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FEB – A Perda de um Amigo – Depoimentos III

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O Sargento Quinol nos ouvia. Era diferente dos outros. Era amigo! Olhava as fotos das namoradas dos outros com respeito, mostrava sempre a foto da noiva dele, a Jacira! Se alguém estava com pé de trincheira ou gripe, ele parecia um pai; ia lá me chamava: “Bozzetti, leva esse remédio pro Goulart! Ele não tava bem ontem,sabe?! Vocês têm que se cuidar!” Ia na barraca do setor de curativos; ia de cama em cama… Encorajava os homens! Não se furtava da luta! Saía na frente! Era um bravo e foi condecorado como bravo!

Uma vez se viu encurralado nas ruas de Camaiore e sozinho atraiu o fogo do inimigo para desviar a atenção e facilitar a evacuação da retaguarda com três feridos, um dos quais carregados por mim e pelo Ávila. O Sargento Quinol arregaçou as mangas às 2 da manhã e foi nos ajudar a cavar uma vala para enterrar a fiação do rádio! O Sargento Quinol conversava comigo e com os outros e nos dava coragem… Dava-nos esperança!

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A Itália destruída pela Guerra

Os Sargentos estavam no cassino dos graduados no Rio e o Quinol tava lá no meio da tropa, no meio da soldadama! Num dia infeliz, no início do inverno, ele estava conosco fumando um cigarro estadunidense e se gabando: “Viram? Agora ganhamos esses aqui, ó! Lucky Strike! É um privilégio dos melhores da Companhia!” Estávamos esperando o Pelotão Caça-Minas que ficara preso no tráfego da estrada que dava acesso a Fornuovo. À frente tínhamos um provável campo minado… Horas antes, um companheiro saiu para buscar o cantil que caiu e explodiu! Foi pelos ares, meu Deus do céu! Sumiu, só ficou o capacete! Que coisa monstruosa é ver um homem morrer assim! A estrada era estreita e fazia uma encruzilhada que ia para Pisa, Bolonha; numa placa dizia “Roma”! Então, tínhamos que evitar o avanço a pé, sem cobertura de Artilharia num terreno estreito e perigoso… Tava cheio de alemães ali perto. Saímos pelo campo, na subida de uma elevação do terreno e lá, justamente lá, estava minado! E lá paramos para esperar os caça-minas. O Capitão Lucena disse: “Vão ter que parar! Mas manda uma patrulha pra certificar que não tem ninguém na cerca viva! Vão pelo lado da vala, ali não tem mina...” O Sargento Quinol pegou três elementos e foi. Foi e voltou, vasculhou a área e estava tudo certo! Aí atiraram na gente… Lá do outro lado, atiraram! “No chão, no chão, no chão, vamo, vamo!!” disse ele. Eu corri uns 15 metros e me abriguei do lado do Abílio: “O que foi?” – “Não sei, ué! Atiraram de lá! Fica aí...” – “Ô Djalma, que foi isso?” – “Atiraram! Atiraram na gente!” Quando o Cabo Cruz levantou e disse “Limpo!” o Quinol correu junto comigo, o Abílio e o Djalma… Eu saí logo atrás e ouvi uma explosão! Todo mundo se jogou no chão e logo levantou de novo… O sargento havia desaparecido de nossas vistas! – “Quinol? Ô Quinol??” Eu fui o primeiro a chegar até ele. Havia metade do corpo… Havia a farda ensangüentada, o capacete perto dali… Não tinha mais o que fazer, coitado… Eu rezei um Pai Nosso que foi acompanhado pelos outros três que estavam ali! Todos nós choramos… E assim tombava o nosso grande amigo e líder, Sargento Quinol… Que Deus o tenha, coitadinho!

O Quinol era daqueles homens que não tinham que ir para guerra! Era inteligente, tinha estudo, era de boa família! Ele nos explicava porque existia aquela Guerra e porque estávamos ali! Ainda lembro dele sorrindo e tirando foto abraçado numa italiana e debochando da própria italiana! Lembro dele ateando fogo no coturno do Djalma por causa do chulé, nos tempos de treinamento no Rio! Morreu estupidamente… Deixou de viver uma vida toda pela frente! Que a geração de vocês nunca esqueça esses homens! Nunca!

Pedro Bozzetti – Ex-Combatente Soldado – 1º RI – FEB

Sobre Andre Almeida

Ex-militar do exército, psicólogo e desenvolvedor na área de TI.Sou um entusiasta acerca da Segunda Guerra Mundial e criei o site em 2008, sob a expectativa de ilustrar que todo evento humano possui algo a ser refletido e aprendido.

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