FEB – O Retorno dos Pracinhas ao Brasil

No dia 18 de julho de 1945 desembarcava no Rio o primeiro escalão expedicionário, ovacionado pela cidade inteira mas, então, a FEB não existia mais, pelo menos como corpo regular do Exército. Deixara de existir 12 dias antes, no dia 16 de julho, exatamente na data em que o primeiro escalão embarcava na Itália de volta ao Brasil. À providência fora do ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, que determinava, através de uma portaria, que as unidades expedicionárias chegadas ao Rio deviam “passar automaticamente à subordinação da 1ª Região Militar”.

É que o Estado Novo, ainda vigente, que temera a ida da FEB, temia ainda mais, agora, a sua volta. E a apressada desmobilização e dissolução da FEB, apenas dois meses após o término da Guerra e 12 dias antes do seu retorno ao Brasil, era a prova mais flagrante dos temores da ditadura brasileira.

De repente, como num passe de mágica, soldados que haviam sido arrancados de seus lares, no interior de Minas, São Paulo e do Nordeste, que há perto de dois anos se encontravam fora de casa e muitos com quase um ano na Itália, eram sumariamente devolvidos às suas cidades de origem. “E levavam consigo, além de suas feridas, suas mutilações e suas doenças, uma ou duas medalhas e a passagem de volta”. (A frase é de um ex-combatente, hoje general de brigada).

A portaria ministerial determinava que, desmobilizados, os elementos que não pertencessem ao efetivo do Exército deviam retornar às atividades de paz. Mas, para muitos, tais atividades não mais existiam. Muitos não encontraram o emprego que haviam abandonado. E muitos outros não tinham mais condições físicas para qualquer espécie de trabalho. Mas a verdade é que a FEB (pelo menos no que diz respeito à sua oficialidade) que havia partido não era a mesma que voltava.

O oficial brasileiro, na sua grande maioria, havia cruzado pela primeira vez as fronteiras do seu país. Na Itália, iriam conhecer de perto a verdadeira organização de um Exército moderno, o que era e como funcionava um Exército democrático e, o que é mais importante, como era possível esse funcionamento sem a quebra da disciplina militar. Não resta dúvida de que o contacto permanente com o soldado estadunidense deu aos jovens tenentes e capitães, e mesmo aos majores e coronéis da nossa Força Expedicionária, uma compreensão mais ampla das motivações da guerra, das suas implicações políticas, sociais e econômicas.

Onze meses de campanha transformaram a oficialidade da FEB, que daqui saíra como representante de uma casta militar divorciada do povo, num conjunto de militares cidadãos. Para tal evolução, influiu ainda mais o fato de que grande parte da FEB era composta de convocados, gente do povo, gente do campo e da cidade, que até o bem pouco tempo nada sabia dos regulamentos militares e que de forma alguma poderia adaptar-se, em poucos meses de caserna, às suas exigências e rigidez.

O soldado ignorante brasileiro desapareceu por completo na FEB. A casta dissolveu-se naturalmente. E o oficial expedicionário brasileiro ganhou, no trato com os estadunidenses e no convívio com os pracinhas improvisados em guerreiro, uma mentalidade nova, uma maneira nova de sentir o Brasil e os seus problemas. O diálogo se fez mais livre, o debate, nas reuniões de retaguarda, em Florença, Roma e Nápoles mais francos. E de tudo isso, desse encontro do soldado com o cidadão, na Itália, os jovens oficiais brasileiros concluíram que não poderiam voltar ao Brasil e simplesmente retornarem aos seus quartéis, para a rotineira atividade de um ano antes. 

Num discurso, o marechal Castelo Branco declarou que foi na FEB, no diálogo com seus companheiros de guerra, que ouvira falar pela primeira vez na necessidade de reformas de base para o Brasil. No governo do general Dutra, que sucedia à longa ditadura de Vargas, a oficialidade expedicionária logo compreendeu que “a FEB não teria vez”, como de fato não teve. Desmobilizada e com os seus elementos melhores mandados servir em regiões longínquas do país, da FEB ficou apenas o sentido de sua luta, ficou apenas a sua legenda. Mas essa luta e os ensinamentos que dela trouxeram os oficiais expedicionários, teriam que ser corporizados numa espécie de cátedra. Daí a Escola Superior de Guerra, a chamada Sorbonne. Iria continuar a ESG, no Brasil, a simbiose cidadão-soldado, com a união, na mesma tribuna de conferências, do general e do engenheiro, do coronel e do jurista, do major e do economista. Criada no inicio do governo Dutra por um grupo de oficiais da FEB, tendo à frente o general Cordeiro de Faria, a ESG era o próprio prolongamento da FEB, era a FEB que, transformando-se num corpo das Forças Armadas, derrogava a portaria ministerial do dia 6 de julho de 45, que nervosa e apressadamente mandara dissolver o corpo expedicionário. Nos debates da ESG, duas obsessões logo se fizeram. Uma delas: a crença, por parte da maioria dos oficiais expedicionários, já agora agrupados na “Sorbonne”, na infalibilidade da democracia estadunidense.

A outra, a certeza da falência das elites civis do Brasil, incapazes de dirigir a Nação. Em 1945, em conversa com um dos lideres da ESG, para uma reportagem encomendada por uma revista carioca, eu trouxe daquele encontro os cinco pontos básicos em que a ESG assentava seus pontos de vista e com os quais justificava a sua ação, ostensiva ou conspirativa.

São eles:
a) Faliram as elites civis do Brasil;
b) Tem havido um completo descaso pelos problemas fundamentais do país;
c) Os quadros dirigentes vem sendo mal escolhidos, e quase sempre se põe à testa de uma tarefa relevante o menos indicado para isto;
d) Tem prevalecido, no trato das coisas públicas, o interesse pessoal sobre o interesse nacional;
e) A corrupção se alastra.

Rigidamente fechada dentro deste pentágono, a FEB-ESG nega-se ferozmente a aceitar na direção do país quem nele não se enquadre. Daí a sua permanente conspiração, que só poderia cessar com tomada do poder – o que aconteceu no dia 1º de Abril, quando o general Mourão Filho, de Juiz de Fora, deslocou suas tropas para o quarto e definitivo ataque ao Monte Castelo – quero dizer, ao Poder. E assim chega a FEB ao comando do país. Depois de dezenove anos de frustrações e ressentimentos.

Sobre Andre Almeida

Ex-militar do exército, psicólogo e desenvolvedor na área de TI.Sou um entusiasta acerca da Segunda Guerra Mundial e criei o site em 2008, sob a expectativa de ilustrar que todo evento humano possui algo a ser refletido e aprendido.

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2 comentários

  1. Antonio João Magrone

    Prezado senhor,
    Cheguei ao Brasil após a segunda guerra, ainda menido, no mesmo navio que truxe o segundo e último escalão da FEB. Lembro que eram poucos, que o navio que nos trouxe chamava-se DOM PEDRO II e que o comando do grupo estava a cargo do Gal Falconieri. O que não lembro e gostaria de saber é a data certa que o DOM PEDRO II aportou no Rio de Janeiro. Antecipo agradecimentos.
    Att.
    Antonio Magrone

  2. joao alberto teodotro

    Acho importante relembrarmos esses fatos para mostrar ao povo brasileiro carente de heróis no momento em que o pais passa por uma baderna política. onde não temos em quem confiar.. Nosso povo precisa reverenciar esses heróis anônimos que defenderam o nosso pais.

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