Bananas, Mosquitos e Caçadas no Ar: O Cotidiano dos Pilotos Japoneses em Taiwan

Taiwan, 1944. O sol inclemente do Pacífico cozinhava o asfalto da base aérea de Hsinchu. No chão, pilotos japoneses suavam em seus uniformes, enquanto no céu bombardeiros B-24 Liberator riscavam as nuvens, prontos para despejar sua carga mortal. Entre um voo e outro, a realidade era uma mistura de banquetes de frutas tropicais, noites de insônia atormentadas por mosquitos e a iminente certeza de que a guerra se aproximava do fim.

Kazuo Odachi, então com 18 anos, fazia parte do 221º Grupo Aéreo Naval da Marinha Imperial Japonesa. Antes de chegar a Taiwan, treinara no Japão, em bases como Kasanohara, preparando-se para pilotar os lendários caças Zero. Mas foi em Taiwan que Odachi sentiu o gosto amargo da guerra.

A base de Hsinchu era um verdadeiro oásis de infraestrutura para a aviação japonesa. Diferente dos aeródromos improvisados no Pacífico Sul, ali havia cinco pistas asfaltadas e bem organizadas. “Parecia um sonho”, diria Odachi, anos depois, relembrando a primeira vez que pousou na base. O deslumbramento, no entanto, não durou. O serviço era exaustivo e a morte, uma vizinha constante.

Quando não estavam nos ares, os pilotos lidavam com desafios menos glamorosos: mosquitos e malária, calor insuportável e a incerteza do próximo ataque. As noites eram abafadas e muitos preferiam dormir ao ar livre, sobre a grama, protegidos apenas por espirais de piretro em brasa para afastar os insetos. “Acordávamos com o rosto inchado de picadas”, escreveu Odachi em suas memórias.

A comida, por outro lado, era farta. Taiwan oferecia algo que a maioria das bases japonesas não podia: frutas em abundância. As bananas eram distribuídas aos montes, e laranjas e mamões estavam sempre à disposição. “Comíamos bananas como se fossem arroz”, recordava-se um dos pilotos. Era um luxo raro para quem vinha de um Japão devastado pela escassez alimentar.

A calmaria, no entanto, não durava muito. Quando o alarme soava, era um corre-corre para os caças. O maior desafio eram os B-24 Liberators, aviões de bombardeio pesados que vinham de Chongqing, na China, para atacar Taiwan. Os caças Zero não conseguiam alcançar os B-24s em altitude. Odachi uma vez perseguiu um bombardeiro até quase a costa da China, mas foi obrigado a desistir por falta de combustível. “Era como tentar pegar um falcão com as mãos”, disse ele.

Entre um combate e outro, havia espaço para travessuras juvenis. Em um dos momentos de folga, um grupo de pilotos voou baixo sobre um rio e virou um barco de pescadores. “Nós ríamos, eles gritavam”, lembrou Odachi. O comportamento travesso mascarava o medo crescente. Muitos dos que brincavam naquele dia não estariam vivos nas semanas seguintes.

A tensão aumentou em outubro de 1944, quando a Frota Americana lançou um ataque massivo a Taiwan. O caos tomou conta das bases aéreas. “A partir dali, sabíamos que a guerra estava perdida”, confessou Odachi anos depois. Mas, naqueles dias, ninguém ousava dizer isso em voz alta.

A vida em Taiwan era um paradoxo. De um lado, frutas tropicais, jovens pilotos e um sentimento de irmandade. Do outro, bombardeios constantes, aeronaves caindo e a morte sempre rondando. “Era um verão sem fim, até que, de repente, o inverno chegou”, escreveu Odachi. E o inverno chegou com força: no ano seguinte, o Japão se renderia, e os poucos sobreviventes voltariam para casa. Para aqueles que estiveram em Hsinchu, Taiwan nunca mais seria apenas uma ilha: era o último lugar onde a juventude deles existiu.

Sobre Ricardo Lavecchia

Desenhista, Ilustrador e pesquisador sobre a Segunda Guerra Mundial

Veja também

O Partisano que Enfrentou a Morte: A História de Slavoljub Kovic

Em meio à brutalidade imposta pela ocupação nazista nos Bálcãs durante a Segunda Guerra Mundial, …

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *