Em águas do Mediterrâneo, depois de despedidas dos navios-escolta brasileiros, na entrada de Gibraltar, o transporte de tropas General Meigs, da marinha dos Estados Unidos, passa a ser comboiado por navios ingleses. Os alto-falantes lançaram novas instruções, era sobre o desembarque em Nápoles. Foram distribuídas rações K para todos os homens, que deveriam guardá-las.
Navegaram em velocidade máxima, pois a área em que se encontravam estava sob o raio de ação dos navios alemães e de seus navios fundeados em La Spezia ou qualquer outro ponto da costa italiana em seu poder.
Aviões de combate passaram a cruzar o céu e passamos a avistar muitos blimps – pequenos dirigíveis – com seus cabos que impediam ataques aéreos rasantes.
Milhares de homens acomodados nos vários compartimentos do grande transporte de guerra, aguardavam o momento de pisar o solo italiano.
Chegam, afinal, ao nosso destino. Adentram a baía de Nápoles, coalhada de navios de todos os tipos, calados e tamanhos. Balões de barragem, brilham ao sol.
São estarrecedores os efeitos das destruições perpetradas pelos alemães, quando de sua retirada.Edifícios portuários sem fachada, cais com os guindastes derrubados, submarinos afundados, navios parcialmente submersos, adernados, de quilha fora d’água.
Eram 08h00min. do dia 6 de Outubro de 1944, o General Meigs começou a atracar em Nápoles. Pouco antes do desembarque, debaixo de um frio intenso e de uma névoa fechada, o Coronel Mário Travassos, comandante da tropa embarcada no 3º Escalão, assim falou ao grosso do pessoal reunido no convés maior da popa: Chegamos à Itália, duplamente satisfeitos. Juntaremos-nos aos camaradas de ar – mas que lutam neste teatro de operações e, assim, temos a certeza de que já fazemos parte da representação do Brasil no campo de batalha. Estamos convencidos de que no Brasil nossos entes queridos pensam e sentem como nós. Estes são os fundamentos do estado moral da tropa sob o meu comando.
Antes uma chuva fina, feita de agulhas penetrantes e impiedosas, os recebeu quando passaram diante de Capri. E em Nápoles uma nublada e triste névoa.
Os últimos avisos e ordens já foram transmitidos pelas várias e possantes bocas dos alto-falantes – algumas em inglês, a maioria em português, e todas resumiam uma só orientação: a de como a tropa de mais de 6 mil homens deveriam se comportar quando do desembarque; e, em seguida, quando de sua permanência no cais, sob a chuva fria, permanência que seria longa.
Toda a tropa envergava os seus uniformes mais pesados: japonas, gorros, luvas, pesadas botas, meias de lã. Às nove horas, quando mais encrespadas se mostravam as águas da baía, começaram a descer no porto entulhado de navios de toda espécie, a maioria estadunidenses, ou de: dezenas de outros, agora apenas calcinados esqueletos de ferro, alemães e italianos, postos fora de combate pelas bombas dos Aliados.
Tudo parecia deslumbramento: as casas partidas ao meio, os meninos andrajosos do porto, que me estendiam suas mãos magras e súplices, o emaranhado dos fios telegráficos que se enrolavam nos postes como cobras, as mil tabuletas em inglês avisando, ordenando e orientando.
Nenhum daqueles homens, fardados ou à paisana, conquistados ou conquistadores, nenhum tinham motivo para conceder um gesto amigo. A bagagem era pesada, o frio era cortante, um céu duro, indecifrável, asfixiante.
Ambulâncias se enfileiravam no cais, descarregavam feridos. Bandos de soldados ruidosos, meio bêbados, enchiam as ruas. E quando veio a noite – a primeira – veio completa, definitiva, camadas e mais camadas de treva e de nevoeiro. Vozes e ruídos vinham da escuridão, indistintos, como um marulhar. Mulheres sorriam como autômatos, num exagero de batom, algumas vestidas apenas com os pesados casacos que as cobrem. Na praça de canteiros já sem forma, a estátua eqüestre de um herói qualquer havia perdido um pedaço do pedestal, agora transformado numa disforme ferida de cimento. Tudo parecia estar maduro, à espera da morte.