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Formação da FEB: Um Balanço Decepcionante

Ao se findar o ano de 1943, a situação era a seguinte:

  • Estado-Maior da Divisão – Inteiramente constituído com a escolha e designação do pessoal.
  • Tropa especial do Quartel-General Divisionário – em curso de organização.
  • Unidades de Infantaria – Nenhum regimento ainda organizado.
  • Grandes déficits, sendo a razão principal o desconhecimento dos resultados das inspeções de saúde e da seleção dos seus homens.

As juntas de Inspeção de Saúde não tinham critérios uniformes. Não estavam mesmo adestradas para tal atividade, nem dispunham de material especializado, além de empregarem processos burocráticos arcaicos e de parco rendimento.

As novas qualificações de especialistas, em que figuravam eletricistas, mecânicos, motoristas, operadores e mecânicos de rádio, armeiros, radiotelegrafistas, etc., complicaram todo o trabalho de complemento dos efetivos. Onde encontrá-los, não se tratando de elementos de formação normal no âmbito do exército? Como retirar das atividades civis, sem convocação legal, homens dotados de remuneração alta, que o exército absolutamente não poderia pagar? Como desorganizar empreendimentos da vida pública retirando-lhes elementos vitais, se não se tratava de uma mobilização nacional? E o desamparo das famílias?

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Estandarte Historico do 11º RI

O outro aspecto foi a transferência de elementos, por exemplo, do 12º e do 10º Regimentos de Infantaria (Belo Horizonte e Juiz de Fora) para o 11º Regimento de Infantaria de São João Del Rei, submetido a critérios diferentes de seleção e sem à menor preparação psicológica. A cooperação dos quadros não foi perfeita. Não havia qualquer estímulo ou sentido heroico, exaltado, para neutralizar sacrifício que se impunha aos menos cultos.

Registraram-se atos de indisciplina do 11º Regimento de Infantaria. Em parte se compreendia. Fora má e injustiçada a escolha do 11º Regimento de Infantaria, unidade mais recuada e mais modestamente aparelhada da Infantaria Divisionária. Se a intenção era honrar o compromisso do Brasil integrando a 1ª Divisão Expedicionária com um Regimento de Infantaria da 4ª Região, a unidade deveria ser o 10º Regimento de Juiz de Fora, sede do Comando Regional, com todos os recursos ao seu alcance, mais próximo do Rio (local da concentração), com Comando Regional para trabalhar na execução da missão, inclusive na mobilização.

Não podia ignorar que Juiz de Fora, um dos mais prósperos centros industriais do país, teria facilidade em selecionar os especialistas de que tanto necessitava a nova organização. Não se pensou em nada disso. Foi escolhido, talvez pelo critério político regional, o Regimento menos aparelhado; o que maiores problemas apresentavam e que, sem dúvida, maiores dificuldades enfrentariam, para chegar a satisfazer as mínimas, mas prementes condições de tempo impostas. Essa crítica, evidentemente, não envolve o desempenho apresentado na campanha pelo 11º Regimento de Infantaria, principalmente nos três últimos meses que antecederam o encerramento das operações. O fato é que o Regimento teve de receber um complemento de 1600 homens oriundos do 10º e do 12º Regimentos, os quais ao se deslocarem para São João Del Rei, sob coação, provocaram lamentável mal-estar e desequilíbrio disciplinar na caserna e na cidade.

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Primeiro Regimento de Infantaria

Os outros Regimentos, 1º e 6º de Infantaria, escolhidos com mais acerto, tiveram melhor apoio dos escalões superiores, mas não puderam superar as dificuldades para a organização das companhias de canhões anticarros de 57 mm e obuses de 105 mm. Eram completamente desconhecidos no Brasil.

Quanto às unidades de artilharia, o problema se apresentava mais simples, porque o material, tipo estadunidense de 105 mm, já existia entre nós. Os efetivos dos Grupos de Artilharia eram da ordem de 500 homens, por grupo. Apenas o Grupo Pesado dos 155 mm não recebeu material desse calibre, por não existir entre nós. E, para não perder o adestramento na técnica de tiro, foi-lhe atribuído, em caráter provisório, o material correspondente a três baterias de calibre 105 mm estadunidense. Toda a artilharia foi aparelhada no curso do mês de dezembro, antes mesmo de ter completado seus efetivos.

O Esquadrão de Reconhecimento Divisionário não teve maior dificuldade em sua organização, pois resultou do aproveitamento e adaptação de um dos esquadrões do 2º Regimento Motomecanizado.

9becmb_1A Engenharia, ao contrário, apresentou uma das soluções mais absurdas. Escolheram, para integrar a Divisão Expedicionária, o 9º Batalhão de Engenharia que tinha sede em Aquidauana – MT -, com um recrutamento deficitário e o mais imperfeito contingente humano. Não se pode fugir a um comentário amargo, não se compreendendo como o Estado-Maior do Exército aceitou essa solução, que poderia redundar nas mais graves consequências. Fazendo parte das tropas da 9ª Região Militar, a uma imensa distância das bases em que penosamente se organizava a Divisão Expedicionária, nenhuma interferência ou assistência poderia o seu Comando lhe dar, apesar da transcendente missão que lhe estava reservada nos campos de batalha, como Engenharia de Combate. Por isso mesmo, foi solicitado o seu deslocamento urgente para a área de concentração da 1ª Divisão, tendo-lhe sido fixada, como ponto de primeiro destino, a cidade de Três Rios, à margem da rodovia União e Indústria, entre Petrópolis e Juiz de Fora. O problema de seleção dos seus homens foi tão difícil, senão mais difícil do que o das outras unidades, dadas as deficiências do meio e, principalmente, o fraco índice demográfico e incultura generalizada. O novo estacionamento apresentava algumas conveniências, como a proximidade do rio Paraíba, para os exercícios de pontagem. Mas, a distância a que se encontrava das outras unidades da Divisão impedia qualquer atividade de cooperação, tão necessária e urgente.

Nisto tudo se evidenciava o nosso completo desconhecimento da realidade da guerra, que já ia marchando para o seu quarto ano de desenfreamento. Ao se reunir na nova sede, em Três Rios, apresentou-se ao Estado-Maior Expedicionário toda a nudez das dificuldades.

Onde encontrar a massa de especialistas, radio-operadores, mecânicos em geral, estenógrafos, mecânicos de rádio, operadores de martelete, mecânicos, tratoristas, motoristas do bote-motor, carpinteiros de ponte, operadores de compressor de ar, etc.? E como se tratava de unidade que não se poderia improvisar, somente por displicência poderia escolher, para essa missão, o 9º Batalhão Expedicionário de Aquidauana, deixando de lado as unidades de Engenharia, do Rio de Janeiro e, principalmente, o 2º Batalhão de Engenharia, de Pindamonhangaba, uma das unidades mais completas e selecionadas da arma.

Na parte de Comunicações não foi difícil. Talvez tenha sido a mais feliz solução, neste angustioso problema de organização. O 1º Batalhão de Transmissão destacou uma das suas companhias, já integradas por especialistas bem treinados, para se transformar em unidade expedicionária. Graças ao seu bom nível de instrução de tempo de paz e aos excelentes quadros de oficiais e sargentos, não encontrou dificuldades em aprender e manipular os novos aparelhos colocados ao seu alcance, na nova organização. Acresce que, estando essa unidade estacionada normalmente no Rio, com toda a sua aparelhagem, ao lado dos Centros de Pesquisa e Cursos Especializados, todas as dificuldades foram removidas e, por isso mesmo, quando enveredou pela fase operacional seu êxito estava assegurado, apresentando-se como a unidade mais eficiente da FEB durante a campanha.

O Serviço de Saúde, representado pelo 1º Batalhão de Saúde, foi constituído pela reunião da 1ª Formação Sanitária regional, acrescida de elementos oriundos da 2ª Formação Sanitária de São Paulo. O mesmo defeito de planejamento: sede fixada para o Batalhão, cidade de Valença, em aquartelamento adaptado, longe do conjunto Expedicionário, desligado do sentido de cooperação, fundamental no caso desta unidade especializada.

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1ª Formação Sanitária em Valença, no Rio de Janeiro - O precursor do Batalhão de Saúde.

O Serviço de Material Bélico apresentou uma grande inovação com a criação da Companhia de Manutenção, tipo de tropa até então inexistente no nosso Exército. E, também por isso, passou a ser a unidade de tão difícil organização quanto o Batalhão de Engenharia. Entre os seus especialistas figuravam, no Pelotão de Reparação de Armamento, os mecânicos de Artilharia, reparadores de instrumento de ótica, maquinistas, chefes de armeiros, armeiros especialistas, técnicos de relojoaria, etc. Nenhuma fonte de formação possuía para recrutar esses elementos. Recorreu-se à mobilização, chamando reservistas, fazendo-se simultaneamente apelo aos quadros de operários especialistas do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro, atendido generosamente.

O Serviço de Intendência, aparentemente simples na sua contextura, levantou imensas dificuldades na constituição de seu órgão de execução, a 1ª Companhia de Intendência, unidade divisionária. Em sendo uma unidade essencialmente transportadora, os seus três Pelotões de Transporte e a Seção de Manutenção exigiam uma quantidade de motoristas de caminhão e de jipes, além dos especialistas, praticamente impossível de obter de improviso.

Longe estava, portanto, de ser alcançada a meta de organização imposta pelas Portarias Ministeriais, limitada ao dia 15 de novembro de 1943. Pode-se dizer que, ao findar-se o ano, em 31 de dezembro de 1943 essas organizações eram embrionárias; algumas até inexistentes, apesar da luta ingente dos que tinham a missão de tirar alguma coisa do caos. Esta sumaríssima síntese dá uma ideia do que foi o labor inicial do Estado-Maior da Divisão Expedicionária.

Sobre Andre Almeida

Ex-militar do exército, psicólogo e desenvolvedor na área de TI.Sou um entusiasta acerca da Segunda Guerra Mundial e criei o site em 2008, sob a expectativa de ilustrar que todo evento humano possui algo a ser refletido e aprendido.

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2 comentários

  1. Flávio Mota de Queiroz

    Gostaria de saber como eram convocados os brasileiros para irem lutar na Itália, se recebiam uma carta, se era algum militar que sai a procura nas cidades? Desde já agradeço a resposta.

    Na vila onde moro tem um ex combatente da segunda guerra.

  2. Joel Tadeu da Silva

    Meu pai – Mauro José da Silva participou da FEB como 3º Sargento de Saúde, mas como ele não gostava de falar da guerra pouco sabemos de sua atuação. Ele serviu no Batalhão de Caçadores de Florianópolis/SC e depois foi para a Itália e retornou em 1945. Faleceu em 21/01/1969 em sua terra natal em Imaruí/SC.
    Poderia obter mais informações, fotos de sua atuação no teatro de operações na Itália?
    Meu nome é Joel Tadeu de Silva e nasci em 09/11/1946.
    Agradeço a sua ajuda.

    Contatos: (71) 3379-3245 e (71) 9276-8123

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