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Morte de Frei Orlando na Segunda Guerra, o Capelão da FEB

A Morte de Frei Orlando

Sobe um Santo ao Céu

Fevereiro é um mês assinalado nos anais da Força Expedicionária Brasileira, porque foi quando as nossas tropas iniciaram o assalto definitivo ao Monte Castelo. Os alemães, entretanto, julgavam-no intransponível, tamanha a sua resistência e tão bem preparadas as suas fortificações. Mas, Deus não nos desamparava. A guerra teria seu epílogo. Não se pode fugir aos episódios reais de um acontecimento, quando, tentando descrevê-los para a posteridade, passamo-los para as páginas dos livros. E este livro não é assunto de ficção, mas o retrospecto vivo, autêntico, dos fatos desenrolados na Segunda Guerra.

Frei Orlando

Daí a forma com que, muitas vezes, ressaltamos a bravura de muitos companheiros, que, armas na mão, souberam honrar e enaltecer a FEB, mas, sobretudo, a nossa Pátria. Entre eles, pelas suas qualidades, suas virtudes da alma, está Frei Orlando! Verdade é que a nossa luta já está esquecida, em parte, mas ficará como exemplo às porvindouras gerações. Como nos ficaram os heroicos acontecimentos da Guerra do Paraguai. Wilson Ramos, o primeiro que se sacrificou nas fileiras do nosso Regimento; Orlando Randi, que morreu empunhando uma bandeira nazista, arrebatada em pleno combate; Max Wolf Filho, o terror dos tedescos; Arlindo Lúcio da Silva, Geraldo Rodrigues de Souza e Geraldo Baeta da Cruz, os “três heróis brasileiros” – expressão dos alemães que os enterraram após determinado combate; Ary Rauen, Ruy Lopes Ribeiro e outros bravos entre os que mais o foram, são, hoje, apenas, personagens de uma tragédia, que se perde na voragem dos anos. Outras guerras, frutos da maldade e incompreensão dos homens, já se vão desaparecendo do nosso pensamento, embora consignados nos livros. Outras tragédias bélicas, todavia, hão de vir.

 

(…) Vamos, agora, às nossas posições, nos Apeninos aonde o inverno, já ia declinando, mas onde também continuava sem trégua a luta.

19 de fevereiro de 1945. Tanques, jipes, carros de assalto, canhões de todos os calibres cruzam as estradas, protegidos pela cortina de fumaça. O movimento empreendido revelava, claramente, os preparativos para o ataque ao Monte Castelo, que os alemães julgavam intransponível. Mas, assim como a célebre Linha Maginot, de que tanto se orgulhavam os franceses, Monte Castelo também ruiria com o término do inverno. Aos nossos inimigos a iminência do ataque não passava despercebida, por isso que, ininterruptamente, martelavam as nossas posições, tentando desarticular os nossos movimentos. Pelas imediações do “Gigante de Pedra”, defendido com unhas e dentes, concentram-se todas as forças brasileiras em ação, cabendo ao 1º Regimento de Infantaria – Regimento Sampaio – com apoio de algumas subunidades do 11º e do 6º RI, assaltar o reduto duramente defendido. Nosso I Batalhão reúne-se na região de Sila e o II lança-se diretamente ao ataque, para apoio iminente. Eis como nos descreve, de forma fiel, o desenrolar dos acontecimentos, o Cel. Rui Leal Campelo, um bravo do 1º RI:

“Corriam os primeiros dias do já distante mês de fevereiro de 1945.

Frei Orlando celebrando Missa

A tropa da 1ª Divisão Expedicionária, incorporada ao IV Corpo do V Exército Americano, aguardara, com estafantes e penosas vigílias, o escoamento daqueles árduos e enregelados dias do inverno de 1944-1945. Cumpria-lhe, agora, passar à ofensiva, como parte do plano estabelecido pelo Comando Aliado do Grupo de Exércitos que operava na Península Itálica, destinado a romper a Linha Gótica, capturando os escarpados maciços de Capel Buzzo – Monte Gorgolesco -Capela de Ronchidos -Monte Castelo – Monte Dela

Torraccia, que uma vez conseguido, abriria o caminho da rota 64, colocando nas mãos dos aliados o importante ponto chave da Cidade de Bolonha. (…) O uniforme brasileiro assemelhava-se pela cor ao alemão, apesar das providências tomadas para que a tropa atacante utilizasse o ‘field-jacket’ americano, de cor cáqui a fim de melhor identificá-la. Felizmente isto é contornado, sendo indicada aos americanos a direção da estrada principal para onde conduzem eles, logo após, alguns prisioneiros alemães, fazendo com que os últimos transportem, em uma lona de barraca alemã, um infante americano ferido. As ações e os movimentos se sucedem, com grande rapidez e mesmo perfeição.

 

O comportamento da tropa atacante podia-se assemelhar, a essa altura, ao de uma infantaria executando manobra em campo de instrução. Monte Castelo começa a ser abordado e o escalão de ataque toma pé, incontinente, nas alturas 977. Súbito, um foguete luminoso corta os ares, sendo assinalado, pelos postos de observação. E três estrelas verdes, que no código de sinais significavam objetivo conquistado, são vistas por sobre o compartimento de ataque. Eram os primeiros elementos que atingiam a crista e apontavam pela utilização desse artifício, a direção dos companheiros do escalão de apoio, por isso que, rapidamente, a escuridão faria sentir seus efeitos tão temerosos nessas circunstâncias. Os alemães, duramente batidos pelos fogos de artilharia de apoio e pelo vigor da manobra executada pelos atacantes, ainda conseguem evacuar a região, apoiando-se na resistência de La Torraccia já entestada pelos americanos. Cias de Fuzileiros coroam, finalmente, o objetivo, porém mais um esforço ainda deveria ser despendido. Todos, do capitão ao volteador, organizam um terreno e cavam seus ‘fox-holes’, pois só assim estariam em condições de assegurar a posse das alturas conquistadas e fazer face a um contra-ataque alemão, sempre esperado.”

 

Aqui, agora, pedimos vênia ao Cel. Campelo (que tornou ostensiva, alhures, esta perfeita descrição do ataque ao Castelo, constituindo um valioso subsídio para os futuros historiadores) para que nos permita “fazer alto” na sua magnífica página. É que vamos dizer o que se passava nas linhas do 11º RI, antes da queda definitiva do Monte Castelo. E vamos caminhar com Frei Orlando rumo à lamentável tragédia. Conforme nos foi dado ver, linhas acima iam encarniçando o ataque ao referido Monte. As notícias que nos chegavam diziam da impetuosidade dos nossos companheiros galgando resolutamente as  posições a serem atingidas. Mas, por outro lado, afirmavam, as perdas são sensíveis. Muitos feridos, muito sangue, dores, gemidos. Frei Orlando vendo o que se passava, ficou preso de profunda emoção e a todos externava que iria mais para frente, onde os nossos soldados misturavam seu sangue com a neve em degelo.

 

Ao longe, na garupa do Castelo, o divisava os aviões brasileiros e americanos despejando toneladas e mais toneladas de bombas, enquanto a fumaça ia subindo em rolos densos. Crepitava a tralha, espocavam os morteiros e rugiam armas de toda espécie. O 1º RI apoiado como vimos pelo nosso regimento (11º RI) ataca furiosamente. Os alemães, que menosprezavam as nossas possibilidades, agora estavam ali naquela agonia, sob o impacto tremendo dos nossos bombardeios e de nosso ataque, sentindo o peso de nossa força, a pressão do nosso avanço e, sobretudo, da nossa coragem. Percebiam, deviam perceber que, tendo em vista o nosso ataque, a sua derrota seria iminente, incontrolável, dependendo apenas de tempo. Nosso capelão ajustou seu equipamento, apanhou o estojo de hóstias e saiu morro acima, galgando as estradas. Antes, porém, teve quem tentasse demovê-lo do intento, mostrando-lhe o perigo a que se expunha. Teimoso como sempre, saiu vingando as elevações no sopé do Castelo. Subindo aqui, descendo ali, ocultando-se, ora às vistas inimigas, ora dos tiros de artilharia, marchava resoluto, a fim de levar consolo e conforto espirituais aos que morriam na operação do ataque desfechado. A meio caminho tenta galgar as posições da 6ª Cia rumo a Docce, itinerário recomendado pelo seu Comandante de Batalhão, Major Orlando Gomes Ramagem. Quando se encontrava a 300 metros, aproximadamente, de Bombiana, passa por ele um jipe. Inteirado da direção da viatura, nela tomou lugar, tendo por companheiros o Capitão Francisco Ruas Santos, o Cabo Gilberto Torres, motorista, uma praça do II Batalhão do nosso Regimento e um sargento italiano, dos postos à disposição da tropa brasileira, para os serviços de transporte em montanhas. O Cel. Ruas, escritor-militar, assim descrevem, em documento valioso que nos enviou a continuação da viagem, até o desfecho trágico e imprevisto:

 

“Frei Orlando, em caminho, depois de dizer o que fizera pela manhã, e o que ainda pretendia fazer, falava de uma irradiação feita pelos holandeses livres, para a parte ocupada do seu País. A uma observação qualquer, ainda soltou uma de suas costumeiras gargalhadas. O jipe marchava lentamente, subindo e descendo as elevações, quando, de repente, estaca imobilizado por uma pedra. Prendia esta o eixo dianteiro. Os passageiros conseguem retirar a viatura que é posta a alguns metros além da pedra fatídica.”

 

E continua o Cel. Francisco Ruas Santos:

“Tomo a manícula do jipe e me esforço para removê-la. O sargento italiano, no intuito de ajudar-me, recurva-se junto à pedra e também tenta retirá-la a violentas coronhadas de sua carabina. Esta dispara e Frei Orlando, que se achava parado a uns três metros, é atingido pelo projétil. Solta um grito, leva a mão ao peito, dá alguns passos à frente, tirando ao mesmo tempo do bolso do casaco o seu terço e balbuciando, às pressas, uma Ave-Maria. Corro para ele e o faço deitar-se à margem do caminho. A oração, apenas começada, é abafada pelo ofegar da agonia. Tudo isso, desde o fatal disparo, dura dez segundos. Retorno rapidamente à Docce, em busca de socorro médico e trago o Capitão João Batista Pereira Bicudo, facultativo do Batalhão.

 

Este pode apenas verificar achar-se morto o Capelão, desde o momento, talvez, que acabara de ser deitado à margem do caminho. O italiano, abraçado ao corpo do Capelão, chorava e se lamentava. Um pastor das redondezas, na sua natural indiferença, contemplava esta cena. O médico descobre-se, persigna-se e reza pela alma de Frei Orlando, no que é seguido por mim e pelo cabo.”

 

“Maktub” tinha de ser, estava escrito. Só Deus, na sua alta sabedoria, pode explicar o porquê daquela imensa tragédia, tão brutal quanto imprevista, tão chocante quanto dolorosamente lamentada. Eram, aproximadamente, 14 horas do dia 20 de fevereiro de 1945! No Monte Castelo, as bombas estouravam, porque a cidadela nazista ainda não havia caído!

 

Tenente Gentil Palhares.

“Frei Orlando, o Capelão que não voltou”.

Sobre Andre Almeida

Ex-militar do exército, psicólogo e desenvolvedor na área de TI.Sou um entusiasta acerca da Segunda Guerra Mundial e criei o site em 2008, sob a expectativa de ilustrar que todo evento humano possui algo a ser refletido e aprendido.

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