a superioridade aérea,  encontra nova e mais importante razão de  fazer aquela doutrina que, desenvolvida  pelos ingleses durante a campanha do Norte da África, veio sucessivamente mudando  e levando ao máximo os caça-bombardeiros americanos: a interdição do campo de batalha. Já testada na primavera anterior durante a operação  Strangle (estrangulamento), a nova doutrina previa que a grande massa de bombardeiros médios e os caça-bombardeiros monomotores sejam lançados, cada dia, sobre o território ocupado pelo inimigo, atacando inexoravelmente estradas, ferrovias, depósitos, estações, concentração de tropas, pontes, barcas, ônibus, carros, motocicletas e bicicletas. Nada, ou quase nada pode chegar às tropas na linha de frente. A nova doutrina de emprego dará indubitavelmente seus frutos, contribuindo para abreviar o fim da guerra e impedir que as tropas alemãs cheguem ao Rio Pó, mas geralmente, como soubemos pelas histórias dos mais velhos, quem sofreu também foram os italianos, metralhados ao longo das estradas não por um jogo cruel, como indubitavelmente deveria parecer inicialmente, mas pelo simples fato de que, lá na linha de frente qualquer movimento devia ser considerado inimigo e imediatamente interrompido.

Agregados ao 350th Fighter Group, e também dotados dos poderosos Republic P-47 Thunderbolt, os pilotos brasileiros aprendem as novas  regras voando com seus colegas americanos antes de serem empregados como uma unidade autônoma. Logo aprendem que, já que a ameaça dos caças inimigos quase terminou, nos céus italianos os pilotos aliados praticamente só tem um grande e justificado medo: a FLAK. Dos 22 aviões perdidos na Itália pelo 1º Grupo  de Caça brasileiro, 16 caíram por obra da antiaérea alemã e da RSI (Repubblica Sociale Italiana – Exército Italiano Fascista), só  seis em incidentes, e nenhum por combate com os tímidos caças ítalo-germânicos. Isto mostra porque as planícies padanas e o vale de Brenner eram chamados de Flak Alleys (avenidas da Flak), pelas tripulações aliadas que dia e noite cruzavam os céus italianos em 1944/1945.

Mapa de localização da Flak inimiga no Norte da Itália - Crédito: www.57thbombwing.com

Obrigados a voar em baixa altitude pela natureza dos seus alvos, os aviões aliados se expunham ao fogo de centenas de armas  de 20, 37 e 40 mm, de tiro rápido, cuja munição, graças ao fato de serem produzidas nas empresas do Norte, não sentiram dificuldades de comunicação com a pátria-mãe, e englobando também as grandes reservas tomada do ex-Exército Régio. Sabiamente colocadas nas proximidades dos possíveis alvos e esmeradamente camufladas, as posições de antiaérea ligeira abriam fogo subitamente, erguendo muros de fogo móveis por onde os aviões aliados se vêem inesperadamente obrigados a passar. Um sistema caro, mas que se paga em termos de resultado, ainda empregado pelos Sérvios  na recente guerra dos Bálcãs, onde um caríssimo caça-bombardeiro F-117 Stealth (invisível) foi vergonhosamente derrubado por uma FLAK 20 mm, sobra da segunda guerra mundial.
 
Pisa, dezembro de 1944

Como se sabe, o 1º Grupo de Caça operou inicialmente da base de Tarquínia, voando junto com os pilotos americanos do 350th Fighter Group. A dureza da guerra se fez presente logo nos primeiros dias de  combate, no dia 6 de novembro de 1944, os brasileiros sofreram sua primeira perda, o Tenente John Richardson Cordeiro e Silva, foi abatido pela flak próximo a Pianoro (Bolonha), no dia seguinte o Tenente Oldegard Olsen Sapucaia teve os controles do seu P-47 travados, tentou saltar, mas devido a  pouca altura o pára-quedas não se abriu e ele veio a falecer. Seja pelas precárias condições do campo de Tarquínia, seja para ampliar o raio de ação dos Thunderbolt, em dezembro de 1944 o  350th Fighter Group e o 1º Grupo de Caça se mudaram para a base de San Giusto em Pisa, iniciando as operações em 4 de dezembro. Diferentemente dos seus colegas americanos que depois da 35ª missão de guerra  adquiriam o direito de serem substituídos e cumprir o restante do serviço nos EUA, para os pilotos brasileiros não havia previsão de substituição, a não ser em caso de aprisionamento, ferimento ou morte. Isto, se por um lado causava um considerável desgaste físico e emocional, por outro fez com que os pilotos brasileiros adquirissem uma experiência consideravelmente superior aos seus colegas americanos no reconhecimento de alvos, fato que por muitas vezes fez com que vidas de civis e de militares aliados fossem salvas do chamado “fogo amigo”.

Aviões P-47 Thunderbolt do 345th Fighter Squadron, uma das unidades americanas do 350th Fighter Group, estacionados na base de San Giusto – Pisa – Itália - 1945 - Crédito: www.p47pilots.com

Pisa, 7 de março de 1945

Integrantes do primeiro elemento da missão do dia 07 MAR 1945 - Lafayette, Armando, Keller e Meneses - Crédito: Sentando a Pua!

São 10:15 do dia 07 de março de 1945. Oito caça-bombardeiros P-47 Thunderbolt  rolam pela pista de San Giusto preparando-se para decolar. É a esquadrilha vermelha do 1º Grupo de Caça brasileiro, dividida em duas seções: a primeira comandada pelo Capitão Lafayette, e composta pelos  tenentes Armando, Keller e Meneses. A segunda comandada pelo Capitão Kopp (sua promoção saiu naquele dia), e composta pelos tenentes Eustórgio, Rui e Torres. Cada avião leva nos pilones sob as asas duas bombas de 500 libras (aproximadamente 227 quilos), destinado ao entroncamento ferroviário de Lavis, um pouco acima de Trento. A missão é relativamente simples: devem fornecer escolta a bombardeiros médios  B-25 Mitchell enviados para atacar o complexo ferroviário, descarregar suas próprias bombas sobre as instalações ainda intactas, e no caminho de volta atacar com metralhadoras qualquer objetivo encontrado que valha a pena. Uma hora de vôo foi suficiente para os oito Thunderbolts chegarem a Lavis, descarregar com precisão as 16 bombas sobre as linhas férreas e pegar o rumo de volta para casa. Por volta das 12:00 quando os aviões brasileiros estavam passando pelo rio Pó, eles notaram nas proximidades de Suzzara alguns depósitos de munição. Toda a área está cheia de pilhas, sabiamente camufladas com capas de grama na tentativa de escondê-las dos onipresentes aviões aliados.

Integrantes do segundo elemento da missão do dia 07 MAR 1945 – Kopp, Eustórgio, Rui e Torres - Crédito: Sentando a Pua!

Embora o objetivo seja perigoso, pois está defendido por numerosas baterias de armas automáticas, a tentação é demasiadamente forte, e a esquadrilha decide atacar. O avião de Kopp, o P-47 (S/N 42-26776), código A2, é atingido gravemente. Os controles ficaram inutilizados, tudo que Kopp pôde fazer foi soltar o cinto, ejetar o canopy, virar o avião e deixar o corpo cair no vazio. O avião, agora abandonado à própria sorte cai próximo a San Bernardino, entre as fieiras de um vinhedo, como se recorda Amedeo Lasagni, na época um menino: “… havia um buraco entre os olmeiros (árvore nativa da Europa), e estava tudo cheio de pedaços  de avião. As asas foram arrancadas e no meio havia a fuselagem…”

Esq. p/ dir: Luigi Pantaloni, Sergio Subazzoli e Amedeo Lasagni (testemunha da queda do Cap. Kopp) - Crédito: Michele Becchi

O testemunho do Tenente Rui: “… eu estava com o Kopp, o Eustórgio e o Torres. Cerca de 15 minutos atrás estavam o Lafayette, o Keller e o Meneses. O Kopp decidiu atacar um objetivo “proibido”, os alemães haviam instalado bastante antiaérea; era um depósito de munições, muito visível. De repente vi o avião do Kopp virar de dorso, fora de controle, e ele  (Kopp) lançar-se com o pára-quedas, nós mergulhamos, contra as normas, e passamos a voar baixo…”. Para dar tempo de Kopp chegar ao solo e se esconder, seus companheiros correram o risco de também serem atingidos, mas contando com o fato de que assustados em serem mortos pela aviação aliada, os alemães ficaram escondidos  o tempo suficiente para que o Kopp conseguisse se esconder. “… os alemães  não puseram o nariz para fora… mas (na estrada) apareceram dois ciclistas e o Lafayette, que era muito estressado, virou para atacá-los. Nós lhe gritamos para não disparar, pois eles podiam ser partisanos… Lafayette não disparou e os dois puseram Kopp sobre a bicicleta e o levaram em direção a algumas árvores…”  

Rui tinha razão: os dois ciclistas, e outro que não foi visto pelos aviadores, faziam parte do destacamento local da S.A.P. – Squadre di Azione Patriottica, que se puseram em movimento para alcançar o pára-quedista antes do que os nazistas. Eram Oscar Consolini (nome de guerra Drox), Giovanni Pazzi e Giuseppe Montanari, que ignorando o risco que corriam vão ao encontro do aviador brasileiro que cai lentamente em direção à fazenda Carolina, não muito longe da estrada Novellara – Guastalla. A situação é muito perigosa: o aviador seguramente foi avistado pela guarnição alemã e eles precisam agir rápido. De fato, um grupo da Brigada Negra de Novellara se aproxima rapidamente. Escondendo o pára-quedas debaixo de uma ponte, Kopp é encaminhado para a fazenda Rústica, enquanto Consolini, com excepcional sangue frio, tenta desviar os perseguidores. Assim recorda o episódio o ex-partisano sabotador Anselmo Bigi: “… Kopp teve coragem! Consolini pegou seu macacão, que era verde com um ganso nas costas (na verdade tratava-se do avestruz), se fez ver pelos fascistas e se pôs a correr entre os canais. Ficou fazendo esta brincadeira por mais de uma hora, conhecia todos os caminhos, quando cansou, foi até a beira do canal onde havia uma balança de pesca,  tirou o macacão, colocou-o na balança, debaixo d’água, e esperou os fascistas. Quando eles chegaram perguntaram a ele se havia visto um fugitivo, ele disse que sim,  que o havia visto passar em desabalada carreira e que ele havia ido para lá, e então os fascistas se puseram a correr em direção a Santa Vittoria!…”.  

Partisanos que ajudaram o Cap. Kopp em sua fuga. Oscar Consolini (esquerda) e Giovanni Pazzi. - Crédito: Arquivo Anpi - Istoreco, via Mario Frigeri

Longe momentaneamente do perigo fascista, Kopp foi levado para a casa da família Rossi, refúgio partisano por onde já haviam passado outros pilotos aliados abatidos na região. Na casa dos Rossi ocorreu um pequeno episódio que mostra o abismo, tanto cultural quanto material, que a guerra criou entre um lado e o outro do front, quem conta é Anselmo Bigi: “… na casa dos Rossi, um pouco por respeito e um pouco para levantar-lhe o moral, cozinharam uma galinha para ele. Naquela altura uma galinha era um banquete! Levam toda a galinha para Kopp, e enquanto ele come eles o observam. E o que é que o filho da puta faz? Começa a tirar a pele e a joga fora! Rossi ficou enfurecido e saiu  dali! Para nós, jogar a pele fora era um pecado, havia gente passando fome em nosso país… mas para mim ele me deu sua  pistola, sua bússola e os mapas de seda, tudo isto me serviu muito nas montanhas…”   

Partisano Bruno Morselli - Crédito: Arquivo Anpi - Istoreco, via Mario Frigeri

Também dos restos do avião, que estava em pedaços um pouco distante, foi recuperada uma metralhadora ainda em bom estado: foram Armando Olivi e Bruno Morselli que, evitando a vigilância dos alemães, conseguiram realizar o roubo. Kopp, depois de ter passado por muitos esconderijos foi designado para o destacamento partisano “Aldo” de Rolo, aonde lhe é dado o nome de guerra “Guglielmo” e aonde fica até o dia da sua libertação, em 22 de abril de 1945. A última emoção que “Guglielmo” vive é exatamente naquele dia, na estrada Carpi – San Benedetto: Todos os destacamentos partisanos da baixada se juntaram naquela região, onde se engajaram em vários combates contra grandes formações alemãs que recuavam em direção ao rio Pó, e em um dos últimos combates o partisano “Guglielmo” se viu envolvido, pouco antes da chegada dos blindados americanos. Com a chegada dos aliados, Kopp finalmente chega à sua base em Pisa, de onde havia decolado 45 dias antes.
 
Sobre o Autor
Nascido em 1967 em Reggio Emilia, trabalha como operador de Computação Gráfica em uma Agência de Publicidade. Desde a infância apaixonado por aviação e história, nos tempos vagos colabora com a ISTORECO (Istituto per la STOria della REsistenza e l’età Contemporanea), faz pesquisas sobre a luta dos partisanos e guerra aérea no Norte da Itália, é Pesquisador Histórico da RAF – Romagna Air Finders, uma associação voluntária para recuperação de aviões e pilotos da Segunda Guerra ainda enterrados no solo do Norte da Itália, e ainda escreve para jornais locais.

Fonte: www.sentandoapua.com.br

Sobre Ricardo Lavecchia

Desenhista, Ilustrador e pesquisador sobre a Segunda Guerra Mundial

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