Kurt Gerstein, holandês, oficial da SS da seção de ‘serviço sanitário’, escreveu estas linhas em seu diário, sobre o campo de extermínio de Belzec, antes de seu suicídio em 1945:
“Logo a seguir começa a marcha. À frente uma mocinha muito bonita; caminham ao longo da avenida, completamente nus, os homens as mulheres, as crianças. Estou junto do capitão Wirth, responsável pela organização do extermínio, na escada exterior de um só lance que há entre as câmaras.
As mães – que apertam nos braços seus bebês – sobem, hesitam, entram nas câmaras da morte. À esquina um corpulento SS, com voz sonora e afável, diz àqueles desgraçados “nada vai acontecer de mau! Basta respirar fundo nas câmaras; Isto fortalece os pulmões e é um meio preventivo contra as doenças e epidemias”. Aos que indagam sobre o destino que os espera, responde: “Evidentemente os homens terão de trabalhar, construir casas e ruas. As mulheres tratarão da casa e da cozinha”. Isto representava a última esperança, capaz de fazê-los caminhar sem resistência até as câmaras da morte. A maioria, porém conhece a sua sorte, pois o cheiro dominante é bastante eloqüente. Sobem uma pequena escada e abrangem tudo num último olhar: As mães com seus filhos apertados contra o peito, crianças de tenra idade, velhos, homens, mulheres, totalmente nus; vacilam, mas entram empurrados pelos que vêm atrás, ou pelas vergastadas dos SS, a maioria sem dizer uma palavra.
Uma judia de cerca de 40 anos, de olhos ardentes, amaldiçoa os assassinos: “Que o nosso sangue caia sobre vocês!” E, tendo recebido 5 ou 6 chicotadas no rosto, dadas pelo próprio capitão Whirth, desaparece na câmara de gás.
Muitos rezam, e eu rezo com eles. Vou para um recanto e oro ao meu Deus que é também o Deus deles. Queria entrar ao seu lado nas câmaras de gás. Quanto teria gostado de morrer da mesma morte! Se houvesse encontrado então nas câmaras de gás um oficial SS de uniforme, julgariam tratar-se de um acidente, não voltariam a falar no caso. Mas não devo fazê-lo. Primeiro tenho que denunciar o que vi aqui.
As câmaras lotam. “Encham bem!”, ordenara Wirth. A pessoas estão de tal modo apertadas que pisam os pés uma das outras. Há 700, 800 em 25m² e 45 m², respectivamente. Os SS os colocam como numa prensa, tal como folhas de um livro. As portas são fechadas. Enquanto isso, os outros estão do lado de fora à espera, completamente nus, no inverno ou no verão. “Estão aqui para morrer”, diz um SS.
Compreendo então a inscrição que vi na entrada “Fundação Heckenholt”. Heckenholt é o encarregado do Diesel, um dos 3 ou 4 técnicos encarregados que construíram a instalação. São os gases de escape do diesel que matam aqueles infelizes. O diesel põe-se em movimento e até este instante, todos permaneciam vivos: 4 vezes 750 homens em 4 vezes 45 m3. Decorreram mais 25 minutos. Agora muitos já morreram. Pode-se ver pela vigia: Uma lâmpada elétrica ilumina por momentos o interior da câmara. Passados 28 minutos, poucos restam com vida. Aos 32 minutos: todos morreram.
Do lado de fora os homens do Kommando de trabalhadores abrem as portas de madeira. Como colunas de basalto, os homens ainda estão de pé nas câmaras, sem o menor espaço para cair ou dobrarem-se sobre si próprios. A morte não separou os que pertencem às mesmas famílias, pois estão de mãos dadas. Custa muito a separá-los quando as câmaras são esvaziadas para o próximo carregamento. Despejam-se os corpos úmidos de suor e urina, as pernas cobertas de fezes. Atiram-se pelo ar os cadáveres das crianças. Não há tempo a perder. Duas dezenas de dentistas revistam as bocas com ganchos. Ouro à esquerda; não há ouro, à direita. Outros dentistas, com a ajuda de pinças e martelos, arrancam as peças de ouro e as coroas.
Entre eles, vai e vem o capitão Wirth. Está no seu elemento. Procura-se nos cadáveres o ouro, os diamantes e as jóias. Wirth chama: “Veja o peso desta lata cheia de dentes de ouro. São os despojos de ontem e anteontem”. Numa linguagem incrivelmente cínica, diz: “Não pode imaginar a quantidade de ouro, diamante e dólares que encontramos todos os dias! Vá ver com seus próprios olhos!” Wirth é capitão do exército imperial austríaco, cavaleiro da cruz de ferro, e tem agora a seu cargo o campo de kommandos dos trabalhadores judeus.
Nem em Belzec nem e Treblinka pessoa alguma se incomodou em contar ou em fazer o registro dos mortos. Os números eram calculados por aproximação, segundo o conteúdo dos vagões. O capitão Wirth rogou-me que não propusesse em Berlim, nenhuma modificação nas instalações que dirigia visto haverem provado sua eficácia.
No dia seguinte, 19/08/1942, partimos no carro do capitão Wirth para Treblinka, a 120 km de Varsóvia. A instalação eram mais ou menos a mesma, porém muito maior que em Belzec. Oito câmaras de gás e montanhas de malas e roupas. Ofereceram um banquete em nossa honra, ao velho estilo alemão, tão típico de Himmler. A comida foi simples, mas abundante. Himmler ordenara que se entregassem aos homens do kommando todas as bebidas alcoólicas, a carne e a manteiga que desejassem.
No fim:
“Tenho consciência da importância trágica dos fatos expostos e posso certificar, sob juramento diante de Deus e dos homens, que nada do que disse é inventado. Tudo é inteiramente exato.”
Este relato foi extraído do livro ‘Seleções do Reader’s Digest – Grande Crônica da Segunda Guerra Mundial (Vol. 2 de 3) – De Pearl Harbor a Stalingrado’