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FEB – A Morte de Frei Orlando

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O Capitão Capelão Frei Orlando

Fevereiro é um mês assinalado nas festividades da Força Expedicionária Brasileira, porque foi quando as nossas tropas iniciaram o assalto definitivo ao Monte Castelo.

Os alemães, entretanto, julgavam-no intransponível, tamanha a sua resistência e tão bem preparada as suas fortificações. A guerra teria seu epílogo. Não se pode fugir aos episódios reais de um acontecimento, quando, tentando descrevê-los para a posteridade, os passamos para as páginas dos livros. E sendo assim não é ficção, mas o retrospecto vivo, autêntico, dos fatos acontecidos na Segunda Guerra Mundial.

Daí a forma com que, muitas vezes, ressaltamos a bravura de muitos companheiros, que, armas na mão, souberam honrar e enaltecer a FEB, mas, sobretudo, a nossa Pátria. Entre eles, está Frei Orlando!

Enquanto tomavam às posições, nos Apeninos onde o inverno, já ia declinando, mas onde também continuava sem trégua a luta. Em 19 de fevereiro de 1945. Tanques, jipes, carros de assalto, canhões de todos os calibres cruzavam as estradas, protegidos pela cortina de fumaça. O movimento empreendido revelava, claramente, os preparativos para o ataque ao Monte Castelo, que os alemães julgavam intransponível. Mas, assim como a célebre Linha Maginot, de que tanto se orgulhavam os franceses, Monte Castelo também ruiria com o término do inverno.

Aos nossos inimigos a iminência do ataque não passava despercebida, por isso que, ininterruptamente, martelavam as posições brasileiras, tentando desarticular seus movimentos. Pelas imediações do “Gigante de Pedra”, defendido com unhas e dentes, concentravam-se todas as forças brasileiras em ação, cabendo ao 1º Regimento de Infantaria com apoio de algumas subunidades do 11º e do 6º RI, assaltar o reduto duramente defendido. O 1º Batalhão reunia-se na região de Sila e o 2º lançava-se diretamente ao ataque, para apoio iminente.

Assim descreveu os acontecimentos, o Coronel Rui Leal Campelo, integrante do 1º RI:

Corriam os primeiros dias do já distante mês de fevereiro de 1945. A tropa da 1ª Divisão Expedicionária, incorporada ao IV Corpo do V Exército Estadunidense, aguardara, com cansativas e penosas vigílias, o escoamento daqueles árduos e enregelados dias do inverno de 1944-1945. Cumpria-lhe, agora, passar à ofensiva, como parte do plano estabelecido pelo Comando Aliado do Grupo de Exércitos que operava na Península Itálica, destinado a romper a Linha Gótica, capturando os escarpados maciços de Capel Buzzo – Monte Gorgolesco – Capela de Ronchidos -Monte Castelo – Monte Dela Torraccia, que uma vez conseguido, abriria o caminho da rota 64, colocando nas mãos dos aliados o importante ponto chave da Cidade de Bolonha.

O uniforme brasileiro parecia pela cor com o alemão, apesar das providências tomadas para que a tropa atacante utilizasse a jaqueta estadunidense, de cor cáqui a fim de melhor identificá-la. Felizmente isto é contornado, sendo indicada aos estadunidenses a direção da estrada principal para onde conduzem eles, logo após, alguns prisioneiros alemães, fazendo com que os últimos transportem, em uma lona de barraca alemã, um infante estadunidense ferido.

As ações e os movimentos se sucedem, com grande rapidez e mesmo perfeição. O comportamento da tropa atacante podia-se assemelhar, a essa altura, ao de uma infantaria executando manobra em campo de instrução. Monte Castelo começa a ser abordado e o escalão de ataque toma pé, incontinente, nas alturas 977. Súbito, um foguete luminoso corta os ares, sendo assinalado, pelos postos de observação. E três estrelas verdes, que no código de sinais significavam objetivo conquistado, são vistas por sobre o compartimento de ataque.

Eram os primeiros elementos que atingiam a crista e apontavam pela utilização desse artifício, a direção dos companheiros do escalão de apoio, por isso que, rapidamente, a escuridão faria sentir seus efeitos tão temerosos nessas circunstâncias. Os alemães, duramente batidos pelos fogos de artilharia de apoio e pelo vigor da manobra executada pelos atacantes, ainda conseguem evacuar a região, apoiando-se na resistência de La Torraccia já entestada pelos estadunidenses. Companhias de Fuzileiros coroam, finalmente, o objetivo, porém mais um esforço ainda deveria ser despendido. Todos, do capitão ao volteador, organizam um terreno e cavam suas trincheiras, pois só assim estariam em condições de assegurar a posse das alturas conquistadas e fazer face a um contra-ataque alemão, sempre esperado.

Uma pausa às declarações do Coronel e vamos dizer o que se passava nas linhas do 11º RI, antes da queda definitiva do Monte Castelo. Vamos caminhar com Frei Orlando rumo à lamentável tragédia.

Conforme nos foi dado ver, linhas acima iam encarniçando o ataque ao referido Monte. As notícias que nos chegavam diziam da impetuosidade dos nossos companheiros galgando resolutamente as  posições a serem atingidas. Mas, por outro lado, afirmavam, as perdas são sensíveis. Muitos feridos, muito sangue, dores, gemidos.

Frei Orlando vendo o que se passava, ficou preso de profunda emoção e a todos externava que iria mais para frente, onde os nossos soldados misturavam seu sangue com a neve em degelo. Ao longe, na garupa do Castelo, o divisava os aviões brasileiros e estadunidenses despejando toneladas e mais toneladas de bombas, enquanto a fumaça ia subindo em rolos densos. Crepitava a tralha, espocavam os morteiros e rugiam armas de toda espécie.

O 1º RI, apoiado pelo 11° regimento ataca furiosamente. Os alemães, que menosprezavam as possibilidades das tropas brasileiras, agora estavam ali naquela agonia, sob o impacto tremendo dos bombardeios e do ataque, sentindo o peso da força, a pressão do avanço e, sobretudo, da coragem dos pracinhas. Percebiam, deviam perceber que, tendo em vista o ataque, a sua derrota seria iminente, incontrolável, dependendo apenas de tempo.

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O Capelão Frei Orlando percorria sempre em um jipe, a linha de frente.

O capelão ajustou seu equipamento, apanhou o estojo de hóstias e saiu morro acima, galgando as estradas. Antes, porém, teve quem tentasse persuadi-lo a desistir do intento, mostrando-lhe o perigo a que se expunha. Teimoso como sempre, saiu vingando as elevações no sopé do Castelo. Subindo aqui, descendo ali, ocultando-se, ora às vistas inimigas, ora dos tiros de artilharia, marchava resoluto, a fim de levar consolo e conforto espirituais aos que morriam na operação do ataque desfechado. No meio do caminho, tentou galgar as posições da 6ª Companhia rumo a Docce, itinerário recomendado pelo seu Comandante de Batalhão, Major Orlando Gomes Ramagem. Quando se encontrava a 300 metros, aproximadamente, de Bombiana, passa por ele um jipe. Inteirado da direção da viatura, nela tomou lugar, tendo por companheiros o Capitão Francisco Ruas Santos, o Cabo Gilberto Torres, motorista, uma praça do 2º Batalhão do 11° Regimento e um sargento italiano, dos postos à disposição da tropa brasileira, para os serviços de transporte em montanhas. O Coronel Ruas, escritor-militar, assim descreve, a continuação da viagem, até o desfecho trágico e imprevisto:

“Frei Orlando, em caminho, depois de dizer o que fizera pela manhã, e o que ainda pretendia fazer, falava de uma irradiação feita pelos holandeses livres, para a parte ocupada do seu País. A uma observação qualquer, ainda soltou uma de suas costumeiras gargalhadas. O jipe marchava lentamente, subindo e descendo as elevações, quando, de repente, pára imobilizado por uma pedra. Prendia esta o eixo dianteiro. Os passageiros conseguem retirar a viatura que é posta a alguns metros além da pedra fatídica.”

“Tomo a manivela do jipe e me esforço para removê-la. O sargento italiano, no intuito de ajudar-me, curva-se junto à pedra e também tenta retirá-la com violentas coronhadas de sua carabina. Esta dispara e Frei Orlando, que se encontrava parado a uns 3 metros, é atingido pelo projétil. Solta um grito, leva a mão ao peito, dá alguns passos à frente, tirando ao mesmo tempo do bolso do casaco o seu terço e balbuciando, às pressas, uma Ave-Maria. Corro para ele e o faço deitar-se à margem do caminho. A oração, apenas começada, é abafada pelo ofegar da agonia. Tudo isso, desde o fatal disparo, dura dez segundos. Retorno rapidamente à Docce, em busca de socorro médico e trago o Capitão João Batista Pereira Bicudo, facultativo do Batalhão. Este pode apenas verificar achar-se morto o Capelão, desde o momento, talvez, que acabara de ser deitado à margem do caminho. O italiano, abraçado ao corpo do Capelão, chorava e se lamentava. Um pastor das redondezas, na sua natural indiferença, contemplava esta cena. O médico descobre-se, persigna-se e reza pela alma de Frei Orlando, no que é seguido por mim e pelo cabo.”

Eram, aproximadamente, 14 horas do dia 20 de fevereiro de 1945! No Monte Castelo, as bombas estouravam, porque a cidadela nazista ainda não havia caído!

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O Capelão Frei Orlando pregando.

Sobre Andre Almeida

Ex-militar do exército, psicólogo e desenvolvedor na área de TI.Sou um entusiasta acerca da Segunda Guerra Mundial e criei o site em 2008, sob a expectativa de ilustrar que todo evento humano possui algo a ser refletido e aprendido.

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1 comentário

  1. Wandemir Guimarães

    Estive em férias na Europa com minha família em julho de 2010. Nessa ocasião, pude visitar de carro as estradas e localidades no interior da Itália por onde a FEB empreendeu sua luta terrível para contribuir com a libertação do mundo das garras do nazifascismo. Em Pistóia, visitando seu campo santo, morada dos nossos BRAVOS que não voltaram para a terra natal, estivemos (emocionados) junto a lápide que marca a sepultura de Frei Orlando.Vida eterna aos que ” se dedicaram ao serviço da Pátria com o sacrifício da própria vida”.

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