O PRELÚDIO DO CONFLITO
“As determinações econômicas do tratado [de Versalhes, 1919] eram tão perversas e absurdas, que evidentemente resultaram inúteis. A Alemanha foi condenada a pagar indenizações exorbitantes. Essas determinações alem de refletirem a ira dos países vencedores, indicavam que esses países não compreendiam que nação alguma poderia arcar com uma divida que compensasse os custos da guerra moderna”
(Winston Churchill, em A Segunda Guerra Mundial. Livro I Capitulo 1, “As loucuras dos Vencedores).
Na década de 1930, o progresso na comunicação e a expansão da indústria resultaram numa acirrada concorrência internacional por mercados e matérias-primas de baixo custo. No fim do século 19, quando a Alemanha e a Itália emergiram, outros países já haviam tomado o controle das regiões mais vantajosas. Esses dois novos Estados encontraram, portanto, o mundo colonial e financeiramente repartido. O Japão também enfrentou as mesmas dificuldades, pois sua organização como um Estado moderno foi igualmente tardia.
Impelidas pelo temor causado pela Revolução Bolchevique, as potências ocidentais criaram um “cordão sanitário” ao redor da união das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Ao mesmo tempo, grupos conservadores depositavam suas esperanças no fascismo italiano e, em especial, no nazismo alemão. Desde que chegou ao poder, em janeiro de 1933, Adolf Hitler colocou em prática uma política baseada em ideias expansionistas e militaristas – expostas previamente num livro escrito pelo próprio Hitler Meim Kumpf (Minha Luta – com o objetivo de converter a Alemanha numa potência militar capaz de anexar os territórios estrangeiros de população com origens Germânicas). Ainda em 1933 a Alemanha retirou-se da Conferência do desarmamento e da Liga das Nações. O país passou a investir secretamente no rearmamento, mas ainda de pequenas proporções, pois Hitler necessitaria de mais algum tempo para consolidar-se no poder. Todos esses cuidados não evitaram, entretanto, que o governo francês, numa nota diplomática de 17 de abril de 1934, protestasse contra o rearmamento ilegal.
O Estopim Austríaco
Para garantir a estabilidade da Europa Oriental, a França defendia um sistema de alianças, que foi boicotado em janeiro de 1934, quando a Alemanha e a Polônia assinaram um “pacto de não agressão”. Os dois países comprometeram-se a resolver seus problemas por meio da diplomacia e sem empregar a força, a. A França, no entanto, sentia-se ameaçada pela política internacional de Hitler e, desde fevereiro de 1934, o ministro de Assuntos Exteriores, Louis Barthou, tentou uma aproximação entre a França, a URSS e a Itália, para obrigar a Alemanha a respeitar suas fronteiras orientais.
Já a Áustria estava geograficamente muito próxima dos problemáticos Bálcãs e tinha muitos aspectos semelhantes aos da Alemanha. Uma provável fusão entre esses dois países, o Anschluss, era defendida fervorosamente pelos nazistas. Por outro lado, essa união inquietava seriamente o líder italiano Benito Mussolini, pois a Itália fora inimiga declarada do Império Austro-Húngaro durante a Primeira Guerra Mundial. Ele temia que a Áustria reivindicasse territórios fronteiriços.
Desde maio de 1932, a Áustria era governada pelo chanceler social-cristão Engelbert Dollfuss, aliado a Ernst Rudiger von Starhemberg e Josef Reither Starhemberg liderava o Heimatanblock, a vertente política do Heimwehr, uma forca armada paramilitar e nacionalista. Já Reither encabeçava a Landbund, a Liga Agrária, movimento dos trabalhadores rurais da Baixa Áustria. Da aliança entre esses três lideres nasceu, em 1933, o partido fascista Vaterlandische Front (Frente Patriótica).
Em fevereiro de 1934, o governo de Dollfuss foi afrontado pelo primeiro movimento antifascista europeu, liderado pelo braço armado do Partido Socialdemocrata, o Schutzbund, de origem operaria. Contudo, a repressão do Exercito da policia, da Heimwehr e de grupos religiosos de direita conteve o movimento. Como reação, Dollfuss dissolveu o Parlamento, tomou plenos poderes e colocou o Partido Nazista (Nasdap) e o Partido Socialdemocrata (Sdapö) na ilegalidade.
Em 25 de julho de 1934, houve uma tentativa de golpe de Estado. Militantes nazistas austríacos, disfarçados de membros da Heimwehr, tomaram as estações de radio de Viena e anunciaram a renuncia do chanceler Dollfuss. Ao mesmo tempo, outros nazistas disfarçados da mesma maneira invadiram a Chancelaria e aprisionaram Dollfuss, o major Emil Fey (ministro da Segurança Publica) e o subsecretario Karl Karwinsky. O chanceler, porem, tentou fugir e foi alvejado por um dos militantes nazistas – sem ser socorrido, sangrou ate morrer.
Apesar da morte de Dollfuss, o golpe fracassou. O presidente Wilhelm Miklas nomeou o ministro da Justiça, Kurt von Schuschnigg, chanceler provisório. Por meio de uma confusa negociação Schuschnigg conseguiu deter os golpistas, que desistiram da ação. De acordo com a investigação da Policia, o complô envolveu 300 membros do Partido Nazista, cujos simpatizantes apoiaram com distúrbios em varias províncias.
A tentativa nazista irritou Mussolini, que apoiava Dollfuss. O líder italiano enviou tropas para a fronteira de Brennero. Já o governo de Berlim alegou desconhecer a ação de seus correligionários austríacos, pois sabia que o Anschluss inquietava os italianos.
Em 30 de julho de 1934, Schuschnigg assumiu em definitivo o posto de chanceler. A vice-chancelaria ficou por conta do príncipe Rudiger, herdeiro da política de Dollfuss. Em novembro, entrou em vigor uma nova Constituição. O Estado ficou, desde então, submetido à autoridade divina como fonte de direito e foi adotada uma organização corporativa, inspirada na Heimatanhlock, que englobava diversos setores sociais: os militares, a antiga aristocracia, o clero e, inclusive parte da burguesia judia (que buscava proteção tanto dos socialdemocratas como dos nazistas).
França de olho na URSS
Em outubro de 1934, o ministro Frances de Assuntos Exteriores, Louis Barthou, foi assassinado em Marselha por um membro da organização fascista croata, a Ustache – adepta de meios terroristas de intimidação. O ministro foi sucedido no Quai d’Orsay (o Ministério Frances de Relações Exteriores) por Pierre Laval, antigo socialista convertido para a direita. Laval prosseguiu com a política de Barthou, privilegiando, no entanto, as relações com a Itália em detrimento da URSS e investindo numa política amistosa com a Alemanha.
O antibolchevismo assumido e o rearmamento iniciado pelo governo de Hitler provocaram uma mudança na diplomacia soviética, que se tornou mais moderada, buscando apoio internacional. Em 1933, a URSS declarou que não pretendia revisar os tratados territoriais e econômicos de 1919. Ela também assinou acordos bilaterais com quase todos os países vizinhos e passou a fazer parte da Liga das nações, em setembro de l934. O líder soviético, Josef Stálin, determinou que a Komintern (Kommunistlcheski Intematsional, Internacional Comunista) abandonasse sua estratégia política de estimular a luta entre classes, que havia desunido a esquerda alemã e contribuído para a eleição de Hitler.
A oposição de Mussolini aos planos de Hitler referentes à Áustria despertou a atenção do governo Frances. Por isso, Pierre Laval investiu numa maior aproximação com Roma. Em 7 de janeiro de 1935, o ministro assinou uma serie de acordos com a Itália (que seriam estendidos para a Grã-Bretanha) com a intenção de apoiar a Áustria e melhorar o entendimento das questões coloniais e das referentes aos países da Europa danubiana, que abrangia desde a Alemanha ate a Ucrânia.
De acordo com o que foi estipulado no Tratado de Versalhes, um plebiscito foi realizado no território do Sarre, administrado e explorado economicamente pela França, em 13 de janeiro de l935. A votação resultou numa maioria de 90% de votos a favor da reincorporarão do território a Alemanha. Em 10 de março de 1935, o Sarre juntou-se ao Terceiro Reich. A política nacionalista de Hitler tornava-se cada dia mais forte.
A Alemanha começa a agir
Pouco depois, foi anunciada a reconstrução da Luftwaffe (força-aérea alemã) criada durante a Primeira Guerra Mundial. Oficialmente, a Alemanha aparentava cumprir o Tratado de Versalhes. Porem, ela sempre conservou um núcleo da Reichswehr (as Forcas Armadas alemãs, entre 1919 e 1935, a futura Wehrmacht), que, desde 1924, treinara, em segredo, pilotos, tripulantes e mecânicos na URSS.
O Tratado de Rapallo, assinado em 1922 entre a Alemanha e a URSS, permitiu o treinamento secreto de alemães no aeródromo soviético de Lipetsk, enquanto a Lufthansa, a companhia aérea comercial alemã, preparava pilotos de aviões de grande porte. O Fuhrer conseguiu driblar o Tratado de Versalhes sem grandes dificuldades e, em março de 1935, encarregou Hermann Goring de formar, organizar e treinar os pilotos da nova Luftwaffe. Alem disso, sob o pretexto de que a Franca havia aumentado o tempo de serviço militar, a Alemanha instituiu o recrutamento militar obrigatório.
As reações não tardaram. Em 11 de abril de 1935, os primeiros-ministros James Ramsay MacDonald, da Inglaterra; Pierre-Étienne Flandin, da Franca; e Benito Mussolini, da Itália, reuniram-se na região italiana de Stresa. O encontro resultou em um protesto formal contra uma Alemanha militarizada e em um acordo mutuo para manter a independência da Áustria. Os lideres dos países participantes concordaram em “oporem-se, por todos os meios disponíveis, a qualquer abandono unilateral dos tratados de paz que pudesse colocar em perigo a paz na Europa”.
E esse seria o último acordo entre os antigos aliados da Primeira Guerra Mundial.
Laval manteve as negociações com a URSS ate estabelecer, em maio de 1935, o pacto franco-soviético de ajuda mutua em caso de uma agressão não provocada, apesar de a direita francesa se opor a esse acordo. A rede de alianças foi reforçada por mais um pacto de ajuda mutua, dessa vez assinado pela URSS e pela Tchecoslováquia. Para evitar a influencia dos nazistas pangermânicos sobre o apoio das massas conservadoras da Áustria, Kurt von Schuschnigg passou a reprimi-los com punições que variavam do exigiu a pena de morte ou prisão perpetua em campos de trabalho forcado. Em maio de 1935, foi anunciada a Assembleia a necessidade de afastar o fascismo austríaco das pregações de anexação de Hitler. O príncipe Rudiger mantinha o controle sobre o Exercito, a Heimwehr e a policia, mas entrava em conflito com Josef Reither, que pretendia restaurar a monarquia austro-húngara dos Habsburgo, com tra0cos democráticos. No entanto, nem Hitler, nem a Hungria (e boa parte dos países europeus) concordavam com a restauração da monarquia. Mesmo Mussolini acabou abandonando os fascistas austríacos para compactuar com os nazistas.
A Grã-Bretanha, empreendendo uma política de apaziguamento, assinou com a Alemanha, em junho de 1935, um acordo naval. Por esse acordo, a Grã-Bretanha concordava com o desenvolvimento da Kriegsmarine, desde que a Marinha alemã se mantivesse no limite de 35% do tamanho da Marinha Real britânica.
Essa permissividade também abriu espaço para o expansionismo italiano. Sem previa declaração de guerra, em 3 de outubro de 1935, o general Emilio de Bono empreendeu um ataque a Abissínia a partir da colônia italiana da Eritréia, na África, enquanto o general Rodolfo Graziani atacou a partir da Somália. O imperador da Etiópia, Haile Selassie, pediu ajuda a Londres, que enviou uma comissão para avaliar o problema, e rapidamente evitou envolver-se mais no conflito. O atrasado Exército abissínio não pode opor grande resistência: em 6 de outubro, os invasores tomaram árdua e, no dia 15, Aksum. A Liga das Nações tentou reprimir os italianos com pequenas sanções e embargos. Mesmo assim, a Grã-Bretanha e a França continuaram vendendo petróleo para a Itália.
Para acelerar a conquista. Mussolini substituiu De Bono por Pietro Badoglio, que massacrou o fraco oponente africano. Em 2 de maio, Selassie fugiu para o exterior e, no dia 5, os italianos tomaram Adis Abeba. Dois dias depois, a Itália anexou a Abissmia e proclamou Victor Manuel III como imperador. A Liga das Nações condenou a ação, e Mussolini retirou a Itália da organização.
Stalin compreendeu que a situação poderia se complicar para a URSS. Sob suas ordens, em agosto de 1935, o VII Congresso da Komintern declarou que o fascismo era seu principal inimigo e defendeu alianças com os socialdemocratas e os partidos burgueses progressistas. O resultado foram as Frentes Populares na Espanha e na Franca.
O expansionismo italiano coincidiu com o rearmamento alemão e com a crescente agressividade de Hitler, que atacou a “frente de Stresa”, denunciando o tratado de Locarno. Nesse acordo, a França, a Alemanha e a Bélgica estabeleceram mutuamente suas fronteiras e comprometeram-se a respeitá-las. Consideravam a Renânia uma região histórica, cujo território se dividia entre os três países, declarando-a, portanto, uma zona neutra e desmilitarizada. Em março de 1936, Hitler ordenou que as tropas alemãs ocupassem essa região, provocando um grande nervosismo na Franca, que se sentiu ameaçada. Já a Grã-Bretanha não manifestou qualquer reação.
Em julho, no inicio da Guerra Civil Espanhola, Hitler enviou ajuda ao general Francisco Franco. Logo depois, uma forca da Luftwaffe, a Legião Condor, Juntamente com uma forca de carros de combate alemães panzer I (independentes da Condor), apoiaram o grupo antirrepublicano. A campanha serviu de campo de provas para a Luftwaffe, que testou suas maquinas, treinou seus tripulantes e equipes terrestres, ensaiando para a guerra na Europa. A Itália, por sua vez, enviou para a guerra na Espanha um corpo de exercito e um grande numero de aviões. A política britânica impediu o apoio militar de países democráticos a República espanhola, que acabou recebendo ajuda da URSS.
Em l931, Berlim havia sido escolhida como sede das Olimpíadas de 1936. Hitler decidiu usar os jogos como palco para a propaganda nazista, encarregando Joseph Goebbels de produzir filmes sobre a superioridade germânica. A cenografia ficou com o arquiteto Albert Speer, e a direção coube 3 cineasta Leni Riefenstahl. Os jogos foram abertos em 1° de agosto e, antes da chegada de Hitler, o dirigível Hindenburg sobrevoou a cidade como prova da grandeza alemã.
Em 25 de novembro de 1936, a Alemanha e o Japão assinaram o Pacto Antikomintem, comprometendo-se a reagir contra a Internacional Comunista e reconhecendo Manchukuo, Estado-fantoche dos japoneses na Manchúria. Dessa maneira, a URSS ficou diplomaticamente isolada.
Fonte: Coleção 70º Aniversário da Segunda Guerra Mundial– Nº01 – Editora Abril