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Relatos da Segunda Guerra – Eu Vi o “Super-Homen” de Hitler

Janeiro de 1945. A posição está coberta de neve e faz um frio de rachar. Na calma desta noite de lua, assisto a um bombardeio de nossa artilharia. O objetivo foi ini­cialmente iluminado pêlos projetores americanos. Eu e outros companheiros presenciamos o bombar­deio, da porta do P.C. do nosso Re­gimento, junto a uma estrebaria cheia de feno e de palha.

A neve está escorregadia. De quan­do em quando passa pela estrada um «jeep» ou outra viatura, rolan­do as correntes anti-derrapantes e deixando no ar o ruído caracterís­tico do atrito das mesmas contra a neve e o gelo.

Depois fomos, eu e o Newton, assistir a um tiro de tempo. Para isso subimos até o posto de obser­vação do R.I.. De lá contemplamos todo o cenário que é belo! Vimos o Morro de La Croce, o casario de Santa Maria Villiana, e, solene e impressionante, o «bandido» do nariz do Soprassasso, que, durante tanto tempo, sempre esteve metido com a gente, abelhudo e traiçoeiro, espiando as nossas posições, pois constituía otimo observatório para a artilharia do tedesco. O tiro de tempo da Cia, do Cap. Ventura nos satisfaz. Do alto do Savignano, assistimo-lo, e vemos granadas arrebentarem sobre o objetivo, for­mando seu clarão vermelho, con­traste frisante com a brancura da neve e da noite que está terrivel­mente enluarada. Lá em baixo, o Reno está gelado, o casario de Riola quieto, e, mais para oeste, os alemães estão na sua mis­são de artilharia sempre fracassada: bombardeando a ponte de Marano.

As granadas inimigas arrebentam com um ruído surdo, abafado pela neve.

Estamos agora de volta e tudo se acalmou. No P.C., já dormem os homens de folga, pêlos cantos da casa, enrolados nas mantas.

Velam as sentinelas, estão aten­tos os homens de serviço e, vez por outra, vem um telefonema do posto de Comando da Divisão, da artilharia de apoio, etc. Os ale­mães se socegararn;   nós também estamos calmos. Estamos, assim numa destas noites a que os comunicados das agencias telegraficas referem-se laconicamenfte. «Na frente do V Exercito, houve  simples atividades de patrulha».

Lá pelas onze horas, ou mais, vamos dormir. O Newton dorme numa cama de campanha, baixi­nha. A minha, mais alta, muito alta mesmo, é uma cama alemã, de madeira, desmontável, que o R.I. trouxe lá da frente de Serchio. Pela altura, recebeu o no­me de Soprassasso.

O sono vem logo e não sei por­que – eu pouco sonho – passo a me ver na minha rua de Botafogo, lá no Rio, num dia de sol, a jane­la do meu apartamento do 1º pla­no. Lá embaixo, passa o Oscar, um tipo popular da rua, mulato «sarara», de cabelo ruivo e que se embriaga diariamente, dormindo na calçada, enquanto lhe vela a fi­gura, a cadela que o acompanha sempre, de nome «Negrinha». No sonho, vejo bem a figura do Oscar, estatura abaixo da mediana, as faces trabalhadas pela ação do ál­cool, aparentando mais idade da que realmente possue. Estou com pena do Oscar, na sua miséria e na sua infelicidade…

Sou acordado pelo soldado de plantão ao telefone, que me diz:

– « Seu » Capitão, o S/2 do II Btl. acaba de avisar que uma patrulha alemã tentou infiltrar-se nas nossas posições e, sendo repelida pêlos nos­sos postos avançados, deixou um prisioneiro, que está ligeiramenlie fe­rido e se encontra no P.C. do Major Oest, afim-de ser medicado.

Levanto-me e dou ordem para fa­zer seguir um «jeep » afim de tra­zer o prisioneiro. Estou emociona­do. Tenho poucos dias de front e de S/2 regimental. Vai ser este o primeiro prisioneiro alemão que vou interrogar. Vem-me á mente as teo­rias de Hitler, da superioridade na­zista, lembro-me das coisas que li, de Nietzsche e outros escritores ale­mães, recordo-me do tipo descrito pela propaganda, germânica: «o nórdico, o dolicocéfelo, o homem perfeito, fadado a dominar os outros povos pela superioridade da raça ariana», etc… etc… e – que sei eu? – quanta, baboseira o nacional socialismo soprou aos quatro ventos pelo mundo, a ponto de chegar até aos ouvidos dos pliniescos camisas verdes lá do nosso longínquo Brasil!

Logo depois, vem a noticia de que o «jeep» fracassou na tenta­tiva de galgar a estrada para o II batalhão, uma simples pista, ingreme e sinuosa, crivada de crateras das granadas alemãs. Um segundo «jeep» e, por ultimo, um  terceiro leva e escolta, constituída do Sar­gento Clóvis e do soldado Fachini, até o P. C. do II Btl. e de lá regressam eles, já a pé – pois a viagem no veiculo foi mais uma vez inter­rompida pela neve escorregadia.

Entra, então, na minha sala, o prisioneiro alemão, tão esperado por mim. Tenho ao lado, como interpre­te, meu camarada Cap. Castro e Sil­va, que fala o alemão correntemente .

Estou com a ficha de interrogatorio e este começa. O homem senta-se a uma cadeira, que lhe é indicada e, á luz de uma vela, é que posso lhe divisar a figura. É um alemão de mais de trinta anos, pri­meiro cabo, militar de carreira e que se acha no exercito germânico ha mais de seis anos. A estatura é abaixo da mediana, a barba está por fazer e, reparando-lhe melhor os traços fisionómicos, não é que eu descubro que o homem é a cara do Oscar, o bêbedo infeliz da minha rua lá no Rio? Coincidência, im­pressão do sonho recente, ou o que fosse, o fato é que a semelhança .é grande.

O interrogatório prossegue rápidamente. De acordo com as instruções, são retirados os objetos que o prisioneiro tem em seu poder. O férimento que o homem traz é leve – uma bala de fuzil de raspão no braço esquerdo – e já foi conveniente­mente pensado no posto medico do Batalhão.  Um café quente, um pe­daço de chocolate americano dão confiança ao prisoneiro, que responde muito bem ás perguntas feitas.

Está terminado o interrogatório e o prisioneiro vai ser enviado ao P.C. da Divisão. Ao ver que eu faço um pacote dos objelos que lhe foram retirados, afim de remeter para a retaguarda, eis que o .alemão começa a chorar. O interprete indaga-lhe porque chora, si a ferida está doendo muito, ao que o «ariaino» responde que não; que está. choran­do, porque lhe retiramos as foto­grafias de familia, que possue e, entre as quais, eu havia visto duas ou três crianças – seus filhos – uma, de uma alemã moça, algo bo­nita – sua esposa – e a de uma velhinha, mum retrato de perfil, com as faces encovilhadas, os cabelos estirados para trás e presos num coque á altura do ocipital – que representa a sua genitora.

O prisioneiro é evacuado, a calma volta ao P. C., retorna cada qual ao seu leito, defpois de cumprida a ta­refa.

Deito-me na minha cama « Sopras­sasso » – quem a apelidou assim foi o meu velho camarada e amigo, Ca­pitão Newton Reis – e fico a mo­nologar, com os meius botões :

– Então, o «surper-homem» de Nietzsche, dos «junkers», de Hitler emfim, é de estatura mediana, ve­lho, acabrunhado, com a barba por fazer, o uniforme mal cuidado, é, enfim esta coitada e fraca figura que acaibo de interrogar? Ou foi o sonho com o bêbedo infeliz, da minha rua lá no Rio, que influiu na impressão que tive do primeiro « su­per homem » que vi de perto nesta guerra ?

– Não, concluo, está tudo certo! Os alemães são iguais aos outros homens do mundo! São semelhantes no físico, no moral, em tudo por tudo! Este alemão que interroguei é branco, «ariano puro», nasceu em Bremen, mas, apezar de nazista, de estar envenenado pela doutrina de Hitler, chora pêlos retratos da família, é sentimental como são todos os outros homens da terra!…

E, assim, era uma vez… uma his­toria de uma raça superior!…

Cap. Tácito Reis-de Freitas

Fonte: Jornal O Cruzeiro do Sul – sem data

Sobre Ricardo Lavecchia

Desenhista, Ilustrador e pesquisador sobre a Segunda Guerra Mundial

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3 comentários

  1. Excelente post !
    Nos mostra que somos mesmo todos iguais, não importa aonde se nasceu e em qual cultura estamos incluidos, por dentro todos somos iguais…

  2. Sempre que vejo a fotografia acima sinto uma vontade imensa de conta onde fica essa prisão.

    Onde o senhor pensa que fica? aposto que pensa que fica na Europa, na Itália?

    Não, esta foto é de Pouso Alegre-MG, hoje 14º GAC, naquele tempo 8º RAM. Esses alemaes são prisioneiros capturados em alto mar pelos americanos e encaminhados para Recife, depois RJ, depois Pouso Alegre, onde ficaram 02 anos. Eram 62, inclusive um tinha 16 anos. Interessante, um se chamava Rauen. Nós tínahos lutando na Itália um Brasileiro chamado ARI RAUEN, que morreu em combate. O Comandante do navio se chamava Capitão Prunes. Conheço um militar reformado que lembra deles. Me contou que certo dia a banda do 8º RAM estava tocando um dobrado e os prisioneiros começaram a cantar em alemão. O dobrado era o hino do regimento deles na Alemanha. A Cruz Vermelha Internacional todo mês ia no oitavo RAM levar o pagamento deles. Finalmente foram trocados por prisioneiros americanos que estavam em poder dos alemães.

  3. Embora sem querer desmerecer a informação anterior, que disse que tal campo se situava no Brasi, em Pouso Alegre, lembro que o uniforme do soldado brasileiro da foto, bem como a arma que usa nunca foram dotação regulamentar do Exercito, quando no Brasil.
    Tanto este uniforme quanto o armamento só foram distribuidos na Italia á FEB.
    Portanto julgo que esse campo de situava mesmo na Italia.

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