Os pilotos paraguaios colocaram o Paraguai na história da Segunda Guerra Mundial, uma vez que o país permaneceu neutro durante quase todo o conflito.
Sua declaração de guerra ao Eixo, ocorreu somente em Fevereiro de 1945.
Apesar de sua boa atuação durante a Guerra do Chaco, contra a Bolívia (1932-1935), quando a Segunda Guerra Mundial começou na Europa, a Aviação Militar do Paraguai, a exemplo de suas congêneres nas Américas Central e do Sul, estava completamente obsoleta e reduzida quanto a seu equipamento.
No final dos anos 1930, haviam sido adquiridas algumas aeronaves de concepção moderna, como 5 biplanos de caça Fiat C.R. 32 e 3 aviões de ataque Caproni, mas a força carecia de pilotos e técnicos realmente treinados segundo padrões modernos.
Assim, em 1939, com a criação da Arma Aérea dentro da organização do Exército Paraguaio, as autoridades de Assunção trataram de aproveitar a recente melhora das relações com o Estado Novo de Getúlio Vargas, para buscar no Brasil a formação técnica e a profissionalização de que carecia a então Escola de Aviação de Ñu Guazú, em Luque.
Por interferência direta do Major P.A.M. Pablo Stagni, comandante da Arma Aérea Paraguaia, envia-se, em janeiro de 1942, a chamada Missão de Estudos que deveria estagiar na Escola de Aeronáutica dos Afonsos, no Rio de Janeiro, junto a outras missões compostas por aviadores da Argentina, Uruguai e Venezuela.
Como a ideia era a criação de uma moderna aviação militar no Paraguai, optou-se pelo envio de um grupo que mesclava cadetes e oficiais que já tinham o curso de piloto em Ñu Guazú, comandados pelo Segundo-tenente P.A.M. Félix Zárate Monges (posteriormente promovido a Primeiro-tenente ) e constituída pelos seguintes militares: Segundo-tenente P.A.M. Ismael Florentín, Segundo-tenente P.A.M. José Duarte, Segundo-tenente P.A.M. Pedro Cataldo, Segundo-tenente P.A.M. Epifanio Obando, Segundo-tenente P.A.M. Julio De Filippis, Segundo-tenente P.A.M. Eladio Velázquez, Cadete Horacio Acosta, Cadete Abraham Guibi Redes, Cadete Cesar Villalba, Cadete Eduardo Schussmuller, Cadete Eladio Zárate Barreto, além de alguns técnicos de aviação; depois ainda complementados por dois aviadores navais, os Segundo-tenente Damián Fretes Yodice e Pedro Nolasco Oviedo.
O curso que tinha duração de dois anos, era bem semelhante ao ministrado aos cadetes brasileiros, onde eram concluídas uma etapa teóricas e duas práticas (elementar e básico), com a realização de voos sobre a terra e mar.
Nesses voos de prática, infelizmente os pilotos da deleção paraguaia sofreram três acidentes, sendo que dois resultaram em fatalidades, ambos no ano de 1943.
O primeiro envolveu o cadete Eduardo Schussmuller que, provavelmente pilotando um T-6 Texan, caiu em alto mar, onde realizava acrobacias exigidas pelo curso, mesmo com todo esforço das forças navais e aéreas na busca de seu corpo, o mesmo nunca foi encontrado.
Esse primeiro acidente causou muita comoção em todos os companheiros da delegação guarani. Por sua vez, o segundo acidente fatal ocorreu com o Tenente Julio De Filippis, quando o mesmo realizava um translado de instrução ao estado do Espírito Santo e foi pego em meio a uma tempestade.
A aeronave não tinha rádio, mas, após algum tempo sem noticias, já se imaginava que o pior teria ocorrido. A FAB imediatamente iniciou as buscas; mas, depois três dias de intensas buscas por ar, chegou-se a conclusão que os ventos poderiam ter jogado a aeronave para as montanhas. O comando da Escola então montou uma equipe de busca, chefiada pelo capitão Villa Forte e acompanhado por sargentos e oficiais médicos.
Junto, ia o paraguaio Tenente Pedro Nalesco Oviedo.
O corpo do piloto acabou por ser encontrado no dia 23 de abril de 1943, junto aos destroços de seu avião, sendo levado para o Campo dos Afonsos e, quatro dias depois, enviado de volta ao seu país para um enterro digno.
O terceiro acidente, não obstante ter resultado somente em danos materiais, teve como protagonista o comandante da missão guarani, o já Capitão Zárate Monges e entrou para o folclore da Escola.
Por conta do já intenso trafego aéreo sobre a cidade do Rio de Janeiro, em meados de 1943, as práticas acrobáticas eram normalmente realizados alguns quilômetros mar a dentro.
Em um desses voos rotineiros, Zárate Monges chegou à área especificada, a cerca de 3 mil metros de altitude, iniciando de pronto um looping, que seria seguido por um tonneau lento ascendente.
Porem, logo que iniciou a subida, sentiu um golpe no motor, que imediatamente parou e começou a soltar fumaça e óleo, inclusive dentro do cockpit. A situação era desesperadora; mas, como ainda estava em boa altitude, conseguiu controlar o avião e entrou em contato com a torre de controle dos Afonsos que foi taxativa: “salte com seus paraquedas!”
Como encontrava-se voando em mar aberto e não divisava nenhuma embarcação nas proximidades que pudesse resgata-lo, Zárate resolve não acatar a ordem e mantém a aeronave no ar, seguindo em direção à costa carioca. Comunicou a decisão ao controle, que se limitou a adverti-lo: “Pode continuar, mas a responsabilidade é sua.”
Mesmo sem motor e em chamas, Zárate Monges conseguiu aterrissar de barriga próximo a pista dos Afonsos, sendo ovacionado por seus camaradas.
Mais tarde foi descoberto que um mecânico havia esquecido uma chave dentro do motor de sua aeronave.
Algum tempo depois, a revista “Esquadrilha”, editada pelo Corpo de Cadetes da Escola de Aeronáutica, relata de forma bem humorada o incidente:
“OLHA AI; O CÚMULO DA DISCIPLINA. O AVIÃO DO PILOTO PARAGUAIO PEGANDO FOGO E O CAMARADA AINDA SOLICITANDO PERMISSÃO DE ATERRAR!”
Curiosamente, a presença dos paraguaios não é relatada na historiografia oficial da Força Aérea Brasileira na Segunda Guerra Mundial.
Já de acordo com o publicado no país vizinho, em meados de agosto de 1943, os paraguaios terminaram o Curso de Aperfeiçoamento de Voo na Escola dos Afonsos com as melhores notas entre as delegações estrangeiras e, apesar de receberem ordens de voltar ao Paraguai, também foram convidados pelo Estado Maior da FAB para permanecerem no Brasil e ajudarem no patrulhamento do Atlântico Sul.
Em uma entrevista, Zárate Monges relatou como o Comandante da Escola de Aeronáutica, o estão Coronel Aviador Henrique Raymundo Dyott Fontenelle fez-lhe o convite: “Vocês terminaram o curso de forma brilhante, são pessoas muito boas, solidários, levam uma vida ordeira…
Por que não aproveitam que estão aqui chegando modernos aviões norte-americanos e vocês estão em ótimas condições de seguir sua formação. Depois vocês voltam e, com nossa ajuda, criam uma aeronáutica moderna no Paraguai.
Isto tudo sem nenhum custo para seu governo.”
A proposta foi recebida com assombro pelo capitão paraguaio, o qual respondeu que a decisão de aceitar ou não o honroso convite não cabia a ele.
Teria que comunica-la ao governo de seu país e que seria algo difícil, uma vez que não só o Paraguai era neutro no conflito mundial, como muitos dentro do governo e das Forças Armadas eram germanófilos.
Mesmo assim, no dia seguinte, o jovem oficial paraguaio vai falar com seu embaixador no Rio de Janeiro, o General Juan Bautista Ayala, influente militar paraguaio, de destacada atuação durante a guerra com os bolivianos.
Este, antevendo a grande oportunidade que se abria, lhe responde: “Bem capitão, todos os oficiais no comando de unidades importantes são “alemanistas”.
No entanto, a maior parte deles também já estiveram sob meu comando. Tenho suficiente influência moral sobre eles e vou convence-los.
Amanhã mesmo vou ao Paraguai tratar disso, este é um assunto que temos que resolver agora!”
Alguns dias depois, o diplomata está de retorno ao Rio, trazendo excelentes notícias. Como prometera, conseguiu convencer a cúpula militar guarani, incluindo o presidente (e General) Higinio Mariningo, a permitir a permanência no Brasil de seus oficiais e cadetes, agora promovidos a subtenentes.
Os tramites visando a inclusão desses pilotos na FAB correm muito rapidamente, com os mesmos se dividindo em três grupos.
O primeiro – composto pelo Primeiro-Tenente Eladio Velásquez, Subtenente Abrahán Giubi Redes e o Subtenente Eladio Zárate – permaneceu na Escola de Aeronáutica, a fim de ali conhecer os pormenores da instituição.
Tal aperfeiçoamento se estendeu de 1º de setembro até 31 de dezembro de 1943.
Ao mesmo tempo, um segundo grupo, constituído pelo Primeiro-tenente Ismael Florentín, Primeiro-tenente Epifanio Obando e o Sub-Tenente Horacio Acosta Fernández, foi para a Base Aérea de Santa Cruz, onde aprenderiam a pilotar aeronaves de caça e ataque.
Já o terceiro grupo, onde se encontravam Zálate Monges, o Tte. Frag. Pedro Nolasco Oviedo, os Ttes. José A. Duarte e Pedro Cataldo, estaria destinado à Base Aérea do Galeão, para estagiar tanto no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva como na Escola de Especialistas e ainda realizar instrução operacional e depois voos de escolta de comboios navais nos hidroaviões PBY-5 Catalina do Grupo de Patrulha do Galeão, embora os paraguaios em Santa Cruz também tenham realizado patrulhas costeiras, usando a costa para se orientar.
Algo interessante de se citar é que, apesar do nome, o Grupo de Patrulha não estava baseado no Galeão, mas sim no Calabouço (Santos-Dumont).
Os quatro pilotos escalados no Galeão, faziam somente um ou no máximo dois voos por semana, atuando normalmente como segundo piloto, embora as vezes também fizessem as vezes de navegador, sempre registrados com nomes brasileiros, inventados geralmente na hora. Uma imposição do Governo Paraguaio para a participação de seus militares.
O restante do tempo era gasto em voos de treinamento, aulas com os oficiais reservistas ou com os sargentos especialistas brasileiros.
A escolta dos comboios que saiam ou passavam pelo Rio era algo bastante rotineiro e tedioso, sendo bastante raro o encontro com submarinos inimigos. Ficava-se, em média, cerca de dez horas sobrevoando o mar.
Na direção norte, seguia-se até Caravelas, na Bahia. Já na direção oposta, os aviões seguiam até a altura do porto de Paranaguá, no litoral do Paraná.
Ainda não havia radares de busca nas aeronaves e a identificação de possíveis alvos era feita através de contato visual.
Não há registros de qualquer encontro de uma aeronave com tripulantes paraguaios e um submersível do Eixo, mas todos os aviadores guaranis destacados nas bases da FAB no Rio de Janeiro deviam entregar mensalmente relatórios ao embaixador e ao adido militar de seu país, relatando tudo que fosse de interesse.
Após cerca de um ano atuando na defesa da costa brasileira, os dez paraguaios finalmente retornaram à Assunção, com a firme decisão de iniciar a modernização da Escola de Aviação, o real objetivo dos que aqui estiveram – inclusive com um prometido auxílio brasileiro – mas encontraram grandes dificuldades, principalmente devido as diferenças ideológicas entre Zálate Monges e seus superiores.
Como castigo, foi enviado a Pedro Juan Caballero, uma região então inóspita, onde chefiaria a construção de uma pista de aterrissagem. Somente retornou à capital em 1946, quando foi nomeado ajudante do comandante da Arma Aérea.
Nesse período, porém, as instituições paraguaias já estavam extremamente divididas e as Forças Armadas em total desordem, processo que culminaria na Guerra Civil de 1947, um conflito fratricida que matou mais de 30 mil paraguaios. Zálate Monges foi obrigado a se exilar na Argentina e abandonar a farda e nenhum dos dez paraguaios que atuaram na FAB foi reconhecido por seu próprio país.
O único reconhecimento, ainda que tardio para a maioria, veio somente décadas depois, por parte do Comando da Força Aérea Brasileira, que outorgou, aos 23 de outubro de 2004, a Medalha do Mérito Aeronáutico, no grau de Cavaleiros, aos veteranos ainda vivos na época – Capitão P.A.M. Félix Zárate Monges, Capitão P.A.M. José Duarte e o Primeiro-tenente Pedro Cataldo – na mesma ocasião, Zárate Monges ainda recebeu a Medalha da Vitória da Associação de Ex-combatentes do Brasil, outorgada por sua participação na Segunda Guerra Mundial
Fonte: http://www.ultimahora.com/los-pilotos-paraguayos-la-segunda-guerra-mundial-n278340.html
Ajuda especial do amigo: Ricardo Motta que gentilmente nos encaminhou sua tese sobre o tema: Misión Aeronáutica Paraguaya de Especialización en Río de Janeiro y actuación en la Campaña Antisubmarina del Atlántico Sur (1942 – 1945)