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FEB – O Embarque

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A história daquela jornada de 30 de junho de 1944 bem merece um capítulo à parte. De um lado, o Comando e o Estado-Maior da 1ª Divisão Expedicionária, no seu trabalho sigiloso, cometiam uma pequena traição com os seus comandados divisionários, mantendo-os no desconhecimento da data da partida.

Sendo assim, não houve a emoção da despedida aos que deixaram os lares e os quartéis para um período de exercícios, quando na realidade estavam marchando para uma longa separação ou, quem sabe mesmo, para nunca mais voltar. Nada de “adeus”, nem de lenços brancos. A saudade viria depois.

Podia parecer que se tratava de uma violência, uma coação contra militares de uma Nação livre que, de outra forma, se recusariam a seguir rumo ao desconhecido. Entretanto, este aspecto foi superado pela preponderância absoluta do interesse da segurança da partida, ante a intensa espionagem nazista e o perigo da tocaia dos submarinos do Eixo, agravada pela falta de educação psicológica do povo, naquela emergência.

embarque02Por outro lado, até mesmo aos que compunham o Estado Maior Especial que planejou o embarque, foi ocultado que o ponto de primeiro destino era o próprio Teatro de Operações da Itália, e não o Norte da África, como acontecia com as Divisões Estadunidenses que se destinavam ao Mediterrâneo, e como havia sido combinado com o General Mascarenhas, quando de sua visita ao Comando do Teatro do Mediterrâneo. Com essa decisão mantida em segredo, ficava toda a tropa do 1º Escalão da FEB exposta a ingressar quase que no campo de batalha, completamente desarmada, e desconhecendo grande parte das armas e equipamentos com que teria de combater. O sigilo imposto impediu que trocasse idéias com o Estado-Maior. Foi, afinal, o que se deu.

Não existia no Teatro de Operações, com a devida antecipação, um órgão nosso que nos aguardasse e tomasse as decisões, as quais somente depois de estarmos na Itália foram adotadas pelo Comando da tropa. A visita prévia do General Mascarenhas não produzira o efeito desejado. Partiram sem portar qualquer instrumento de guerra. E chegaram ao Teatro de Operações da Itália de saco às costas, de mãos abanando e de fisionomia assustada.

Só uma circunstância nos confortava, ao grupo de Comando e do Estado-Maior Especial; é que, no âmbito das famílias e dos mais íntimos interesses, permanecia o mesmo sigilo que nos impedira de falar claro aos nossos comandados. Mais tarde foi sabido – o que, aliás, já se havia constatado nos Estados Unidos – que as Divisões partiam para os diversos Teatros de Operações na calada da noite, de surpresa. Anoiteciam nos estacionamentos, e não amanheciam.

Com raríssimas exceções, aqueles 6000 homens que, em comboios velozes partiam da Vila Militar, desde 20 horas daquele dia 30 de junho de 1944, ignoravam que dentro de minutos estariam num transporte de guerra. As medidas de segurança, drásticas e incisivas, estavam sendo cumpridas impiedosamente.

Responsável, acima de tudo, pela coordenação dos esforços de todos os elementos que dele dependiam, particularmente dos Chefes de Seção, recebia naquele momento a mais complexa das missões, absolutamente inédita no transcurso de nossa vida militar: Comandante da Área de Embarque, o que significa dizer, um supercomissário regulador de embarques. Parecia um exagero dar esta atribuição ao Chefe do Estado-Maior da Divisão. Todavia, a verdade é que a Área sob jurisdição direta dos dirigentes do embarque abrangia todo o Cais do Porto, desde a Ponte dos Marinheiros e Corpo de Bombeiros até a Praça Mauá.

A Divisão, desde 19 horas daquele 30 de junho passara a operar em três Grupamentos, em três direções diferentes. E até o momento da descentralização, quando cada unidade seguiu seu rumo e passou a operar por conta própria, o Estado-Maior Divisionário exercia o mais absoluto controle sobre o conjunto. A dissociação foi supervisionada pelo Chefe da 3ª Seção.

Os embarques na Vila Militar e o cruzamento ferroviário de Deodoro estiveram sob o controle da 4ª Seção e órgãos dos serviços, enquanto a 1ª Seção e seus adjuntos solucionavam os últimos problemas de efetivos.

A 2ª Seção coube o problema máximo: segurança da Área de Embarque e do próprio Embarque, dentro do mais rigoroso sigilo. Chefiou magistralmente esse Serviço o Tenente Coronel Amaury Kruel, oficial dotado de animo inquebrantável e energia férrea. Chamou a si todas as medidas policiais comuns, e ocupou a área com tropas do Corpo de Fuzileiros Navais que, entretanto, ignoravam a razão do aparato e das severas medidas adotadas.

A partir das 19 horas, houve interdição radical de transito, de veículos e de pedestres, entre o Corpo de Bombeiros e a Praça Mauá, com severa vigilância entre a Ponte dos Marinheiros e o Cais do Porto, pela Av. Francisco Bicalho. Naquele trecho foram abertas várias valas, com a remoção de paralelepípedos. As patrulhas de Fuzileiros cobriam toda a área, não transigindo com ninguém.

embarqueHouve, apenas, um incidente com um cidadão português que, dirigindo um automóvel, varou o bloqueio em grande velocidade, insurgindo-se contra os sinais que lhe eram feitos e que, segundo alegou, não compreendeu. Foi duramente metralhado, escapando, por milagre, de morte certa, pois seu veículo apresentava várias perfurações de bala que o obrigaram a parar. Aprisionado, foi conduzido à presença do Chefe da Segurança que o submeteu a intensos interrogatórios, permanecendo preso, no próprio Cais, até o dia imediato. Libertado pela manhã continuou ignorando as razões da violência.

Às 20 horas do dia 30, partiram da Vila Militar os primeiros comboios do Grupamento nº 2, rumo aparente de Nova Iguaçu. Carros fechados, venezianas arriadas, disciplina severa no interior das viaturas. Ao atingirem a estação de Deodoro os comboios recebiam novas ordens do Comissário aí destacado pela 4ª Seção; e com horário preferencial, partiam em grande velocidade para a estação marítima, ao invés de seguirem o rumo de Nova Iguaçu. Naturalmente, os que se encontravam no interior dos carros, ignorando os detalhes do percurso a fazer, sentiam na imaginação a aproximação de Nova Iguaçu, quando a realidade era outra.

Na procura da unidade espiritual, dentro de um EM improvisado, embora reunindo valores indiscutíveis, impunha-se evitar a hipertrofia de qualquer das Seções sobre as demais, que traria como conseqüência inevitável o desequilíbrio e a desarmonia.

Nos termos da organização do Exército estadunidense, que a FEB foi obrigados a adotar, a 3ª Seção dos Estados-Maiores, chamados Seção de Operações, goza de certa independência para entender-se com o Chefe diretamente, sobre operações. As próprias ordens de operações, assinadas pelo Comandante da GU, são referendadas e conferidas pelo G3 (Chefe da 3ª Seção), naquela organização. Todavia, não foram adotados esses preceitos no mecanismo de funcionamento do Estado-Maior da FEB. Preferiu-se ficar com a organização costumeira, em que a subordinação integral do EM era diretamente ao seu chefe orgânico, o Coronel Chefe do EM Divisionário, o que não impedia, entretanto, que em benefício do Serviço o Chefe da 3ª Seção fizesse entendimentos diretos com o comandante da DI. Mas, todas as ordens de Operações, em todas as fases da Campanha, foram sempre conferidas e referendadas pelo Chefe do EM Divisionário, como se pode constatar compulsando o próprio arquivo das Operações da FEB.

Sobre Andre Almeida

Ex-militar do exército, psicólogo e desenvolvedor na área de TI.Sou um entusiasta acerca da Segunda Guerra Mundial e criei o site em 2008, sob a expectativa de ilustrar que todo evento humano possui algo a ser refletido e aprendido.

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1 comentário

  1. Não é um comentário. Eu tenho acesso ao Diário de um sargento que embarcou no terceiro escalão. Mas parece que este sargento – Humberto Buchemi – não participou dos grandes combates em que a FEB esteve presente.
    Você teria alguma informação sobre ele?
    Agradeço
    Ricardo

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