“Lá vem peixe – Lá vem tu-tu-tu”
O que chama a atenção no início, a bordo, são as freqüentes ordens transmitidas a todo o navio pelos inúmeros alto-falantes, em inglês para os estadunidenses e em português para os brasileiros.
As ordens são precedidas por um agudo silvo. Os soldados logo aprenderam que depois do apito viria uma novidade e gritavam: “Lá vem peixe, lá vem peixe!”
Uma das ordens mais comuns em inglês era para este ou aquele oficial ou marinheiro telefonar para o telefone 222, terminando as ordens pelo infalível “two-two-two”. Nossa rapaziada achava graça naquela história e gritava: “Lá vem o tú- tú-tú! Olha o tú-tú-tú!”
“Lixo, Lixo”
Muitos soldados se divertiam na popa do navio, formando duas alas entre as quais passavam os marinheiros, encarregados de levar o lixo para o depósito. Os pracinhas gritavam: Lixo, lixo! Dizendo outras palavras inventadas, fingindo que falavam inglês.
Os estadunidenses achavam graça e pensavam que lixo queria dizer “abram passagem” ou cousa parecida. Na volta os próprios estadunidenses vinham gritando também: “Lixo, lixo!”
Confusões
Houve muitas confusões interessantes, entre brasileiros que não sabiam falar bem o inglês e estadunidenses que sabiam o português.
O nosso dentista do QG, o Tenente Paulino de Meio, estava comendo um bombom, perto de um estadunidense. Querendo ser amável e não sabendo ao certo como era bombom em inglês, disse assim: “Want you good-good?” Ao que o estadunidense lhe respondeu em ótimo português: “Não obrigado, não gosto de bombom”.
Outra foi com o Sargento Enfermeiro Menésio dos Santos, que desejava visitar a enfermaria de bordo. Dirigiu-se à sentinela, com a frase já engatilhada: “Permit I visit the enfermar?” Respondeu-lhe a sentinela, que havia passado vários meses no Rio de Janeiro: “Não pode ser, cai fora”.
O General mais temido
O General mais temido por todos nunca foi visto, mas… Quando ele se anunciava por uma estridente campainha, todos corriam para os postos de combate, apertavam seus salva-vidas, apanhavam os bornais e cantis, paravam de comer, de conversar, de qualquer cousa que estivessem fazendo, ficando silenciosos e imóveis, aguardando suas ordens.
Era o “General Alarm”, cujo nome figurava em tabuletas vermelhas, colocadas embaixo de campainhas também vermelhas, espalhadas por todo o navio. Sabíamos bem que esse general era da mesma família do grande General Motor-Car e General Eletric, mas agradava-nos a brincadeira de considerar o “Alarme Geral” como um lendário general que comandava o navio em certas horas.
Enquanto o estridente General Alarm se anunciava em horas marcadas para os exercícios de combates e salvamento, ainda era recebido com respeito e certa benevolência. O que ninguém desejava era sua aparição intempestiva, em hora não combinada, sobretudo à noite, o que poderia significar alguns aborrecimentos em nossa amena e tranqüila viagem.
É um Infeliz…
No regulamento de bordo existe um item referente ao indivíduo que por descuido – ou de propósito… – caia ao mar, que está assim redigido: “0 homem que cair ao mar é um infeliz, pois o navio não pára afim de recolhê-lo”.
A disciplina do navio era também rigorosa no que dizia respeito à freqüência do refeitório, para o que foram distribuídos cartões, que cada qual devia exibir para entrar na sala de refeições. Se algum pracinha perdesse o cartão, não teria direito à refeição. Surgiu logo uma piada sobre isso: “Qual a semelhança entre o homem que cai ao mar e o que perde o cartão do refeitório?” A resposta era: Ambos são infelizes.
O “Nabisco”
O jantar que nos serviam era bem brasileiro, mas o almoço tinha cunho genuinamente estadunidense, cheio de iguarias desconhecidas para nós.
No primeiro almoço nos foi servido certo “Nabisco Shredded Wheat”, que é uma espécie de biscoito de farinha de trigo, porém apresentado sob forma de um fio enrolado sobre si mesmo, como se fosse uma bobina, e muito seco e duro, parecendo palha sintética. Os comentários surgiram inúmeros, não só quanto ao nome Nabisco – iniciais da “National Biscuit Company” -, que ficou célebre, como em relação ao gosto, apresentação e modo de ser comido.
O Dr. Sá Nogueira, 1º Tenente Médico do Batalhão de Saúde, que era médico civil em São Paulo, atrapalhou-se seriamente com o Nabisco. Ao abrir o pacote, deu com o rolo de palha seca. Não teve dúvida. Salpicou de açúcar e provou. Não gostou. Experimentou outra porção com manteiga e sal. Também não ficou bom. Colocou um pedaço puro na boca . Piorou muito. Ia desistindo de comer o malfadado Nabisco, quando o Capitão Médico Dr. Álvaro Pais, que já havia estado em Norte América, explicou-lhe que aquilo era para ser embebido em leite, com o qual formava uma papa saborosa.
Noutros almoços vieram novas modalidades de Nabiscos, o “Corn Flakes”, o “Rice Krispies”, etc., que foram agradando a este ou aquele paladar. Já então todos sabiam que era para se fazer a papa e ninguém mais queria comer o Nabisco seco.