EXCLUSIVO: A Saga de um Brasileiro na Legião Estrangeira Durante a Segunda Guerra

A poeira do deserto grudava na pele, misturando-se ao suor e à tensão que pairava no ar. A guerra não dá tempo para reflexões filosóficas, mas às vezes uma rajada de vento quente e o cheiro de metal queimado fazem qualquer soldado lembrar que está vivo.

A jornada de Raul Soares da Silveira, um brasileiro na Legião Estrangeira Francesa, começou com caminhões sacolejando pelas estradas poeirentas do Norte da África. De Beirute, passaram pelo Cairo e por Alexandria até alcançarem a Líbia. Ali, sobre a Via Balbia, restavam os destroços da guerra: blindados carbonizados, trincheiras abandonadas e as inevitáveis cercas de arame farpado, como espinhas dorsais de uma terra mutilada. O passado se misturava ao presente nos restos de um conflito que já se arrastava há anos.

Foi nesse caminho que a coluna de caminhões foi atacada do alto. O zunido de motores Stuka cortou o céu, e o chão explodiu em labaredas. O comboio virou desordem, e os legionários saltaram, buscando abrigo nos arbustos ralos que mal encobriam um homem. O fogo caiu sobre eles em ondas, até que, de repente, os aviões se afastaram. Talvez sem munição, talvez poupando balas para um alvo maior.

A sobrevivência era um luxo temporário. Pouco depois, as tropas chegaram a Bir Hakeim, um reduto encravado no deserto, defendido pela 13ª Meia Brigada da França Livre, sob comando do General Koenig. O local fazia parte da Linha Gazala, uma barreira de minas e fortificações improvisadas que tentava deter a força brutal do Afrika Korps de Rommel.

General Koenig

A batalha de Bir Hakeim começou em 26 de maio de 1942. Ao amanhecer, a artilharia alemã já martelava as posições francesas. No dia seguinte, os blindados italianos da Divisão Ariete atacaram a linha sul. Cinquenta tanques vieram a pleno vapor, e o choque foi imediato. O Capitão Otte, comandante da Legião Estrangeira, manteve suas ordens firmes até que um disparo direto de um tanque explodiu seu abrigo. Mas os legionários revidaram, caçando os inimigos pelos buracos de suas próprias máquinas de guerra. O chão ficou coalhado de destroços fumegantes. Ao final do dia, trinta tanques italianos foram reduzidos a sucata.

O cerco apertava. Em 2 de junho, mensageiros alemães trouxeram uma proposta de rendição. Koenig recusou. No dia seguinte, Rommel lançou seu próprio ultimato: “Cessar fogo e render-se, ou sofrer o mesmo destino das tropas inglesas exterminadas em Got el Ualeb”. Koenig manteve a resistência, e Bir Hakeim continuou firme sob a bandeira tricolor.

Mas a guerra tem sua própria lógica. Entre 8 e 10 de junho, os bombardeios foram incessantes. Os suprimentos rareavam, os feridos se multiplicavam e os projéteis inimigos castigavam as linhas já desgastadas dos defensores. Na noite de 10 de junho, Koenig organizou a retirada. O inferno estourou com foguetes iluminando a noite, granadas explodindo em meio aos blindados e soldados tentando escapar pelo campo minado. Raul Soares e seus companheiros viram a morte de perto enquanto corriam rumo às linhas britânicas.

A fuga atravessou dias. Tempestades de areia cegavam o caminho, o calor consumia as forças e a água se esgotava. Em 16 de junho, os sobreviventes, exaustos e famintos, encontraram tropas aliadas. Foram recebidos com respeito e um copo d’água que pareceu valer mais que qualquer condecoração.

A guerra, porém, ainda não terminara. Raul seguiu para Mersa Matruh, onde viu o Afrika Korps se aproximar impiedosamente. Em 26 de junho, já ferido, foi levado para Alexandria. A viagem foi um pesadelo de dor e sangue, um companheiro morrendo sobre ele na ambulância. No hospital, encontrou alívio e um descanso forçado.

Quando olhou para trás, viu uma trilha de poeira e destruição, mas também de resistência. A batalha de Bir Hakeim segurou Rommel tempo suficiente para que os britânicos se reorganizassem. Foi um capítulo essencial para a virada da guerra no Norte da África. O Brasil não enviara sua FEB para aquela luta, mas um brasileiro esteve lá, na linha de frente, sobrevivendo e lutando.

Raul Soares da Silveira escreveu sua história com suor e pó de deserto. E agora, ela está escrita também em palavras. Sua saga prova que, independentemente da bandeira que se ergue, a coragem é uma língua universal falada no campo de batalha.

Ainda hospitalizado, Raul ouviu sobre a batalha de El Alamein e o recuo das tropas do Eixo. Ele sobreviveu, mas carregaria consigo para sempre as marcas da guerra. Os desertos da África foram sua escola de sobrevivência e sacrifício.

Fonte: Raul Soares da Silveira, Tempos de Inquietude e de Sonho.

Sobre Ricardo Lavecchia

Desenhista, Ilustrador e pesquisador sobre a Segunda Guerra Mundial

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