Apesar da história de glórias e combates dos temidos Ghurkas do Nepal e dos hindus a serviço da Coroa Britânica serem bem conhecidos e difundido, pouco se sabe ou mesmo se escreveu acerca dos demais voluntários coloniais que lutaram na Segunda Guerra Mundial ao lado do outrora vasto Império Britânico, principalmente os vindos da África Negra.
Este foi o caso dos cerca de 65 mil combatentes de Gana, conhecida na época como a colônia da Costa do Ouro, que serviram à Royal West African Frontier Force (RWAFF), na grande maioria alistados com a 81st (West African) Division e que estiveram ativos nas campanhas da África Oriental e na Birmânia.
Com o fim do conflito mundial, muitos veteranos voltaram a sua terra natal e se engajaram na luta pela descolonização contra seus antigos comandantes e talvez por isso não haja hoje muito material e relatos de suas atuações em combate no Extremo Oriente.
No entanto, graças à maravilhosa ferramenta da internet, conseguimos encontrar e reunir fragmentos dos depoimentos de um desses voluntários ganeses, onde podemos conhecer um pouco mais dessa luta desconhecida.
Nascido na cidade costeira de Apam, no dia 9 de dezembro de 1921, Jacob Buabin Quansah, como todo menino ganês da época, recebeu dois nomes diferentes, o já citado, para uso legal e o de Kofi Acquah, só usado dentro da família.
Na sua infância chegou a estudar em um colégio militar chamado West African Trade Training School Nr. 4, em Asuanse, onde obteve seu certificado do ensino básico. Quando a guerra estourou, Jacob não hesitou em pedir e receber o consentimento de seu pai para se alistar.
Nessa época estavam selecionando para o colégio militar, mas como ele já tinha o diploma do colegial, ele foi direto para o exame em Cape Coast, onde acabou alistado como engenheiro na 3rd Field Company, West African Engineers, unidade da 5th (West Africa) Infantry Brigade, sediada em Accra, atual capital de Gana.
Vale lembrar que, a exemplo da maior parte das forças coloniais, os oficiais e a maioria dos suboficiais eram de origem européia, enquanto todos os soldados eram negros africanos.
No início, como jovens que eram, os novos recrutas não levaram aquilo muito a sério, mas logo foram enviados para uma localidade chamada Olokomeji, na Nigéria, onde receberam a formação militar básica e foram treinados para a guerra na selva.
Após quase um ano de preparação, partiram para Serra Leoa e lá embarcaram em um transporte chamado “Virgins Forty”, que os levaria numa longa viagem, escoltados por forte escolta, até o oceano Indico, através do Mediterrâneo e do Canal de Suez.
O navio era enorme, possuía local para exercícios, refeitórios e até um agradável cinema. Um fato interessante que Jacob recorda é que havia entre a tripulação do navio muitas mulheres; no entanto, eles só foram saber disso quando chegaram ao Egito e viram as mesmas desembarcarem.
Em agosto de 1943, após quatro longos meses de deslocamento, Jacob enfim chegou a Bombaim, na Índia. De lá, sua brigada foi deslocada para Nashik e em seguida para Imphal, já numa região de densas selvas e bem mais próximo da linha de frente da Birmânia, outra colônia britânica que faz fronteira com a Índia. Havia nessa região duas frentes bem definidas, uma ao longo da estrada Imphal-Tiddin, onde lutavam forças britânicas e indianas, e a frente do Vale Kaladan, mantida exclusivamente por africanos da RWAFF.
Entretanto, em Imphal-Tiddin, as unidades aliadas não possuíam engenheiros e por isso sua unidade foi transferida para esta frente.
O Sr. Quansah recorda que as duas brigadas japoneses que atuaram nessa frente, auxiliados por nacionalistas do Exército da independência birmanês estavam muito bem posicionados e, alem do mais, conheciam técnicas de combate na selva bastante superiores as adotadas pelos ocidentais, se movimentando em meio à floresta sem serem percebidos, pelo qual foram logo apelidados por todos de fantasmas. Já os avanços aliados eram muito prejudicados pela falta crônica de suprimentos, pelas doenças tropicais e pelas fortes chuvas torrenciais da estação das monções.
O trabalho dos engenheiros era principalmente abrir caminho na frente das tropas para permitir que passassem com todo seu equipamento, mas então, por volta de abril de 1944, os japoneses contra-atacaram e os aliados tiveram de recuar cada vez mais.
Ele conta que, certa vez, ele e alguns companheiros estavam em um intervalo dos combates, fazendo chá, quando uma barragem de artilharia começou a cair a sua volta e as forças aliadas foram obrigadas a recuar apressadamente, sempre perseguido pela artilharia inimiga.
Recorda que foi um de seus piores dias; recorda ainda que havia um oficial hindu em um cavalo que os dava ordens para subirem e descerem colinas sucessivamente, enquanto granadas dos canhões japoneses os seguiam sem piedade.
Quando finalmente a companhia conseguiu distanciar e parar para descansar, estavam boas 20 milhas atrás onde estavam antes e nosso personagem encontrava-se tão debilitado que não conseguia mais andar.
Precisou ser levado a um hospital de campanha até se recuperar.
Em outra ocasião, o Sr. Quansah recorda que foi lhes ordenado para construírem obstáculos e armadilhas antipessoal e semeassem campos minados. Eles não sabiam qual a finalidade daquilo até verem outros combatentes recuando para trás de suas linhas.
Depois disso a 3rd Field Company recebeu ordem de também recuar e se unir as forças africanas da a 81st (West African) Division que lutavam na frente do Vale Kaladan.
Pouco depois, os japoneses, assolados pela falta de comida, munição e por doenças como desinteira e malária, foram rechaçados de volta a Birmânia.
Um episódio engraçado do qual se recorda bem Jacob Quansah ocorreu quando a Alemanha se rendeu, em 8 de maio de 1945, pondo fim a guerra na Europa.
Houve efusiva comemoração entre as unidades estrangeiras na Índia, mas os indianos não entendiam o motivo de tamanha comemoração, pois ali a guerra continuava contra os implacáveis japoneses.
Aliás. Falando sobre isso, nosso personagem afirma que, mesmo derrotados pelo avanço dos britânicos e suas tropas coloniais, indianos, chineses e norte-americanos, muito provavelmente os obstinados soldados japoneses continuariam a lutar até o último homem, o que só não aconteceu realmente porque a invasão da Malásia, aliada às bombas atômicas, levaram a rendição incondicional do Império Japonês.
Parte dos africanos permaneceram na Índia Britânica até 1946, quando enfim fizeram a longa viagem de retorno e, como ocorreu em outros lugares, foram totalmente esquecidos pela Coroa Britânica, embora a experiência de muitos deles ajudaria no fomento do chamado Nacionalismo Africano, que culminaria em inúmeros movimentos de libertação ao redor do continente.
Jacob Buabin Quansah havia deixado sua casa aos vinte anos e somente pode reencontrar sua família pouco antes de comemorar seu 25º aniversário.
Ele é muito agradecido por ter logrado retornar a sua terra depois de tamanho sofrimento na guerra.