Um elemento de grande importância, mas cuja avaliação objetiva era extraordinariamente difícil, pesava nas considerações anglo-americanas: a situação da França. A seu respeito, tudo podia ser afirmado. Era uma aliada, porque entrara em guerra ao mesmo tempo em que o Império Britânico e combatera ao lado deste até que o aniquilassem. Era uma inimiga, pois tinha convênios com Hitler e o chefe de seu governo, Pierre Laval, declarava que desejava a vitória da Alemanha.
Existia, sem dúvida, na França, um movimento popular, uma resistência ativa contra o ocupante, mas existiam também formas manifestas de colaboração. A própria resistência estava sujeita às mais contraditórias apreciações. As informações que chegavam sobre ela eram tendenciosas, tanto num sentido quanto noutro. A impressão de conjunto era uma confusão total.
Que julgamento fundado podia fazer os Aliados sobre um fenômeno de tantas faces? Que ajuda podia esperar na preparação e na execução de uma operação militar que, para os franceses, era, ao mesmo tempo, uma libertação e uma invasão?
De maneira geral, os grandes chefes aliados estavam céticos. O Marechal-do-Ar Sir Arthur Tedder, primeiro adjunto antes do desembarque, lhe pediam 25 dos seus 15.000 parelhos, para intensificar o fornecimento de armas, através de pára-quedas, aos maquis. Os 808 atos de sabotagem contra locomotivas, que a Resistência alegava ter praticado nos três meses de 1944, não eram levados a sério, e o realismo do Plano Verde, elaborado pelo BCRA, 571 ataques contra ferrovias no momento do desembarque, era posto em dúvida.
Era a mesma coisa no que se referia às possibilidades das Forças Francesas do interior, das quais o General Koenig havia sido nomeado comandante-chefe. Depois de trocas de argumentos, o SHAEF decidiu considerar a Resistência francesa como um bônus. Seriam acolhidos com gratidão os serviços que ela pudesse prestar, mas havia recusa em tomá-la em conta nas previsões das operações.
De Gaulle complicava o problema. Roosevelt teria provavelmente invadido a França metropolitana como tinha invadido a África do Norte francesa, sem que o general, desde então chefe de um governo provisório, fosse avisado disso. A insistência inglesa poupava-lhe esta omissão, mas, convocado a Londres no dia 4 de junho, De Gaulle começou a criar dificuldades.
Churchill escreveu a Roosevelt:
“Resmungou e reclamou, mas Massigli e outros ameaçam pedir demissão do Comitê de Libertação se ele recusar meu convite. Se vier; Eisenhower o verá durante uma meia hora e lhe exporá a situação unicamente do ponto de vista militar. Não acredito que possamos conseguir grande coisa de tudo isso…”.
A carta é enviada e logo o General, se apresenta todo irritadiço.
“Acabo de saber que, apesar de minhas advertências, o corpo expedicionário desembarcará na França com uma moeda fabricada no estrangeiro e que o Governo da República não reconhece absolutamente”.
De Gaulle achava que o general Eisenhower tomaria a França sob sua autoridade e a submeteria ao AMGOT (Allied Military Government Occupied Territories). E a isto se opunha com todas as suas forças. Ele representava a legitimidade. Recolocaria seu pé sobre o solo francês com o poder reconhecido pela imensa maioria da nação e era unicamente a ele que pertenceria o direito de fixar, com toda a soberania, as condições através das quais as autoridades e as populações francesas cooperariam com os Aliados.
A conversa foi áspera. Grandes memorialistas, quer dizer, ilusionistas da verdade, Churchill e De Gaulle a contavam em termos sensivelmente diferentes, mas não deixavam dúvidas sobre a violência do choque. Churchill ameaçava De Gaulle de mandá-lo voltar a Argel. Afirmava claramente que, tendo de escolher entre ele e os Estados Unidos, a Inglaterra se colocaria ao lado destes. De Gaulle declarava que compreendia bem a razão e conversa terminou ali.
Eisenhower estava em Southwick, perto de Brighton. Churchill levou De Gaulle até lá, no seu trem especial. Preocupações arrasadoras, uma terrível responsabilidade pesava sobre o comandante-chefe. O Dia D deveria ser no dia seguinte, quinta-feira, 5 de junho. Na véspera, centenas de navios estavam já no mar, quando, às 4h30min, as condições e previsões meteorológicas levaram Ike (contra a opinião de Montgomery) a determinar um adiamento de 24 horas. As perturbações que resultaram desta resolução, refletindo no mecanismo delicado do desembarque, foram alarmantes. As que resultariam, caso houvesse um novo adiamento, poderiam ser desastrosas.
Passado o dia 7, a primeira data propícia não se apresentaria antes de 19 de junho. Seria necessário desembarcar as tropas, entre as quais algumas que já haviam passado muitos dias a bordo dos transportes, em condições de extremo desconforto. Seria impossível manter as rigorosas medidas de isolamento, tomadas depois da última semana de maio, para a conservação do segredo. Novo adiamento obrigaria a uma reorganização completa do desembarque, poderia até levar ao abandono da operação. Por outro lado, um desembarque na tempestade poderia converter-se em desastre, repetindo, em proveito de Hitler, o milagre fatal à Invencível Armada…
No meio deste prodigioso dilema, era uma prova da grandeza de alma de Eisenhower receber o zangado general francês com uma urbanidade e uma paciência que irritou Churchill. Mas diante da cólera de De Gaulle qualquer encanto perdia o valor. Ele ouviu friamente a exposição do Plano Overlord, depois, ao receber comunicação da proclamação de Eisenhower à nação francesa, declara inaceitável o que chamou nas suas Memórias de Guerra “ce factum”. Cheio de elogios vibrantes ao Exército e à população francesa, o documento contém, efetivamente, duas frases de lesa-De Gaulle. São elas: “A obediência rápida e solícita às ordens que darei é essencial” e “Quando a França for libertada vós próprios escolhereis o governo sob o qual quereis viver…”
Havia sido combinado que o Rei da Noruega, a Rainha da Holanda, a Grã-Duquesa de Luxemburgo e o Primeiro-Ministro da Bélgica usariam da palavra sucessivamente, pelo rádio; depois, Eisenhower leria sua proclamação e, por fim, o General De Gaulle encerraria o cortejo das mensagens da libertação. Ele recusa: sua voz não se associaria à dos chefes de Estados e dos governos na saudação ao desembarque anglo-americano no solo subjugado da Europa. Ainda mais: os 200 oficiais de ligação franceses junto ao SHAEF deveriam ficar na Inglaterra. E, para acrescentar a todas as suas recusas um gesto simbólico de mau-humor, o Grande Dissidente rejeita um convite para jantar e recusa regressar a Londres no trem de Churchill.
Quando De Gaulle parte, a espera recomeça. O acampamento de Eisenhower, que consistia em algumas barracas e grupos de tropas, situava-se numa floresta encharcada de umidade, a 1.609 metros da Prefeitura Marítima de Southwick. O tempo concordava com o sombrio quadro dos meteorologistas: chuvas espessas e ventos de 25 a 31 nós. Todas as docas, de Plymouth e Newhaven, estavam cheias de uma multidão de navios que dançavam na água agitada. Ao largo, o mar estava fora de si. O Almirantado comunicou a todos os navegadores, sinais de tormenta.
Às 21h30min realiza-se nova conferência na biblioteca de Southwick. O chefe meteorologista, comandante de Grupo J.M. Stagg, da RAF, começa sua exposição sustentando que o desembarque no dia 5 – o que queria dizer, dentro de poucas horas – desencadearia um desastre. Agora, o mapa do tempo traduz ligeira tendência à melhora: o vento deverá moderar-se e o céu descobrir-se parcialmente. Acuado por perguntas, Stagg recusa outras promessas: “Se eu lhes respondesse, não seria um meteorologista; seria um adivinho…”
A ciência falou. Era a vez de a estratégia tomar uma decisão.
A Aeronáutica estava cética: os marechais Leigh-Mallory, comandante das forças aéreas, e Tedder, adjunto de Eisenhower, duvidavam que os bombardeiros pesados e médios pudessem ter papel satisfatório no estado em que se encontrava o céu. A Marinha estava ansiosa: o Almirante Ramsay advertia que a ordem de partida devia ser dada dentro de meia hora, pois, do contrário, os comboios ficariam na impossibilidade de respeitar o horário. O Comando das forças de terra estava mais confiante: Bedell Smith sublinhava o perigo de um adiamento para 19 de junho e Montgomery pronunciava-se de novo a favor da execução. Dadas as opiniões, o peso fatídico caiu novamente sobre os ombros do general Eisenhower.
Em algumas palavras, ele resumiu os prós e os contras. Depois: “Dou esta ordem com pesar. Mas é preciso…”
Faltavam apenas alguns minutos para soar 22 horas, limite para uma decisão positiva. Mas ainda era possível, como na véspera, sustar a ordem, nas primeiras horas da manhã. Uma última deliberação estava marcada para as 03h30min, na biblioteca de Southwick.
Quando Ike se põe a caminho, um vento de tempestade sacode seu pequeno acampamento nos bosques. A estrada está enlameada e, diante dos faróis de comando, a chuva, vinda do mar, parece cair horizontalmente. O Capitão Stagg mantém pura e simplesmente suas conclusões da véspera, à noite: o tempo deve normalmente melhorar durante o dia e a noite seguinte; não lhe é possível dizer mais nada. O resto é com Deus!
Dois exércitos participam do desembarque. No oeste, o 1o Exército estadunidense, cujo general era Omar Bradley, empenando o 5o e o 7o Corpos, cada um com uma divisão reforçada. No leste, o 2o Exército britânico, comandado pelo General Sir Miles Dempsey, engaja a 1o e o 3o Corpos, um com duas divisões, o outro com uma apenas. Os estadunidenses embarcam nos portos compreendidos entre Salcombe e Poole; os britânicos, nos portos compreendidos entre Solent e Newhaven.
Dez divisões, chamadas follow up, seguem imediatamente as unidades de assalto. Embarcam por via aérea. Os estadunidenses em Plymouth e em Falmouth, os britânicos no estuário do Tâmisa, em Sheernes, Southend e Harwich.
A Operação que mudaria a história da Segunda Guerra e da humanidade, segue seu curso.