Em 7 de dezembro de 1941, às 7h55 da manhã, o céu sobre Oahu, no Havaí, rasgou-se com o ronco de 353 aviões japoneses. O ataque a Pearl Harbor, planejado pelo almirante Isoroku Yamamoto, durou menos de duas horas, mas deixou um saldo de 2.403 mortos, 21 navios destruídos e 164 aviões reduzidos a destroços. Para os Estados Unidos, foi o fim da ilusão de isolamento e o início de uma guerra que já consumia a Europa e a Ásia. Para Elizabeth “Betty” MacDonald, repórter do Honolulu Star-Bulletin, foi o dia em que as crônicas de chás beneficentes e desfiles de moda cederam lugar ao cheiro de diesel queimado e ao som de explosões que ela jamais esqueceria.
Betty, então com 26 anos, acordou naquele domingo em sua casa em Koko Head, a dez milhas de Honolulu, para um dia que prometia ser rotineiro. Como editora de sociedade e assuntos femininos, seu trabalho era cobrir um ciclo interminável de eventos sociais, algo que ela mesma descrevia como “luncheons, paradas e feiras de igreja”. Casada com Alex MacDonald, repórter policial do Honolulu Advertiser, ela invejava as histórias de crime que ele trazia para casa, enquanto pedia em vão ao editor para migrar à editoria de cidade — “não é lugar para uma mulher”, ouvia. Naquele manhã, às 8h, enquanto o rádio tocava o Coro do Tabernáculo Mórmon, um zumbido cortou a transmissão. Era o primeiro sinal do inferno que se aproximava.
O telefonema do fotógrafo Allen “Hump” Campbell veio minutos depois: “Algo aconteceu em Hickam. Precisamos ir agora”. Betty engoliu o café, acordou Alex — que correu para cobrir a polícia — e partiu com Hump rumo ao porto. O que viu pelo caminho não estava em nenhum manual de jornalismo: pássaros mortos cobriam o asfalto, vítimas do impacto das bombas, e colunas de fumaça subiam de Pearl Harbor. “De repente, ouvi um assobio agudo, quase sobre meu ombro, e vi um telhado voar como num cenário de filme”, escreveria ela anos depois, em relato publicado pelo Washington Post em 2012. Aos olhos de Betty, o Havaí, território americano ainda não estado, tornava-se um campo de batalha.
A transformação de Betty não foi apenas pessoal, mas espelhava o choque de uma nação despreparada. Até então, os EUA acompanhavam a guerra à distância, com muitos cidadãos — especialmente no Havaí, marcado pela memória da Primeira Guerra — abraçando o isolacionismo. Betty, porém, já notara sinais de tensão: movimentos de tropas para as Filipinas, presença crescente da Cruz Vermelha. Ainda assim, nada a preparara para o que viu em King Street, onde escombros de lojas e corpos de pássaros misturavam-se a um menino de cinco anos brincando com uma fita natalina em meio aos destroços. Num impulso jornalístico, ela o pinchou para provocar lágrimas — uma foto para a Life, tirada por Hump, que capturou a dor que ela mesma começava a sentir.
O impacto psicológico foi imediato e brutal. “Pela primeira vez, senti aquele terror surdo que Londres conhecia há meses”, escreveu Betty, descrevendo a sensação de impotência diante das bombas. No hospital Queen’s, para onde foi enviada após ser barrada em Hickam por ser mulher, ela viu corpos retorcidos, “roupas azul-escuras de bombas incendiárias” e sangue “tão vermelho” que nunca imaginara. Escreveu tudo, mas seu editor, Riley Allen, recusou publicar: “Seria assustador demais para as mulheres”. A decisão expõe a censura inicial que marcou os EUA pós-ataque — não a oficial, instituída pelo Office of Censorship em 19 de dezembro, mas a autocensura de editores temerosos de revelar vulnerabilidades ao inimigo ou abalar o moral doméstico.
A rejeição de seu texto foi um golpe, mas também um catalisador. Sob lei marcial, declarada horas após o ataque, o Havaí mergulhou em racionamento, blecautes e paranoia. Betty, que cobrira a elite de Honolulu para o San Francisco Chronicle, viu-se escrevendo sobre cortes baratos de carne como “questão de segurança nacional”. Sua frustração a levou ao OSS em 1943, onde trocaria as flores pela guerra psicológica contra o Japão. Pearl Harbor não apenas destruiu navios; destruiu a inocência de uma geração e lançou Betty numa trajetória que a levaria de testemunha a combatente indireta.
O que resta daquele 7 de dezembro é uma lição dura: guerras não começam apenas com bombas, mas com o colapso das ilusões. Betty MacDonald aprendeu isso na carne — e o mundo, com ela.