Cargueiro Cairú – Em 8 de março de 1942, no dia seguinte ao ataque ao Arabutã, o Cairú, um cargueiro de grande porte da Cia. de Navegação Lloyd Brasileiro, singrava as águas frias do Atlântico Norte na direção do porto de Nova York – estava a cerca de 150 milhas do litoral -, transportando borracha, algodão, mamona, couros, óleos, cacau, coco babaçu e cristais de mica. A noite fria e escura compunha o cenário ideal para um ataque surpresa. Foi o que aconteceu.
Cargueiro Cairú – O Ataque
O primeiro torpedo lançado pelo submarino U-94, do Capitão de Corveta Otto Ites, não explodiu, mas o segundo atingiu o Cairú com tamanha violência que o barco se partiu em dois. Informações do distrito naval, divulgadas posteriormente, revelam que o submarino agressor chegou a superfície, aflorando próximo a um escaler.
Seu comandante “falando um inglês arrevesado”, com forte sotaque alemão, utilizou um megafone e pediu ao comandante José Moreira Pequeno que informasse o nome, nacionalidade, carga e destino do navio, que acabara de afundar.
Pequeno deu respostas evasivas, previstas na convenção internacional. Estando no último escaler que deixou o Cairú, assistiu, bem de perto e consternado, a um segundo torpedo destruí-lo completamente.
José Moreira Pequeno, o heroico comandante do Cairú
Pequeno era um dos mais experientes e dedicados comandantes do Lloyd. Seu currículo na empresa datava da época da Primeira Guerra Mundial. Quando o Cairú zarpou de Belém com destino aos Estados Unidos, ele estava doente e só decidiu prosseguir viagem não aceitando ser substituído, por ter tomado conhecimento dos afundamentos do Buarque e do Olinda.
Não queria que o tomassem por covarde. Como sabia dos perigos que cercavam a viagem pediu apenas um seguro para a tripulação.
Como era impossível realizar passeios no convés durante o percurso, devido à baixa temperatura, pensou-se na organização de uma sessão de cinema, mas Pequeno mandou cancelar a projeção.
Confidenciou ao carpinteiro do navio, que o acompanhava há quarenta anos, que tomara a decisão porque “se houver torpedeamento, os passageiros reunidos no salão poderão morrer”. O velho comandante não estava errado. Era um risco aquela sessão.
Pouco depois de fazer o comentário, às 19h, enquanto repousava por não se encontrar bem de saúde, o torpedo atingiu o Cairú. Mesmo passando mal, orientou, sob intensa ventania, o abandono do navio pelos 75 tripulantes e 14 passageiros.
Pequeno teve ainda forças para responder às perguntas do comandante do submarino alemão. Surpreendeu-se ao constatar que ele parecia bem informado sobre o carregamento do navio. Otto Ites estava especialmente interessado na carga de cristais de mica, material estratégico largamente utilizado pela indústria bélica.
Fora um desgaste muito grande para quem estava enfermo. Com um oficial no leme do escaler. Pequeno ficou encolhido no canto da baleeira enrolado em um cobertor. O frio invernal tornava a noite longa demais.
Não chegou a causar surpresa que, pela manhã, o comandante não se encontrasse mais a bordo. Uma entristecida tripulação concluiu rapidamente que José Moreira Pequeno, percebendo que a morte se avizinhava, preferiu deixar-se deslizar ao mar, sem alarde, “para não dar trabalho a sua gente de carregar um morto”.
O Drama dos Sobreviventes ao ataque
O triste fim do velho comandante simbolizou o drama vivido pelos sobreviventes. Embora bem aparelhadas, com rádio de emergência, agulha magnética, carta náutica, água, viveres, palamenta de remos e velas, as baleeiras (botes salva-vidas) do Cairú vagaram a noite toda, ora aproximando-se, ora afastando-se do litoral.
Chovia muito e a temperatura caía cada vez mais. Em condições climáticas extremamente hostis, o bote número 3 foi encontrado pelo navio norueguês Titânia.
Todos que se encontravam a bordo foram resgatados com vida. Já o bote número 4 foi achado por um navio de guerra norte-americano. Os demais chegaram à costa com seus ocupantes mortos ou sofrendo hipotermia.
No total, 53 pessoas morreram por causa do torpedeamento do U-94. Somente 28 dos 75 tripulantes se salvaram.
Dos 14 passageiros, sobreviveram oito. Um deles, o americano Otto Albert Jaegers, contou as dificuldades que precederam o salvamento do escaler em que estava ao lado de sua mulher:
“Fez-se com calma e perícia pela tripulação a descida aos escaleres. O meu se afastou do navio sem que houvesse pânico. O mar, que a princípio estava calmo, começou a agitar-se.
Depois veio uma verdadeira tempestade. Chuva forte, rajadas de vento, relâmpagos, trovões e as ondas aumentando de tamanho, de momento a momento. Varriam por completo o nosso escaler. Estávamos completamente encharcados, gelados de frio.
O passageiro mais jovem era uma moça chamada Jane, que nunca deixou se levar pelo desânimo, nem deixou jamais escapar uma simples lamuria, desde que entramos no escaler até sermos resgatados 16 horas mais tarde (…). Mal podemos acreditar, quando vimos o navio de socorro.
Soubemos, então, que, a princípio, os seus tripulantes tinham pensado que éramos apenas destroços perdidos de um resto de navio, pois, com o mar grosso, não podiam nos divisar a bordo.”
Por Braulio Flores