A Verdadeira História de Tokyo Rose

A Segunda Guerra Mundial foi um período de grandes conflitos, mas também de histórias humanas que desafiam a lógica simplista de heróis e vilões. Uma dessas histórias é a de Iva Ikuko Toguri d’Aquino, conhecida como “Tokyo Rose”, uma cidadã americana de origem japonesa que se tornou um símbolo controverso da propaganda japonesa. Sua trajetória, porém, revela mais sobre lealdade, acaso e injustiça do que sobre traição. Vamos aos fatos, com clareza e sem romantismos.

Nascida em 4 de julho de 1916, em Los Angeles, Iva Toguri era filha de imigrantes japoneses que geriam uma pequena empresa de importação. Sua vida era tipicamente americana: participou das Girl Scouts, jogou tênis na escola e se formou em zoologia pela UCLA. Em 1941, aos 25 anos, foi enviada pelos pais ao Japão para cuidar de uma tia doente. Era sua primeira viagem ao exterior, e a saudade de casa logo bateu. Um problema burocrático a impediu de voltar aos Estados Unidos em dezembro daquele ano. Dias depois, veio o ataque japonês a Pearl Harbor, e o mundo mudou.

Com os Estados Unidos e o Japão em guerra, Iva se viu presa em um país que mal conhecia. A polícia militar japonesa tentou convencê-la a renunciar à cidadania americana e jurar lealdade ao Japão, como fizeram outros americanos no país. Ela recusou. Por isso, foi classificada como “inimiga estrangeira”, vigiada de perto e sofreu assédio constante de vizinhos e autoridades. Nos meses seguintes, viveu com parentes, mas a pressão a levou a se mudar para Tóquio, onde conseguiu empregos modestos, como secretária. Em agosto de 1943, tornou-se datilógrafa na Radio Tokyo, a organização de radiodifusão estatal japonesa.

Foi na Radio Tokyo que Iva cruzou caminhos com Charles Cousens, um oficial australiano capturado em Cingapura. Antes da guerra, Cousens era um locutor de rádio bem-sucedido. Forçado pelos japoneses a produzir o programa “Zero Hour”, uma transmissão em inglês com música e notícias destinada às tropas aliadas no Pacífico, ele encontrou uma forma de resistir: sabotava o programa, tornando-o inofensivo e até ridículo. Quando conheceu Iva, que ocasionalmente lhe trazia suprimentos contrabandeados, Cousens viu nela uma aliada. Sua voz rouca, longe de sedutora, era perfeita para o plano. Em novembro de 1943, Iva, sob o pseudônimo “Orphan Ann”, começou a participar das transmissões, lendo roteiros de Cousens com tom irônico, às vezes alertando os ouvintes que se tratava de propaganda.

“Zero Hour” era um sucesso entre os soldados americanos, não pela propaganda, mas pelo entretenimento. As tropas se reuniam para ouvir músicas populares e as provocações leves de “Orphan Ann”. No entanto, os militares americanos começaram a chamar todas as vozes femininas da rádio japonesa de “Tokyo Rose”, um apelido que nenhuma locutora, incluindo Iva, jamais usou. O mito cresceu, e “Tokyo Rose” virou uma figura lendária, quase tão famosa quanto o imperador Hirohito.

Iva trabalhou no programa por cerca de um ano e meio, reduzindo sua participação à medida que a rendição japonesa se aproximava em 1945. Nesse período, casou-se com Filipe D’Aquino, um português, e sonhava em voltar para casa. Em situação financeira precária, aceitou uma oferta de dois jornalistas americanos que pagariam 2 mil dólares por uma entrevista com a “Tokyo Rose”. Foi um erro. Sua identidade foi revelada, e ela se tornou o rosto da propaganda japonesa. Em 1945, foi presa sob suspeita de traição e ficou detida por mais de um ano. Uma investigação concluiu que suas transmissões eram inofensivas, e ela foi libertada.

Mas a história não terminou aí. O sentimento antijaponês nos Estados Unidos permanecia forte. Figuras influentes, como o comentarista Walter Winchell, pressionaram o governo a reabrir o caso. Em 1948, Iva foi presa novamente e levada a julgamento em San Francisco, acusada de traição. Ela defendeu sua lealdade aos Estados Unidos, e Cousens viajou para testemunhar a seu favor. A promotoria, porém, apresentou testemunhas japonesas que alegaram tê-la ouvido fazer declarações incendiárias, como uma suposta frase após a Batalha do Golfo de Leyte: “Huérfanos do Pacífico, agora são realmente huérfanos. Como voltarão para casa agora que seus navios estão afundados?” Essa frase não aparece em nenhuma transcrição, mas pesou no veredicto. Em outubro de 1949, Iva foi condenada por um único crime de traição, perdeu a cidadania, pagou uma multa de 10 mil dólares e foi sentenciada a dez anos de prisão.

Após seis anos na cadeia, Iva se mudou para Chicago, onde trabalhou no negócio da família. A sombra de “Tokyo Rose” a perseguia. Em 1976, dois testemunhas do julgamento admitiram terem sido coagidas a mentir, e um jurado revelou pressões do juiz para um veredicto de culpa. A opinião pública começou a mudar. Em 19 de janeiro de 1977, o presidente Gerald Ford concedeu-lhe um indulto, restaurando sua cidadania. Iva, então com 60 anos, viveu discretamente até sua morte em Chicago, em 2006.

A história de Iva Toguri é um lembrete de como o fervor de tempos de guerra pode distorcer a justiça. Ela não era uma traidora, mas uma vítima de circunstâncias e do mito que outros criaram. Sua lealdade aos Estados Unidos, mantida em condições extremas, merecia reconhecimento, não punição.

Sobre Ricardo Lavecchia

Trabalho como vendedor, mas tenho como hobby desenhar e pesquisar sobre a Segunda Guerra Mundial.

Veja também

Jack G. Ammon e a Fé em Meio à Guerra

Jack G. Ammon era um americano comum que, em 1944, viu sua vida mudar ao …

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *