A bordo os soldados haviam treinado a lavar a própria roupa. Mas ninguém se acostuma com o que é ruim e logo contatou as lavadeiras italianas, a que delegaram esse agradável mister. As “lavandaie” iam buscar a roupa no acampamento e preferiam o pagamento em “robba dà mangiare” ou “cigarette” e era indispensável o fornecimento de sabão, coisa que havia desaparecido do mercado italiano.
Além da freguesia da roupa, havia outra grande freguesia. Eram crianças, mulheres e velhos que iam buscar as sobras do farto rancho. O brasileiro, com sua índole bondosa, se penalizavam em ver a miséria daquela gente e, de bom grado, estabeleceram o fornecimento das sobras. Desde o primeiro dia nasceu espontaneamente a Liga dos “PM” – Porta-Mangiare -, instituição essa que funcionou sempre, em todas as unidades. Uns simpatizavam com as crianças, outros se apiedavam dos velhos e havia os que preferiam auxiliar as moças. A Liga dos PM tinha um serviço de entrega a domicílio e, após as refeições, sobretudo após o jantar, viam-se os membros da Liga saírem dos quartéis ou acampamentos, com embrulhos debaixo do braço, contendo vários petiscos para a “fiddanzata”, “carameli per i bambini” e “cigarette per Papa”.
O modo de se travar relações com as famílias era o mais variado, contando com as naturais facilidades que o ambiente de guerra proporciona. A cerimônia era abolida e o método direto era o mais aplicado, por ser prático e rápido. Inicialmente ninguém se conhecia nas vilas e cidades onde as tropas chegavam, de maneira que não podiam esperar as apresentações de estilo. Qualquer incidente servia de pretexto para o início de uma relação e não faltavam motivos para incentivar uma camaradagem.
De todas as unidades da FEB houve duas que se sobressaíram pela rapidez de infiltração entre as famílias italianas – foram à Companhia de Manutenção e a Banda de Música. Esta última era assombrosa. Vinte e quatro horas depois de chegar a Banda em qualquer lugar já se podiam ver os músicos inteiramente à vontade nas casas da vizinhança, “de dentro”, como se fossem velhos conhecidos. Talvez a afinidade pela arte lhes valesse como uma apresentação e o simples fato de passar com um trombone ou um violão sob o braço atraísse a atenção e simpatia, abrindo-lhes as portas. Naturalmente eles logo aprenderam a falar “Io sono un musicista”. O resto era fácil. Diziam mesmo que, se deixassem, a Banda se infiltraria pelo norte acima e tomaria Bolonha muito mais depressa do que a Infantaria.
Solidariedade em Tempos de Guerra
Houve um integrante da FEB que levou umas latas de leite condensado do Rio, como reserva para algum aperto. Chegando lá, porém, ele se convenceu de que não teria oportunidade de precisar de suas latas, pois nos forneciam bastante leite. Resolveu vende-las a algum italiano ou trocá-las por alguma mercadoria. Ofereceu-as numa loja a uma senhora, que lhe deu o endereço de uma parenta, que estava com criança pequena, precisando de leite e que pagaria bom preço. Chegando ao tal endereço, esse soldado teve uma surpresa. Era uma pobre família. O pai da criança havia desaparecido com a guerra, não se sabendo de seu paradeiro. A mãe, muito magra e pálida, morava em companhia de seu pai, um velho cego, que andava guiado por um cão policial. Diante daquela cena, o soldado resolveu dar as latas de presente, desistindo da negociata que pretendia fazer. E ainda prometeu levar pão e açúcar, o que fez durante muitos dias, entrando para a Liga dos PM. Os que o viam sair com o embrulho debaixo do braço, caçoavam com ele, calculando que seria para alguma “bella signorina”. Porém a sua bondade era para com um pobre cego e uma anêmica e desnutrida mãe, com o filhinho ao colo.