FEB – O Cotidiano dos Pracinhas – Parte II

Tendo chegado à Itália no outono, e combatido durante todo o inverno de 1944-45, que foi especialmente rigoroso, o pracinha teve uma grande dificuldade em se adaptar ao frio. Apesar de o equipamento estadunidense ser considerado de boa qualidade, houve muitos casos de “pé de trincheira”, e os soldados tentavam aquecer-se por todos os meios. Lutando tanto contra os alemães quanto contra uma temperatura que chegava a -20º, os pracinhas passaram maus momentos durante o período conhecido como a “defensiva de inverno”, entre dezembro de 1944 e fevereiro de 1945, quando o frio praticamente impediu qualquer operação em larga escala. Durante o inverno, o soldado brasileiro, mesmo desacostumado com o clima, soube, como é característico de um soldado que já adquiriu alguma experiência em combate, improvisar com o material que tinha à disposição. Um exemplo foi ter continuado a usar as galochas, equipamento padrão para as chuvas do outono, durante o período de inverno. Forradas com palha e jornal, as galochas forneciam uma proteção mais eficiente que as apertadas botas regulamentares, poupando muitos soldados do pé de trincheira, sendo que o número destes casos na FEB foi mesmo menor que entre os americanos, teoricamente mais bem adaptados ao frio europeu. Seja como for, enfiados em seus abrigos e trincheiras, os pracinhas resistiram ao inverno para retomar a ofensiva em 1945 e lutar até o final da campanha italiana. Rubem Braga descreve como era a vida em trincheira no final de dezembro de 1944:

Um foxhole não é, normalmente, um lugar muito confortável. É, afinal de contas, um simples buraco no chão. Durante os meses do outono, o pior inimigo do soldado era a chuva. Agora, que o inverno entrou, não chove, mas neva. E Mestre Pracinha aprende a se defender da neve. Aboliu as botinas: usa só os galochões, que enche de feno, de panos, de papel. Seu novo capote é forrado de pele – e ele procura forrar também com alguma coisa o seu foxhole. Arranja madeira, quebra galhos das árvores nuas, carrega feno – e medita. Organiza lentamente, através de erros e experiências, a sua defesa. Estive em dois foxholes em que funcionavam esses sistemas improvisados que visam impedir que um homem fique com os pés metidos na água gelada ou, de qualquer modo, sinta mais frio do que é necessário a quem tem que passar uma noite ao relento a uma temperatura de dez graus abaixo de zero.

A rotina dos pracinhas, quando longe da linha de frente ou nos momentos em que estava livre do contato direto com o inimigo, era como a de qualquer exército em combate.

A manutenção do equipamento pessoal e a dos veículos, a faxina constante dos acampamentos e o treinamento contínuo, necessário para manter a prontidão e o moral, eram quebrados por momentos de relaxamento como a confraternização com a população das pequenas cidades italianas libertadas pelo caminho da FEB em direção ao norte da Itália ou a tão esperada entrega da correspondência.

Era preciso que a gente aí do Brasil assistisse a uma distribuição de correspondência aqui para ver o quanto vale uma carta. “Chegou correio” é uma frase que mobiliza mais gente que qualquer ordem de general aliado ou inimigo. A cara do sujeito que não recebe carta nesse dia é uma cara de náufrago. O sujeito se sente abandonado numa ilha deserta – e nunca faltam outros sujeitos que, sem ligar para a sua amargura, ainda vêm lhe mostrar fotografias que receberam ou ler trechos de cartas que acham muito engraçadas ou comoventes – e que não comovem nem fazem rir de modo nenhum o pobre esquecido.

E assim decorriam os dias dos pracinhas durante a campanha na Itália. A maioria das pessoas acredita que uma guerra é feita de combates incessantes, dia após dia, mas a verdade é que a maior parte do tempo é passada em espera. Espera-se e trabalha-se para manter uma determinada posição, com vigília e patrulhas periódicas, e de repente, sem aviso prévio, chega a ordem para avançar.

Seguem-se horas e dias de combate, com maior ou menor intensidade, e após o avanço, uma nova espera. Isto se deve à necessidade de transportar e entregar suprimentos, como combustível, comida e munição, entre outros, pois um exército não pode correr o risco de romper sua linha de suprimentos. Além disso, é preciso garantir  com segurança o território conquistado, reposicionando unidades de apoio, comando e artilharia.

Durante a maior parte do tempo, a guerra é rotina e trabalho, repetitivo e pesado, fato que jamais é mostrado nos filme e romances. O caso da FEB não era exceção. Fosse na retaguarda, ou na linha de frente, onde o pracinha passava a maior parte do tempo enfiado em sua trincheira, castigado pelo fogo de artilharia inimigo, e sob a expectativa constante de um ataque, o pracinha, quando não estava em patrulha, passava a maior parte do tempo tentando se aquecer e se manter seco.

A guerra na Itália foi marcada por operações táticas de pequena escala, devido ao terreno montanhoso, que impedia a utilização de unidades mecanizadas, e às condições climáticas do final de 1944 e início de 1945. Após um outono com muita chuva, o inverno foi anormalmente frio, com muita neve, fazendo com que o avanço das tropas fosse extremamente lento e penoso. A maioria dos combates ocorria na forma de pequenas escaramuças, quando do encontro de patrulhas inimigas, ao invés das batalhas envolvendo grandes contingentes que ocorriam nas frentes orientais e ocidentais.

A FEB enviou 25334 homens à Itália. Encerrou sua participação na guerra como parte da força de ocupação da Itália até o dia 3 de junho de 1945, 26 dias após o dia da vitória aliada na Europa. Se levarmos em conta, conforme lembra o correspondente Rubem Braga, a má seleção física e mental e o mau preparo técnico e psicológico da tropa, além da sabotagem que partia do próprio Ministério da Guerra, em virtude da ambígua posição do governo Vargas, os pracinhas tiveram um desempenho acima do que seria sensato esperar, pois apesar de todos os reveses, souberam adaptar-se e superar as imensas dificuldades encontradas numa campanha para a qual não estavam de forma alguma preparados.

Sobre Andre Almeida

Ex-militar do exército, psicólogo e desenvolvedor na área de TI.Sou um entusiasta acerca da Segunda Guerra Mundial e criei o site em 2008, sob a expectativa de ilustrar que todo evento humano possui algo a ser refletido e aprendido.

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