O Africano que Explodiu um Navio Nazista

Herói de guerra sul-africano, Job Maseko enfrentou o inimigo na Segunda Guerra, mas não a discriminação em seu próprio país. Sua história ressurge como um símbolo da luta por reconhecimento.

Há histórias que o tempo enterra, mas que a justiça, mesmo tardia, insiste em desenterrar. Job Maseko, um sul-africano negro que enfrentou a Segunda Guerra Mundial com uma coragem que poucos ousariam imaginar, é uma dessas figuras. Lance Corporal do Native Military Corps, ele não apenas carregou macas sob fogo cerrado em Tobruk, na Líbia, resgatando feridos, mas também protagonizou um ato de audácia que ecoou além das linhas inimigas. Feito prisioneiro pelos alemães em junho de 1942, Maseko transformou uma lata, pólvora e seu conhecimento de minas de ouro em uma bomba improvisada. Colocada perto de tambores de gasolina no porão de um cargueiro alemão, a explosão afundou o navio. Um golpe solitário, genial e arriscado contra o inimigo.

Por esse feito, descrito na citação oficial como demonstração de “engenhosidade, determinação e total desrespeito pela segurança pessoal”, ele recebeu a Medalha Militar. Um reconhecimento, sim, mas insuficiente. Para muitos, incluindo sua família e ativistas como Bill Gillespie, o verdadeiro prêmio, a Cruz Vitória — a mais alta honraria militar do Império Britânico —, lhe foi negado por uma razão simples e cruel: a cor da sua pele. “Se ele fosse branco, teria recebido”, sentencia Jennifer Nkosi Maaba, sobrinha de Maseko, enquanto deposita flores no túmulo do tio, morto aos 36 anos, atropelado por um trem em 1952, na pobreza.

Cerca de 80 mil negros sul-africanos serviram na guerra, mas voltaram para casa com recompensas que refletiam o abismo racial da época: bicicletas, botas e, com sorte, um terno. Os brancos ganharam casas e terras. Maseko, que arriscou a vida em um ato que poderia ter lhe custado a execução imediata se descoberto, merecia mais do que isso. “Ele colocou a proeza militar da África do Sul no mapa”, diz Nkosi Maaba. Gillespie, cujo pai também lutou na guerra, vai além: “A Medalha Militar foi um prêmio de consolação. Tenho certeza absoluta disso.”

A suspeita de racismo na decisão não é nova. Neville Lewis, artista oficial de guerra da África do Sul, já apontava que Maseko fora indicado à Cruz Vitória, mas a barreira racial o rebaixou. Alan Sinclair, curador do Museu Nacional de História Militar, concorda: “A triste realidade é que os negros sul-africanos foram tratados de forma injusta. Ele deveria ter recebido a Cruz Vitória.” Até o governo britânico, porém, hesita. O Ministério da Defesa do Reino Unido alega que não pode revisar prêmios retrospectivos sem provas concretas das circunstâncias, uma posição que soa mais como burocracia do que como busca por justiça.

Há quem diga que o ato de Maseko, por não ter sido testemunhado, não alcança o padrão da Cruz Vitória. Keith Lumley, do Victoria Cross Trust, pondera: “Foi excepcionalmente perigoso, mas ninguém o viu fazer.” Um argumento técnico que não apaga a grandiosidade do feito nem a sombra do preconceito. Enquanto petições para corrigir essa falha histórica esbarram em entraves formais, Gillespie propõe algo palpável: “Estamos discutindo derrubar estátuas, mas que tal erguer uma para Job? Assim ele será lembrado.”

Maseko morreu sem pompa, mas sua história sobrevive — um grito contra a injustiça que o tempo não cala. Um homem que, com uma lata e coragem, desafiou o inimigo e, indiretamente, o sistema que o diminuiu.

Sobre Ricardo Lavecchia

Trabalho como vendedor, mas tenho como hobby desenhar e pesquisar sobre a Segunda Guerra Mundial.

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