Há histórias que o tempo cobre com um véu de silêncio, como se fosse um guardião ciumento, escondendo-as em gavetas empoeiradas, em álbuns de fotos desbotados, em memórias que tremem na voz de quem as carrega. Mas o destino, esse velho contador de contos, às vezes nos guia por caminhos tortuosos até um tesouro perdido. Foi assim que, depois de uma busca incansável, entre arquivos quase ilegíveis e portas que se fecharam em nossa cara, encontramos o Sr. Murilo Radicchi. Ele é o filho de Walter Jerônimo Radicchi, um mecânico da Força Aérea Brasileira que fez parte da saga dos “33 do Pacífico”. Este é um relato único, que você só encontra no Ecos da Segunda Guerra, uma narrativa que pulsa com vida, esforço e um orgulho que atravessa gerações.
O Sr. Walter nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 30 de setembro de 1925, em um Brasil que ainda tateava seu lugar no mundo. Filho de uma terra de montanhas e horizontes largos, ele encontrou seu chamado no ronco dos motores e no cheiro de óleo queimado. Não era um piloto, daqueles que cortam os céus em busca de glória, mas um hábil mecânico da FAB, parte de um time essencial que mantinha os aviões voando. Na Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, ele integrou o esforço coletivo do 2º Grupo de Aviação de Caça, os “33 do Pacífico” — 32 aspirantes cheios de determinação, prontos para enfrentar os japoneses no teatro asiático da Segunda Guerra Mundial. Sob o comando do Capitão Ildeu da Cunha Pereira, eles voavam os Curtiss P-40N Warhawk, e o Sr. Walter estava lá, no chão, com outros tantos operacionais, de mãos sujas de graxa, ajustando peças e testando motores.
Ele não trabalhava sozinho. Era um dos vários membros da chamada ground crew, um grupo de cinco a dez pessoas — dependendo das necessidades da operação — que garantia que cada P-40 estivesse pronto para decolar. Treinados por técnicos americanos da USAAF, esses brasileiros quase anônimos formavam a espinha dorsal da missão, um time silencioso cujo esforço fazia os pilotos alçarem voo. O Sr. Walter era um deles, comprometido com a tarefa de dar asas àquelas aves de metal, num pacto implícito com os aviadores: “Nós te preparamos, vocês voltam em segurança.”
O Sr. Murilo nos recebe com um brilho nos olhos e uma caixa de fotos que parecem sussurrar histórias. “Meu pai ajudou a construir algo importante”, ele diz, a voz carregada de um amor que o tempo não apaga. “Ele foi aos Estados Unidos com outros brasileiros, aprendeu com os melhores, trouxe um conhecimento valioso. Esteve com os ‘33 do Pacífico’ todos os dias, viu o treinamento, os risos, as perdas. Estava pronto para ir à guerra, para fazer sua parte.” Mas o destino tinha outros planos. Em agosto de 1945, enquanto o Sr. Walter e seus companheiros se preparavam para cruzar oceanos, o céu sobre Hiroshima e Nagasaki se acendeu em chamas atômicas. A guerra acabou. O silêncio caiu sobre a base, os motores pararam de rugir, e o sonho de lutar nos céus do Pacífico escorreu como areia entre os dedos. O Sr. Murilo segura uma foto do pai, jovem, ao lado de um P-40, o olhar firme e o peito cheio de um orgulho que não chegou a se completar.
De volta ao Brasil, o Sr. Walter continuou na FAB. Seguiu consertando aviões, orientando novatos, vivendo os desafios do dia a dia em um país em transformação. Viu a aviação evoluir, novos modelos chegarem, gerações de pilotos decolarem sob os cuidados daquele time do qual fazia parte. Após décadas de serviço, aposentou-se, levando consigo um baú de memórias que contava em noites tranquilas, talvez com um copo de café na mão, enquanto Murilo ouvia, fascinado, como quem escuta um pedaço da história viva.
Mas o tempo, esse ladrão implacável, nos roubou o Sr. Walter cedo demais. Em 22 de janeiro de 1992, ele fechou os olhos para sempre. Naquele mesmo dia, eu fazia 10 anos. Uma criança rindo ao redor de um bolo, soprando velas, sonhando com coisas simples, sem saber que, naquele exato momento, um homem dedicado partia, alguém que ajudou a sustentar um capítulo da nossa história. O mundo girava, e eu, em minha inocência, não podia imaginar que anos depois estaria aqui, com lágrimas nos olhos, tentando dar voz a ele e aos seus companheiros.
Este artigo é sobre o Sr. Walter e todos os outros da ground crew, quase invisíveis, que seguraram a História com mãos calejadas. É um apelo para que outras histórias apareçam, escondidas em álbuns esquecidos, em caixas que ninguém abriu, na memória de filhos e netos que talvez nem saibam o tesouro que carregam. No Ecos da Segunda Guerra, queremos ouvi-las. Queremos que o Sr. Murilo não seja o único a nos trazer um pedaço do passado. O Sr. Walter Jerônimo Radicchi foi parte de um esforço maior, um mecânico entre muitos que deram vida aos sonhos dos “33 do Pacífico”. Sua história, contada aqui com exclusividade, é um farol para iluminar outros caminhos. Que estas palavras cheguem longe, toquem corações e tragam mais vozes para perto de nós. Porque a História não morre — ela apenas espera, paciente, por alguém que a escute.
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