Era um dezembro frio e chuvoso em 1943 quando os soldados canadenses do Regimento Hastings & Prince Edward, chamados de Hasty Ps, receberam a ordem de substituir o 1º Batalhão dos Fuzileiros Irlandeses Reais, os Faughs, na frente italiana. A troca aconteceu no dia 5, sob o comando do Oitavo Exército Britânico, liderado pelo marechal Bernard Montgomery. Eles vinham subindo a península desde o desembarque na Sicília, em julho, e agora estavam a poucos quilômetros da costa do Adriático, na região de Abruzzo. O tenente Farley Mowat, oficial de inteligência dos Hasty Ps, foi um dos primeiros a avançar. “Os rostos dos Faughs pareciam papel amassado, pálidos, exaustos”, escreveu ele, enquanto o barulho ensurdecedor dos morteiros ecoava pela estrada costeira. O cheiro acre da pólvora pairava no ar, e Mowat sentia o coração disparar, um misto de medo e cansaço acumulado desde os combates de verão.
O objetivo era claro: tomar Ortona, uma vila de pescadores empoleirada à beira-mar, a poucos quilômetros dali. Mas o terreno, cortado por vales estreitos e ravinas cobertas de vinhas e oliveiras, parecia feito para os defensores alemães. A paisagem, com seus platôs e o vale do rio Moro, dava vantagem às metralhadoras e artilharias inimigas, já posicionadas e calibradas. Para os Aliados, cada metro seria conquistado a preço de sangue.
O Vale da Morte: O Início do Pesadelo
A batalha começou na calada da noite, sem disparos de artilharia para abrir caminho. O major-general Chris Vokes, comandante da 1ª Divisão Canadense, apostava na surpresa. Três batalhões avançariam: os Hasty Ps pela direita, perto da foz do rio Moro; os Seaforth Highlanders no centro, rumo à vila de San Leonardo; e a Infantaria Ligeira Princesa Patrícia, os PPCLI, à esquerda, em direção a Villa Rogatti. O plano era criar cabeças de ponte e avançar até um entroncamento estratégico, batizado de “Cider”, a sudoeste de Ortona. Mas a chuva incessante complicava tudo. No rio Sangro, ao sul, pontes Bailey foram arrastadas pela cheia, cortando o fluxo de suprimentos.
“Eu sabia que, meses antes, teria ido sem hesitar”, confessou Mowat ao receber a ordem de encontrar um ponto para atravessar o Moro. Ele desceu as encostas escorregadias com seus batedores, o rio transbordando sob seus pés, e voltou ileso. À meia-noite, o ataque começou. O silêncio inicial foi rompido pelo som inconfundível das metralhadoras alemãs e pelo brilho das explosões cortando a escuridão. Entre 9 e 10 de dezembro, os alemães contra-atacaram 11 vezes a frágil posição dos Hasty Ps, perto da estrada costeira. O Regimento 200 alemão perdeu muitos homens, mas os canadenses também pagaram caro para segurar o terreno.
A vila de San Leonardo, no platô oposto ao vale, virou um cemitério a céu aberto. O capelão Roy Durnford, dos Seaforth Highlanders, descreveu a cena em 10 de dezembro: “Corpos espalhados, pontes destruídas, lama e destroços por toda parte”. Ele conduziu um enterro sob fogo inimigo, enquanto o chão tremia com os disparos. A guerra ali não dava trégua, e a sensação de estar entrando num inferno era palpável.
Ortona: A “Stalingrado do Adriático”
A luta chegou às ruas de Ortona em 23 de dezembro. Os alemães, agora reforçados pelos paraquedistas do 3º Regimento Fallschirmjäger, transformaram a vila num campo de morte. Cada casa era uma fortaleza, cada rua um matadouro. Os canadenses, sem treinamento específico para combates urbanos, avançavam com tanques Sherman do Regimento Three Rivers, destruindo prédios inteiros para abrir caminho. Os Seaforth Highlanders e os Loyal Edmontons, conhecidos como Eddies, seguiam atrás, usando granadas e submetralhadoras Bren para limpar cômodo por cômodo.
Os alemães resistiam com ferocidade. Cada grupo de dez paraquedistas tinha duas metralhadoras MG 42, o dobro do padrão, disparando de andares diferentes. Armadilhas e escombros dificultavam cada passo. Um soldado cego por estilhaços, encontrado pelos Seaforth, gritava em inglês: “Se eu pudesse vê-los, mataria todos vocês!” A resistência era tão brutal que Ortona ganhou o apelido de “Stalingrado do Adriático”. No Natal, enquanto Durnford tentava trazer um pouco de alento com uma ceia na igreja de Santa Maria di Costantinopoli, o som das explosões não parava. “Os rostos dos novatos eram de puro cansaço”, anotou ele, entre cânticos e ordens para voltar ao front.
Para Farley Mowat, o dia 25 foi um golpe duro. Um sargento trouxe a notícia da morte do major Alex Campbell, abatido em um ataque frontal. Logo depois, viu seu amigo Al Park ser carregado numa maca, com um ferimento na cabeça. “As lágrimas vieram sem que eu pudesse segurar”, admitiu ele, num momento em que a guerra parecia roubar tudo o que restava de humano.
A batalha terminou na madrugada de 28 de dezembro, quando os alemães, reduzidos a poucas dezenas de homens, recuaram para o norte. Siegfried Bähr, do 2º Batalhão alemão, viu seu tenente Pick morrer numa praça, baleado enquanto fumava um cigarro. Ortona caiu, mas a custo altíssimo: mais de 1.300 canadenses mortos ou feridos, uma vila em ruínas e um trauma que ecoaria por anos.