Era setembro de 1944, e o barulho das armas não dava trégua. No quartel-general da Companhia 51 do Batalhão de Infantaria Blindada, um relatório matinal trazia a notícia de um soldado que não aguentava mais. Ele tremia, mal conseguia falar, os olhos perdidos em algum lugar que ninguém podia ver. Os médicos da linha de frente anotaram: “fadiga de combate”. Mas o que isso queria dizer? Como um homem forte, treinado para a guerra, chegava a esse ponto? E o que podia ser feito para ajudá-lo? Vamos caminhar por essa história, passo a passo, como quem explica um dia difícil a um amigo, olhando para a Segunda Guerra Mundial e, especialmente, para a experiência da 4ª Divisão Blindada dos Estados Unidos.
A guerra é um peso que não se mede só em balas e canhões. Ela cansa o corpo, mas também a cabeça e o coração. Durante o conflito, os americanos usaram vários nomes para isso: exaustão de combate, fadiga de batalha, neurose de guerra. Aqui, vamos chamar de exaustão de combate, para simplificar. Não havia uma definição exata nos papéis oficiais, mas um relatório de 1945 tentou explicar: era como se as forças que mantêm um soldado firme, unido ao seu grupo, se desfizessem. Isso aparecia de jeitos diferentes, uns ficavam ansiosos, outros apáticos, alguns não dormiam, outros choravam sem parar. Cada um carregava o fardo à sua maneira.
No começo da Segunda Guerra, o Exército americano achava que podia evitar esse problema. Depois da Primeira Guerra, quando se falava em “choque de granada”, acreditava-se que bastava escolher bem os recrutas, tirar os mais frágeis, e pronto, ninguém desmoronaria. Mas a realidade bateu forte na campanha do Norte da África, em 1942 e 1943. Muitos soldados foram mandados para hospitais distantes, com sintomas que não passavam. Poucos voltavam ao front. O Exército viu que precisava mudar. Preservar a força de combate era essencial, e deixar os homens quebrarem assim não ajudava ninguém.
Então, veio uma lição importante: o medo, o tremor, a dor de cabeça, tudo isso era normal na guerra. Só quem parava de funcionar de vez precisava de ajuda especial. E, mais ainda, tratar esses soldados perto do front, onde ainda se ouvia o som dos tiros, fazia diferença. Em vez de levá-los para longe, onde se sentiam mais pacientes do que guerreiros, os médicos os mantinham na divisão. Diziam que era só cansaço físico, nada de coisa da mente. Nas etiquetas médicas, escreviam “exaustão”. O soldado lia e pensava: “É só descansar um pouco, eu volto já”. Essa ideia pegou, e o termo ficou até o fim da guerra.
Na 4ª Divisão Blindada, parte do Terceiro Exército do general Patton, isso tudo ganhou vida. Havia dois tipos de exaustão de combate, segundo os relatórios. O primeiro aparecia nos novatos, os que acabavam de chegar. Eles sentiam ansiedade, pânico, o coração acelerado. Bons líderes, treinamento firme e moral alto ajudavam a evitar isso. Muitos desses voltavam ao trabalho depois de um tempo. O segundo tipo era mais duro, chamado às vezes de “síndrome do velho sargento”. Esse pegava os experientes, os que já tinham visto muito. Em vez de medo, vinha a apatia, a tristeza, um vazio que não explicava. Esses não queriam sair do front, sentiam culpa por abandonar os amigos. Só o descanso regular podia prevenir, mas, na Europa, com tantas batalhas seguidas, descanso era luxo raro.
Os números mostram o tamanho do problema. Após uns 120 dias de combate, a “síndrome do velho sargento” virava comum. Na 4ª Divisão, muitos desses homens, mesmo tratados, não aguentavam voltar à linha de frente. Os oficiais notavam: eles simplesmente não funcionavam mais ali. Mas, em vez de mandá-los para casa, os médicos os colocavam em tarefas mais leves, na retaguarda da divisão. Assim, continuavam ajudando o grupo, o que aliviava um pouco a culpa que sentiam.
O tratamento era simples, mas pensado com cuidado. O soldado exausto ia para a estação de socorro do batalhão ou, se fosse grave, para um posto de triagem da divisão. Nada de hospitais distantes, a não ser que não tivesse jeito. Lá, o remédio principal era o descanso. Às vezes, davam sedativos leves para acalmar. Um remédio famoso era o Sodium Amytal, umas cápsulas azuis tão fortes que apelidaram de “Azul 88”, lembrando o canhão alemão. Depois de umas horas ou dias, o psiquiatra da divisão, um oficial-dot-outros como o major Earl Mericle na 4ª Divisão Blindada, conversava com o soldado. Via se ele podia voltar ao dever. Se sim, era logo despachado. Se não, mas ainda havia esperança, ficava mais uns dias, ganhava uniforme novo, fazia exercícios, voltava aos poucos a ser soldado. A ideia era não deixar o homem se acostumar a ser paciente.
Na 4ª Divisão, o major Mericle, psiquiatra da unidade, entrou em ação em 1943, ainda nos Estados Unidos. Ele ajudou a escolher reforços, tentando evitar os mais frágeis. Na Inglaterra, antes do Dia D, já falava com os oficiais sobre liderança e como o moral alto segurava a exaustão. Quando a divisão chegou à França, em julho de 1944, os primeiros casos apareceram rápido. Soldados novatos, enfrentando ataques noturnos alemães, achavam que o batalhão inteiro tinha sido destruído. Era o tipo de ansiedade dos iniciantes, agravado porque lutavam a pé, sem os tanques que conheciam tão bem.
A guerra rolava, e os números subiam. Entre setembro e outubro de 1944, na campanha da Lorena, foram 355 casos só em 15 dias. O major escrevia ao cirurgião da divisão: “Dez semanas de combate é o limite para muitos”. Eram os “velhos sargentos” quebrando, homens que tinham sido os melhores, agora sem forças. Um exemplo? O cabo Morelli, um escriturário médico. Num ataque de artilharia, ele e o capitão se esconderam sob um trailer. Um estilhaço furou um pneu, e Morelli gritou que estava baleado. Não estava, era o medo falando. Ele nunca mais voltou ao front.
Mas nem tudo era só desespero. Quando a 4ª Divisão avançava rápido, como na Operação Cobra, a exaustão caía. O sucesso e a luta com tanques, como foram treinados, seguravam o moral. Mesmo cansados, os homens se orgulhavam do que faziam. Uma visita do general Patton, em outubro de 1944, levantava o ânimo mais que qualquer remédio. Ele parava, falava com cada soldado, dava um tapinha no ombro, e pronto, eles trabalhavam o dia todo como se fossem novos.
No fim, os números da 4ª Divisão impressionam: quase 2 mil casos de exaustão de combate registrados. Muitos voltaram ao dever, mas outros, como os “velhos sargentos”, só serviam na retaguarda. Alguns, como um soldado que passou por isso quatro vezes, mostram o quanto a guerra pedia. Quatro vezes no limite, quatro vezes de volta ao barulho dos tiros. Dá pra imaginar o peso disso?
A exaustão de combate era real, não importa o que alguns generais durões pensassem. O major Mericle sentia isso na pele. Em dezembro de 1944, ele mesmo foi internado por uns dias, doente na linha de frente. Voltou, mas carregava o desgaste de mandar homens de volta ao combate, sabendo que muitos não queriam ir. Ele tratava cada um como pessoa, não como número, e isso fazia diferença. Às vezes, bastavam uns minutos de conversa para alguém se reerguer.
No total, o Exército americano registrou mais de 929 mil casos de problemas psiquiátricos na guerra, sendo a exaustão de combate o maior deles. Na Europa, foram cerca de 160 mil. Na 4ª Divisão, o esforço para manter os homens lutando era enorme, mas nem todos aguentavam. E os que aguentavam levavam marcas que os números não mostram – feridas que voltavam anos depois, em casa, quando a guerra já era só memória.
Essa história não é de heróis invencíveis. É de gente comum, enfrentando o que parecia impossível. Uns caíam, outros se levantavam, mas todos sentiam o peso da Segunda Guerra. E, no fim, o que ficava era a certeza de que a guerra não cansa só o corpo, ela esgota a alma também.