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Brasil na Segunda Guerra – Retornando para Casa

No porto de Nápoles atracou finalmente o “Pedro I”. Como Assistente do Cel. Moraes Âncora, Comandante da Tropa, embarquei algumas horas antes do grosso das Unidades. Navio aberto, cheio de camas de campanha pelo convés, bem diferente do transporte que nos trouxe com toda segurança até aqui. Seriam 18h30min horas de 12 de julho quando começamos a desatracar, em meio à alegria geral. Agradeci a Deus, contritamente, a felicidade de embarcar de volta ao Brasil, no mesmo porto onde havia chegado quase um ano atrás, cheio de dúvidas, incertezas e curiosidades.

O navio tem capacidade para 300 passageiros, mas está superlotado. Viajo num camarote de luxo e, como tenho trabalho durante o dia, as horas passam rápidas.

O Mediterrâneo está calmo como um lago. Ao amanhecer do quarto dia avisto pela vigia do camarote a Fortaleza de Gibraltar, encimada por baterias de grosso calibre. No sopé do rochedo, abrigado do mar, um povoado. O navio lentamente contorna o penhasco e entra na baía. À tarde atracamos e logo começará a faina de carregar carvão que se estende por toda a noite. Dois lanchões nos fornecem água.

Na tarde de 17, deixando a baía, cruzamos o estreito. A rocha-fortaleza vai ficando para trás, mas não perde sua grandiosidade. Aproamos ao Atlântico. Atrasamos a primeira hora do relógio de bordo. Depois mais outra. Em breve veremos o pôr do sol às 6 horas da tarde e não mais às 10 da noite.

Como é longo o caminho de casa! Céu e mar. Há cinco dias é esse o único panorama que se descortina de bordo. Dacar aparece do dia 22 e em pouco estamos defronte ao Cabo Verde, assinalado por um farol e guardado por velhos canhões. Passamos pela ilha de Madaleine e aguardamos o prático na entrada do porto. No cais a população negra, de dentes muito alvos, vestindo camisolões brancos, mistura-se com os guardas em uniforme cáqui de calças curtas e perneiras, sapatos amarelos e capacete de cortiça. É impressionante a verdadeira praga de moscas. À noite o cônsul brasileiro leva-nos em rápido giro pela cidade e no Café Paris nos oferece cerveja sem álcool, à moda da terra. O calor intenso só nos abandonou quando, na manhã seguinte, aproamos para o alto mar.

A Guerra terminou... Os momentos de dedicação a pátria seria rapidamente esquecido...

Estamos no terceiro dia da grande travessia. O navio tem jogado um pouco, porém, com quatorze dias de viagem todos nós somos marinheiros. O sol anda meio escondido e, ocasionalmente, chove. Hoje levamos um grande susto durante o exercício de abandono do navio quando se manifestou um incêndio no porão 3, da ré. O combate às chamas durou cerca de três horas, nada agradáveis para quem está a 500 milhas do porto mais próximo e sabe que as baleeiras só comportam um terço do pessoal embarcado. Para compensar a emoção do dia, outra nos estava reservada: à noite, surgiu nos céus o “Cruzeiro do Sul” que para nós, na Itália, pintado em todo nosso material, trazia permanentemente a lembrança da Pátria. Pois ali está o Cruzeiro, com suas cinco estrelas, apontando para o sul como sinal de boas vindas do Brasil aos seus filhos.

No dia 26 Netuno e sua corte subiram a bordo. Em sua proclamação o Monarca reclamava de alguns soldados o uso de tamancos que dizia ser privativo dos lusitanos; pedia que não jogássemos resto de comida no mar, pois seus tubarões precisavam viver; explicava que as sereias andavam escassas porque antes de nós passara outro navio cheio de soldados brasileiros; terminava dizendo que os soldados deviam ter baixa 48 horas após a chegada ao Rio de Janeiro; desculpava-se por não mostrar-nos a linha do Equador, pois, em virtude da guerra, havia mandado camuflá-la.

Ao anoitecer do dia 28 avistam-se as luzes de Olinda e Recife. O prático conduz cautelosamente o “Pedro I” através da barra e o leva ao Armazém 11. O Cais e a praça central do porto estão apinhados de gente. Ouvem-se os acordes de uma Banda, em terra. A multidão prorrompe em aplausos e palmas prolongadas. Em forma, no navio, cantamos o Hino Nacional e, em continência, agradecemos e saudamos o povo. Sobem os homens de imprensa e querem declarações e entrevistas. Escrevi algumas palavras de saudação ao povo pernambucano na pessoa de meus comandados no CPOR de Recife. Atracado o navio chegam as autoridades. Estou numa roda viva. Ordens, providências, estabelecimento de horários, etc. Sou abraçado por muitos ex-alunos que me felicitam entusiasmados.

Vencido o protocolo da recepção oficial, atendemos ao convite do Clube Internacional e para lá nos dirigimos. Ao entrarmos no salão uma salva de palmas estrugiu, e só cessou depois de estarmos sentados. Na festa os conhecidos, os abraços, as felicitações dos amigos. No dia seguinte à tarde consegui, debaixo de forte emoção, falar com Yolanda, ao telefone, no Rio de Janeiro. As saudades cresceram. Contei-lhe a recepção no Recife onde, durante a guerra moramos (dois anos) na “Pensão Suíça”, então, totalmente ocupada por oficiais brasileiros.

Ao cair da tarde iniciamos nosso desfile. Partindo do cais, seguindo pelas ruas Nova e Imperatriz, entramos na do Hospício e chegamos ao Parque 13 de maio, sempre debaixo de aplausos entusiásticos e vibrantes do povo. Aguardamos a chegada do Fogo Simbólico da Pátria que, vindo de Monte Castelo, passava naquele dia pela Capital pernambucana, a caminho de Natal. Parte emocionante foi o hasteamento da Bandeira Nacional iluminada pelos refletores. Naquela noite fomos homenageados no Clube Português e no dia seguinte apresentamos as despedidas oficiais.

Ao Rio de Janeiro chegamos discretamente e logo passamos de bordo para uma composição ferroviária que nos levou ao Realengo, onde estivemos o dia inteiro providenciando o licenciamento dos “pracinhas” todos ansiosos por encontrarem seus familiares e amigos. Tive o prazer de abraçar meu irmão Manoel que foi ao meu encontro na sala onde me instalara na antiga Escola Militar.

Já ao entardecer fomos para Botafogo. Yolanda esperava-me no mesmo apartamento em que a deixara no “Edifício Barão de Lucena”. Enquanto estive na Europa, ficou em Fortaleza, sempre em contato com minha mãe e irmãs. Porém, quando soube do meu embarque voltou ao Rio.

Desfile da FEB no Rio - foto: SECHIN, Carlos. Cinelândia: breve história de um sonho. Rio de Janeiro: Salamandra, 1997.

A alegria do encontro com a moça bonita foi muito grande e emocionante. Ela que vira a entrada no navio na Baía de Guanabara estivera o dia todo à minha espera. Da mesma janela conseguiu identificar o jipe em que eu vinha com o Manoel e desceu a tempo de encontrar-me no hall do edifício e receber o beijo afetuoso que punha fim àquela separação. Subimos para o jantar preparado com tanto carinho onde nem um bolo, decorado com motivos da FEB, faltou à sobremesa.

“Rasgando Papéis – Reminiscências”
Gen. Tácito Theóphilo Gaspar de Oliveira

Sobre Andre Almeida

Ex-militar do exército, psicólogo e desenvolvedor na área de TI.Sou um entusiasta acerca da Segunda Guerra Mundial e criei o site em 2008, sob a expectativa de ilustrar que todo evento humano possui algo a ser refletido e aprendido.

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2 comentários

  1. Tenho meu sogro que participou da 2ª Guerra, tenho foto com a descrição: Leônidas Arantes Pires – 1º pelotão da 3ª Cia. do 4º batalhão do Regimento 9 de Julho com data de 20/07/1932…
    Eu não consigo encontrar onde consta o seu nome com um EXPEDICIONÁRIO.
    Pode me dar uma LUZ.
    Forte abraço.
    Gilberto

  2. Por gentileza, gostaria se alguém pudesse me auxiliar a encontrar o nome de meu Pai ( JOSÉ XAVIER DA SILVA ) na lista dos expedicionario da 2ª guerra mundial, tendo sido ele ex-combatente em Monte Castelo, e retornado ao Brasil após a guerra. Se alguém puder me ajudar, agradeço eternamente.

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